A novela da Margem Equatorial (por André Gustavo Stumpf)
A questão que envolve a pesquisa de petróleo na Margem Equatorial decorre de um radicalismo das visões de conservação da natureza

O governo se mexeu. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aprovou o Plano de Proteção e Atendimento à Fauna Oleada para a atividade de pesquisa marítima em bloco da Bacia da Foz do Amazonas, no Amapá, na Margem Equatorial. A Petrobras poderá fazer vistorias e simulados na região onde quer pesquisar novas reservas de petróleo. A análise pelo Ibama do plano da Petrobras de resgate da fauna em caso de vazamento de óleo é vista, no próprio órgão, como a última etapa do processo de licenciamento do poço que a estatal quer perfurar na região.
A questão que envolve a pesquisa de petróleo na Margem Equatorial decorre de um radicalismo das visões de conservação da natureza. Trata-se de uma briga intensa, antiga, sem vencedor aparente. Em todos os países, as cidades foram construídas onde antes existiam florestas. Nova Iorque, que foi comprada dos índios por colonos holandeses em 1626, com o nome de Nova Amsterdã, era um gigantesco pântano. Hoje é um uma floresta de prédios. E assim toda a planície norte-americana, onde até os animais, os bisões, foram extintos junto com os índios. O Brasil não precisa ser tão radical. Pode equilibrar um e outro lado. Mas não pode preservar a floresta para os gringos fotografarem jacaré e macaco, enquanto nativos passam por dificuldades.
A Petrobras planeja perfurar inicialmente um poço a cerca de 160 km da costa do Oiapoque, noAmapá e a 500 km da foz do rio Amazonas. O objetivo da estatal é comprovar a viabilidade econômica de investir para produzir petróleo ali, o que demandaria outra licença do Ibama. Em 2018, o Ibama negou cinco licenciamentos de blocos próximos ao poço 59 pela complexidade ambiental da região. A Petrobras já anunciou a construção de uma base de apoio em Oiapoque, região mais próxima ao ponto de exploração, para responder ao Ibama quanto às insuficiências para o resgate de animais. A empresa também afirmou que deixará barcos disponíveis para a realização de resgates.
A discussão entre os que pretendem deixar a selva intocada e aqueles que defendem levar o progresso e o desenvolvimento aos estados do norte vai atravessar a próxima década. As últimas fronteiras brasileiras são o extremo Norte e o Noroeste, ricos em minerais, petróleo, ouro, borracha, com água em abundância e muitos rios que proporcionam boa navegação. Alguns deles oferecem situações excepcionais para a construção de hidrelétricas na margem norte do Rio Amazonas. Uma boa briga vem por aí.
Livro – Chegará às livrarias do Brasil no próximo mês um livro que merece leitura atenta pelas informações ali contidas obtidas em fontes norte-americanas e na inteligência brasileira. É “Irmãos de Armas, a aliança entre Brasil e Estados Unidos durante a Segunda Guerra e suas consequências”, Frank D. McCann, editora Companhia das Letras.
O longo trabalho do professor, falecido em 2021, demonstra vários ângulos da aliança entre os dois países desde o início, na década de trinta, até seu desfecho no governo Geisel. Os brasileiros têm reduzido conhecimento de que muito antes do ataque japonês à base naval de Pearl Harbour, em 1941, o país já era alvo de planejamento militar dos Estados Unidos. O interesse começa em 1939, com o medo crescente de que as nações do Eixo atacassem os Aliados pelo Atlântico Sul durante a Segunda Guerra Mundial.
Trazer as forças para o Brasil foi, portanto, a estratégia ideal para afastar a ameaça. A negociação resultou numa aliança que se encerraria somente em 1977 sobrevivendo ao confronto mundial e às crises dos anos subsequentes. No período, as forças armadas norte-americanas construíram dezesseis instalações militares no país, entre elas a Base Aérea de Natal, a maior base fora dos Estados Unidos, que abasteceu os aliados no Oriente Médio e na Ásia. O Brasil criou a Força Expedicionária Brasileira e enviou um esquadrão de caças para lutar na Itália, tornando-se a única nação da América Latina a participar diretamente do confronto.
A partir dos arquivos brasileiros e dos documentos da inteligência norte-americana que se tornaram públicos, Frank D. McCann demonstra como a aliança mudou o curso da Segunda Guerra e teve grande impacto na vida das duas nações. Não havia, na época, aviões capazes de atravessar o oceano Atlântico. Todo o equipamento bélico, antes da invasão da Europa, foi enviado para o teatro de combate por intermédio da Base de Natal. O monitoramento dos voos e das viagens marítimas foi feito na base construída na ilha de Fernando de Noronha. Frank D. McCann é também o autor do monumental, Soldados da Pátria, História do Exército Brasileiro 1889-1937, Companhia das Letras.
André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
What's Your Reaction?






