Em nome do pai (por Mary Zaidan)
Cada dia fica mais complicado para os Bolsonaros sustentar que não agem contra a soberania do país

Seja pelo mérito ou pelo momento da ação, as medidas cautelares impostas na sexta-feira ao réu Jair Bolsonaro deram um nó nos defensores e apoiadores do presidente Lula e do ex. As reações de um lado e de outro foram de idas e vindas. Ainda que as redes sociais tenham sido tomadas por memes criativos (e divertidos), políticos governistas que de início aplaudiram, recuaram. E aliados bolsonaristas, à exceção dos mais radicais, optaram por ditos protocolares, cientes do custo que as sanções de Donald Trump ao Brasil impôs a eles.
Acertadamente, gente do governo e o próprio Lula se calaram diante das solicitações da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República, endossadas pela decisão do ministro Alexandre de Moraes, de monitorar o ex com tornozeleira eletrônica, impedindo-o de se aproximar de embaixadas e de ter contatos com outros réus de ações penais em curso. Mas deve ter sido duro para os boquirrotos governistas, a começar pelo próprio Lula, segurar o ímpeto de comemorar.
Entre os bolsonaristas, embora o discurso de perseguição tenha se fortalecido, os ditos dos políticos aliados foram frios, nitidamente por receio de mais danos com previsíveis novas sanções de Trump. Nem mesmo festejaram muito a primeira delas, anunciada em post no X pelo secretário de Estado Marco Rubio, de suspensão de vistos do PGR Paulo Gonet, de Moraes e sete outros ministros do Supremo, e seus familiares. Só se livraram os ministros André Mendonça e Nunes Marques, indicados ao STF por Bolsonaro, e Luiz Fux, que, provavelmente, deve estar para lá de constrangido por não ter sido incluído na lista dos banidos.
Eduardo agradeceu a Trump e renovou a conspirata: “há mais por vir”, ameaçou.
Erroneamente, muito se discutiu sobre o momento da aplicação das medidas cautelares, devido à tensão crescente nas relações do país com o governo Trump. Teve quem atribuísse a batida da PF na casa de Bolsonaro à carta que o presidente americano publicou na quinta-feira, na qual renova o apoio ao ex e as ameaças ao Brasil, ao governo Lula e à Justiça. Bobagem. O processo na PF já estava em curso bem antes disso.
No mérito, a peça de Moraes é perfeita. O ministro não emite opiniões. Atende às solicitações da PF e da PGR, registrando ponto a ponto os indícios de cometimento de crimes indicados pelas duas instituições. Ao fim e ao cabo decidiu acatar os pedidos determinando a cautelar pelos crimes de “coação no curso do processo”, “obstrução à Justiça”, e “ataque à soberania nacional”, este último impresso em lei promulgada pelo próprio Bolsonaro. Há quem diga que Moraes até pegou leve.
A argumentação do ministro é irretorquível, com exemplos da conspiração dos Bolsonaros, partindo do filho 03, o deputado licenciado Eduardo. Há fartura de exemplos de apoio do ex à chantagem trumpista, além da declaração do pai, em juízo, do envio de R$ 2 milhões para custear a vida do rebento em terras gringas, onde ele opera para atentar contra o Brasil.
A PGR destaca ainda o risco de fuga, que Bolsonaro nega de pés juntos, embora tenha ido de mala e cuia para a embaixada da Hungria por dois dias quando, nas proximidades do Carnaval, sentiu que poderia ser preso.
Seus advogados dizem que não há qualquer gesto do ex que corrobore com a tese de fuga. Talvez não tenham assistido ao Paulo Figueiredo Show, conduzido pelo neto do ex-presidente João Figueiredo. Ao lado de Eduardo, Paulo, que é réu por tentativa de golpe de Estado, disse que a Casa Branca ofereceu asilo a Bolsonaro. Reafirmou o dito em entrevista ao jornal O Globo: “Tinha oito pessoas do Departamento de Estado, mas tinha uma pessoa da Casa Branca especificamente na reunião. E ela virou e falou assim: ‘e se fosse oferecido algum acordo de liberdade para o seu pai para ele vir para os Estados Unidos exilado e a gente livrasse vocês dois (Jair e Eduardo) de Interpol?’”
De certa forma, a tornozeleira eletrônica em Bolsonaro explicitou os ingredientes que Trump insiste em misturar: uma coisa é tarifa comercial, outra é interferência na Justiça e na organização do Estado brasileiro.
A primeira foi formalmente repudiada pelo governo Lula e pelo Congresso. Está sob a batuta do vice-presidente Geraldo Alckmin e da diplomacia, e, mesmo que não dê em nada, registra que o Brasil está aberto às negociações comerciais. Para a segunda, o STF demonstrou que há separação dos poderes, sem qualquer possibilidade de que sanções tarifárias possam mudar o curso de processos judiciais. Quanto à suspensão de vistos para que entrem nos Estados Unidos, Moraes e seus pares podem incluí-la como ponto de honra em seus currículos. Talvez até reivindiquem a mesma sanção para Fux.
Dificilmente o Brasil escapará da chantagem trumpista, com danos reais aos brasileiros. Mas cada vez fica mais complicado para os Bolsonaros sustentar que não agem contra a soberania do país – um crime bárbaro. Em nome do pai – não o do céu, que estaria acima de todos -, mas do deles.
Mary Zaidan é jornalista
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