A relação Brasil e Estados Unidos (por André Gustavo Stumpf)
A eclosão da Segunda Guerra Mundial obrigou o Brasil a acordar de sua eterna sonolência.

Brasil e Estados Unidos são dois países gigantes do hemisfério ocidental em território, população, recursos naturais e parque industrial. Jamais guerrearam entre si, seus governos têm relativamente poucas disputas e muitas vezes ajustaram suas relações desde que José Silvestre Rebello apresentou suas credenciais ao presidente James Monroe, em maio de 1824, como primeiro representante do Império independente. Embora as relações entre os dois países tenham sido pacíficas por 201 anos, um fio de tensão permeia o tecido destas relações. Agora, as tarifas impostas por Donald Trump tumultuam uma relação que em outros tempos chegou a ser pacífica e profícua.
A eclosão da Segunda Guerra Mundial obrigou o Brasil a acordar de sua eterna sonolência. O Brasil não tinha universidades antes de 1930. O país possuía, em 1940, 41.114.000 habitantes. Os Estados Unidos 132.164.569 habitantes. Naquele ano, 47 % dos brancos brasileiros eram analfabetos, entre os negros o analfabetismo alcançava 79%. Entre os pardos 71%. Em contraste, nos Estados Unidos apenas 4% da população branca era analfabeta e 20% dos negros. O Brasil era a terra do café e nos Estados Unidos já predominava a produção industrial movida por vastas ferrovias que ligavam o país de costa a costa. No Brasil, a estrada Rio-São Paulo era de cascalho até 1940. E no Brasil de 1940 estava no poder a ditadura de Getúlio Vargas. Nos Estados Unidos, o poder era exercido pelo presidente Franklin Roosevelt, eleito.
A guerra explodiu na Europa quando as tropas de Hitler invadiram a Polônia em 1° de setembro de 1939. Em seguida, invadiram vários países do continente e chegaram a poucos quilômetros de Moscou. Havia, também a guerra no norte da África. A França foi dominada pelos nazistas em maio de 1940. Isso significava que suas colônias passaram a ser geridas por Berlim. Entre elas, estava o Senegal que fica na parte africana mais próxima a Natal, no Brasil. Esta série de acontecimentos obrigou o Brasil a despertar de seu berço esplêndido.
Os serviços de informação norte-americanos perceberam o risco de o Senegal ser dominado pelos nazistas e servir de apoio para eventual invasão do chamado saliente nordestino, o nordeste brasileiro. De posse desta área, os nazistas poderiam controlar o canal de Panamá e impedir a ligação dos Estados Unidos com a Europa e controlar o Atlântico Sul. Não havia avião capaz de atravessar o Atlântico Norte. A única alternativa para abastecer os exércitos na Inglaterra, na União Soviética e no norte da África era o caminho por intermédio de Natal, Rio Grande do Norte. O trampolim da vitória, a travessia Natal-Senegal, permitiu que as mercadorias enviadas para a guerra chegassem às frentes de combate.
Não foi uma operação fácil. O governo dos Estados Unidos não tinha opinião favorável sobre as Forças Armadas do Brasil, mal armadas, mal treinadas e ainda sob forte influência francesa do início do século passado. Para os brasileiros aceitar defensores norte-americanos em território brasileiro era uma evidente ameaça à soberania nacional. Além disto, alguns generais de prestígio no Brasil não escondiam sua admiração pelo profissionalismo das tropas alemãs. Por último, os militares brasileiros sempre se prepararam para uma guerra de fronteira com a Argentina. A fronteira sul sempre foi a mais protegida e fortificada. A espionagem nazista ativa dentro do Brasil informava o roteiro, horário e os dias em que os navios mercantes entravam e saíam dos principais portos brasileiros com destinos aos Estados Unidos.
A história é longa, mas o espaço é curto. Submarinos alemães começaram a torpedear navios brasileiros no curso para os Estados Unidos. No segundo momento, começaram a afundar navios brasileiros nas águas territoriais brasileiras. Neste momento, a população civil se levantou, exigiu respostas e o governo se mexeu. Assinou ato permitindo que a empresa Pan American, por intermédio de sua subsidiária Panair do Brasil, construísse os aeroportos do norte e do nordeste. A Base Aérea de Parnamirim, Natal, foi a maior operação do Exército dos Estados Unidos, antes da invasão da Europa. Brasil e Estados Unidos mantiveram um tratado de cooperação militar até o governo Geisel. O acordo foi rompido quando o presidente Jimmy Carter trabalhou para impedir que o Brasil tivesse seu projeto de energia nuclear. Formalmente, o projeto foi arquivado. Mas a Marinha do Brasil continuou seus estudos e conseguiu enriquecer urânio. Agora se prepara para colocar no mar o primeiro submarino nuclear produzido no Brasil, sob profunda desconfiança dos militares norte-americanos.
Para saber mais sobre o assunto, sugiro a leitura do magnífico “Irmãos de Armas, a aliança entre Brasil e Estados Unidos durante a Segunda Guerra e suas consequências”, Frank D. McCann, Companhia das Letras. 341 páginas.
André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
What's Your Reaction?






