Brasileiros contra brasileiros (por Roberto Brant)
Tem gente celebrando a penalização injusta e imotivada de empresas e trabalhadores brasileiros

A decisão do governo americano de punir o Brasil por meio da imposição de uma tarifa adicional de 50% sobre todas as nossas exportações, numa atitude excessiva mesmo para os padrões de Donald Trump, além de causar danos severos a amplos setores de nossa economia, pode ainda ter o efeito perverso de colocar brasileiros contra brasileiros.
A decisão do governo americano é polêmica sob qualquer ponto de vista. A política de impor tarifas aos países que exportam para os Estados Unidos tinha o objetivo de conter os elevados e crescentes déficits comerciais americanos com o resto do mundo. A maioria dos economistas discorda da tese de que o aumento das tarifas necessariamente eliminaria os déficits e traria de volta as indústrias. Para isto seria necessário que os americanos consumissem menos e poupassem mais, inclusive o Governo, o que parece impossível.
De qualquer modo, esta seria uma lógica que poderia ao menos servir de justificativa. A decisão de taxar as exportações brasileiras, no entanto, não tem qualquer relação com esta lógica. Os Estados Unidos importam anualmente em torno 4,5 trilhões de dólares, dos quais apenas 40 bilhões de dólares provém do Brasil. Eles têm déficits comerciais com a maioria dos países, somando tudo cerca de 1,3 trilhões de dólares em 2024, sendo os principais a China (déficit de 295 bilhões), União Europeia (235 bilhões), México (171 bilhões), Vietnã (123 bilhões) e aí por diante. O Brasil, ao contrário, têm mantido sistematicamente déficits nas transações com os Estados Unidos, sendo que de janeiro a maio deste ano o déficit já alcança 3,5 bilhões de dólares. E assim tem sido regularmente ao longo dos últimos quinze anos. Isto sem falar da conta de Serviços, em que nosso déficit é ainda muito maior. Os brasileiros transferem renda para os americanos.
Para nos defender precisamos compreender o que está por trás deste ataque surpreendente. Na realidade as tarifas comerciais de Trump vão muito além dos objetivos de equilibrar o balanço de pagamentos. Elas estão se convertendo em um instrumento de múltiplos propósitos, para extrair concessões políticas de outros países, numa atitude sem precedentes na história moderna das relações internacionais. Aí podemos encontrar explicação para o fato de que, até o momento, o Brasil tenha sido penalizado com as tarifas mais altas depois da China. Nos últimos dias Trump definiu as novas tarifas para países imensamente superavitários com os Estados Unidos: Japão (25%), Coreia (25%), Indonésia (32%) e Vietnã (20%). Até o atual governo Trump, todo o comércio internacional era guiado pelo chamado “Princípio da nação mais favorecida”, que estabelece que no comércio internacional o tratamento dispensado a um país deve ser estendido a todos os demais, sem discriminação. Ao impor tarifas individualmente, caso a caso, o governo americano destruiu as regras do comércio, estabelecidas sob sua própria liderança desde o fim da II Guerra.
Pelo que já está dito e pelo que se pode supor, a penalização ao Brasil tem o propósito de interferir na nossa vida interna, interrompendo a regulação das Big Techs e trancando o processo contra Jair Bolsonaro. São duas tarefas para as quais o governo brasileiro não tem competência, pois o Brasil hoje é diferente dos Estados Unidos, aqui há separação de Poderes e o Judiciário é independente. Elas não podem ser objeto de negociação diplomática, sem que a nossa democracia se arruíne e sem que a nossa soberania seja descartada, o que não é certamente o que os brasileiros desejam.
Há quem diga que o protagonismo verbal do Presidente Lula na reunião dos BRICS seja o motivo principal. Sem dúvida nosso Presidente fala muito e costuma ser inconsequente. Além disso, o BRICS está se tornando claramente um clube de ditadores. Mas esta é uma questão sobre a qual os brasileiros devem decidir.
Qualquer que seja a causa, uma coisa não poderia estar acontecendo: brasileiros celebrando a penalização injusta e imotivada de empresas e trabalhadores brasileiros. O governo Trump passará; esta traição não passará.
Roberto Brant, ex-ministro da Previdência Social do governo Fernando Henrique Cardoso
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