Assinaturas forjadas e empresas contratadas para mentir: como funcionava o esquema que drenou o INSS

A apuração teve como foco a Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer)

May 14, 2025 - 02:30
 0  0
Assinaturas forjadas e empresas contratadas para mentir: como funcionava o esquema que drenou o INSS

Antes de o escândalo bilionário do INSS ganhar repercussão nacional, com operações da Polícia Federal (PF) e a queda da cúpula da Previdência, uma investigação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) já expunha os bastidores do golpe. Com base em depoimentos, quebras de sigilo e diligências realizadas entre 2020 e 2021, os promotores descobriram que o esquema operava a partir de contratos simulados, falsificação de documentos e uso de empresas de fachada para forjar autorizações de desconto em aposentadorias.

A apuração teve como foco a Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer), entidade, com sede em Brasília, que figurava como beneficiária de milhões de reais transferidos diretamente dos benefícios de segurados do INSS. O que o MPDFT descobriu, anos antes da deflagração da Operação Sem Desconto, foi que uma rede de terceirizadas criava filiações fantasmas para legalizar cobranças indevidas.

A investigação do MPDFT revelou que a Conafer firmou um Termo de Cooperação Técnica com o INSS que permitia descontos em folha para associados. Mas a maior parte dessas filiações era forjada. Para operacionalizar os registros, a entidade contratou a empresa Target Pesquisa de Mercado, por R$ 750 mil, com a justificativa de coletar assinaturas e fichas de adesão em diversos estados.

Na prática, os documentos eram fabricados. A Target, segundo a apuração, repassou a execução das tarefas à Premiar Recursos Humanos, empresa apontada como responsável pela falsificação dos dados. Endereços fornecidos à Receita Federal não correspondiam a sedes reais: em Brasília, a reportagem encontrou apenas um lote deserto em área residencial.

PDFs falsos e manipulação de cadastros
O ponto de ruptura da investigação foi o depoimento espontâneo de um ex-funcionário da Premiar. Ele contou, em detalhes, como alterava arquivos em PDF para simular fichas de filiação. Nomes, CPFs, datas e até assinaturas eram inseridos artificialmente, com o objetivo de atender às exigências técnicas do INSS para validar os descontos.

Outro depoente, representante da Premiar, confirmou à Coordenação de Repressão aos Crimes Contra o Consumidor, a Ordem Tributária e a Fraudes (Corf) que a empresa atuava diretamente na manipulação documental. O homem relatou ainda ter recebido ameaças após deixar o trabalho, o que motivou sua delação às autoridades.

Quando cobrada pelo próprio INSS a apresentar autorizações válidas, a Conafer apresentou documentos incompletos, com dados faltando ou assinaturas ilegíveis. Alguns registros tinham CPFs de beneficiários falecidos, duplicações ou ausência total de identificação válida.

Casos como o de uma aposentada, localizada pela coluna, que teve R$ 72,83 descontados sem nunca ter assinado qualquer autorização, foram relatados à promotoria. Em outro episódio, um beneficiário que morava no exterior apareceu como “associado ativo”, mesmo sem nunca ter retornado ao Brasil.

Apesar dos indícios, os repasses não foram imediatamente suspensos. Em 2021, mesmo com o alerta emitido pelo MPDFT, o então presidente do INSS Leonardo Rolim autorizou a continuidade dos pagamentos à entidade.

Estrutura enxuta, lucros milionários

A reportagem esteve na sede da Conafer, no Setor Comercial Sul, em Brasília. No local, uma recepção com dois funcionários e silêncio absoluto. Ao mencionar o termo “descontos indevidos”, a atendente mudou de expressão e apenas indicou que os casos só poderiam ser tratados diretamente com os beneficiários.

8 imagens
1 de 8

BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

2 de 8

BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

3 de 8

BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

4 de 8

BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

5 de 8

BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

6 de 8

BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

7 de 8

BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

8 de 8

BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

Ao longo da investigação do MPDFT, foi constatado que a entidade operava com estrutura mínima, mas mantinha intensa movimentação financeira.

Carlos Roberto Ferreira Lopes, presidente da confederação, abriu com a esposa uma empresa de capital social declarado de R$ 3 milhões no mesmo período em que as filiações fraudulentas explodiam. Seu irmão, Tiago Lopes, também teve evolução patrimonial considerada incompatível com os rendimentos declarados.

O alerta ignorado
A investigação local foi pioneira ao expor o mecanismo de falsificação de filiações. Embora o caso só tenha ganhado repercussão nacional anos depois, quando o Metrópoles revelou o crescimento vertiginoso de entidades como a Conafer e a CGU e a Polícia Federal iniciaram a Operação Sem Desconto, o MPDFT já apontava desde 2021 a existência de uma fraude sistêmica na relação entre essas associações e o INSS.

O processo que tramitou no Distrito Federal reuniu provas documentais, contratos suspeitos, análise de movimentações financeiras e relatos de vítimas. Ainda assim, a engrenagem só começou a ruir com a publicação das reportagens, a abertura de investigações federais e a suspensão dos contratos.

What's Your Reaction?

like

dislike

love

funny

angry

sad

wow

tibauemacao. Eu sou a senhora Rosa Alves este e o nosso Web Portal Noticias Atualizadas Diariamente