Entre o Chile e a Palestina: Lina Meruane lança dois livros na Bienal e fala sobre memória e identidade
Autora chilena estará na Bienal do Livro para o lançamento da segunda edição ampliada de “Tornar-se Palestina” e o inédito “Sinais de nós”, ambos publicados pela Relicário Edições. Lina Meruane conversou com o g1 sobre sua jornada. Entre o Chile e a Palestina: Lina Meruane lança dois livros na Bienal e fala sobre identidade e memória Timo Berger / Divulgação A premiada escritora chilena Lina Meruane desembarca no Brasil na próxima semana para participar da Bienal do Livro Rio 2025, no Riocentro, e da Feira do Livro em São Paulo. A autora celebra uma trajetória literária dedicada a temas complexos como memória, identidade, exílio e as cicatrizes de conflitos políticos. Na bagagem, Lina traz dois lançamentos: a segunda edição ampliada de 'Tornar-se Palestina' e o inédito 'Sinais de nós', ambos publicados pela Relicário Edições. Veja na reportagem uma entrevista exclusiva com a autora. "Em ambos os livros, há esse impulso meu de revisar questões que, na infância, eu não compreendia — e que, na vida adulta, me vejo compelida a enfrentar", comentou Lina Meruane. Com mais de 15 mil exemplares vendidos no Brasil, 'Tornar-se Palestina' retorna com novo prefácio do escritor Milton Hatoum e uma terceira parte inédita, 'Rostos em meu rosto'. Já 'Sinais de nós' marca a estreia de um texto de memórias sobre a infância da autora durante a ditadura militar de Augusto Pinochet, no Chile. Clique aqui e siga o perfil do Bom Dia Rio no Instagram Enfrentando o passado e o presente Nascida em Santiago do Chile, em 1970, Lina Meruane é uma das vozes mais relevantes da literatura latino-americana contemporânea. De ascendência palestina, ela vive nos Estados Unidos desde 2000, onde leciona escrita criativa na Universidade de Nova York. Sua obra transita entre a ficção, o ensaio e a crônica, com um olhar crítico sobre temas como corpo, identidade, gênero e política. Sua escrita revela uma profunda investigação da própria identidade, utilizando sua experiência pessoal como ponto de partida para reflexões mais amplas. Meruane é autora de livros como 'Sangue no olho', 'Contra os filhos' e 'Sistema nervoso', e já recebeu prêmios como o Iberoamericano de Letras José Donoso, o Sor Juana Inés de la Cruz e o Anna Seghers. Tornar-se Palestina: uma viagem civilizatória Publicado originalmente em 2013, 'Tornar-se Palestina' é um relato híbrido que mistura crônica de viagem, ensaio político e reflexão linguística. Lina Meruane é autora do livro "Tornar-se Palestina". Divulgação Relicário Edições Lina narra sua visita a Beit Jala, cidade palestina de seus ancestrais, que fica a cerca de 10 km ao sul de Jerusalém. Ela transforma a experiência em um mergulho na sua identidade familiar e na violência da ocupação israelense. “Passei de uma posição passiva de ‘palestinidade’ para uma posição ativa, de compromisso com a causa. [...] O que vemos agora é um genocídio brutal, visível 24 horas por dia nas redes sociais”, contou Lina ao g1. A nova edição lançada na Bienal inclui a parte inédita “Rostos em meu rosto”, em que Lina reflete sobre como a identidade se imprime no corpo e na linguagem: “Cada rosto contém todos os rostos que nos antecedem. [...] Esfrego a cara com água fria, querendo apagá-la. Apagar dela o que não sinto como próprio”, dizia um trecho do livro. Sinais de nós: infância sob a ditadura Em 'Sinais de nós', Lina revisita sua infância durante a ditadura de Augusto Pinochet, revelando como o medo, o silêncio e a desinformação moldaram sua geração. O livro é um ensaio autobiográfico que questiona a inocência da infância e a cumplicidade involuntária diante da violência de Estado. "Será que nos defendermos na infância nos torna cúmplices?", questiona Lina em 'Sinais de nós'. No livro, a autora parte de memórias pessoais para refletir sobre a responsabilidade histórica e a construção da memória coletiva. "Era preciso reconhecer que, na infância, não entendíamos o que acontecia. Que, de certa forma, acreditamos na narrativa da ditadura. Estávamos do lado errado da história", comentou Lina ao g1. Entrevista completa Lina Meruane é autora do livro 'Tornar-se Palestina' Magdalena Siedlecki / Divulgação Você está lançando dois livros na Bienal: um sobre sua ancestralidade e outro sobre sua infância na ditadura chilena. Como essas duas obras dialogam entre si? Lina Meruane: Esses dois livros são o que eu chamo de ensaios autobiográficos. Um trata de crescer sob uma ditadura. São memórias e reflexões que esse tempo me suscita enquanto mulher, que foi uma criança que não sabia que vivia em uma ditadura. Não havia um “fora” da ditadura, nem um conceito claro do que era uma ditadura em oposição à democracia. A reflexão gira em torno de até que ponto alguém pode ser cúmplice de um regime violento, não apenas por não ter agido na infância ou adolescência, mas por ainda não ter feito essa reflexão. Foi isso que me levou a revisitar esse período: a necessidade de entender como operam o silêncio e a mentira. Já "Tornar-se Palestina" vai além. É


Autora chilena estará na Bienal do Livro para o lançamento da segunda edição ampliada de “Tornar-se Palestina” e o inédito “Sinais de nós”, ambos publicados pela Relicário Edições. Lina Meruane conversou com o g1 sobre sua jornada. Entre o Chile e a Palestina: Lina Meruane lança dois livros na Bienal e fala sobre identidade e memória Timo Berger / Divulgação A premiada escritora chilena Lina Meruane desembarca no Brasil na próxima semana para participar da Bienal do Livro Rio 2025, no Riocentro, e da Feira do Livro em São Paulo. A autora celebra uma trajetória literária dedicada a temas complexos como memória, identidade, exílio e as cicatrizes de conflitos políticos. Na bagagem, Lina traz dois lançamentos: a segunda edição ampliada de 'Tornar-se Palestina' e o inédito 'Sinais de nós', ambos publicados pela Relicário Edições. Veja na reportagem uma entrevista exclusiva com a autora. "Em ambos os livros, há esse impulso meu de revisar questões que, na infância, eu não compreendia — e que, na vida adulta, me vejo compelida a enfrentar", comentou Lina Meruane. Com mais de 15 mil exemplares vendidos no Brasil, 'Tornar-se Palestina' retorna com novo prefácio do escritor Milton Hatoum e uma terceira parte inédita, 'Rostos em meu rosto'. Já 'Sinais de nós' marca a estreia de um texto de memórias sobre a infância da autora durante a ditadura militar de Augusto Pinochet, no Chile. Clique aqui e siga o perfil do Bom Dia Rio no Instagram Enfrentando o passado e o presente Nascida em Santiago do Chile, em 1970, Lina Meruane é uma das vozes mais relevantes da literatura latino-americana contemporânea. De ascendência palestina, ela vive nos Estados Unidos desde 2000, onde leciona escrita criativa na Universidade de Nova York. Sua obra transita entre a ficção, o ensaio e a crônica, com um olhar crítico sobre temas como corpo, identidade, gênero e política. Sua escrita revela uma profunda investigação da própria identidade, utilizando sua experiência pessoal como ponto de partida para reflexões mais amplas. Meruane é autora de livros como 'Sangue no olho', 'Contra os filhos' e 'Sistema nervoso', e já recebeu prêmios como o Iberoamericano de Letras José Donoso, o Sor Juana Inés de la Cruz e o Anna Seghers. Tornar-se Palestina: uma viagem civilizatória Publicado originalmente em 2013, 'Tornar-se Palestina' é um relato híbrido que mistura crônica de viagem, ensaio político e reflexão linguística. Lina Meruane é autora do livro "Tornar-se Palestina". Divulgação Relicário Edições Lina narra sua visita a Beit Jala, cidade palestina de seus ancestrais, que fica a cerca de 10 km ao sul de Jerusalém. Ela transforma a experiência em um mergulho na sua identidade familiar e na violência da ocupação israelense. “Passei de uma posição passiva de ‘palestinidade’ para uma posição ativa, de compromisso com a causa. [...] O que vemos agora é um genocídio brutal, visível 24 horas por dia nas redes sociais”, contou Lina ao g1. A nova edição lançada na Bienal inclui a parte inédita “Rostos em meu rosto”, em que Lina reflete sobre como a identidade se imprime no corpo e na linguagem: “Cada rosto contém todos os rostos que nos antecedem. [...] Esfrego a cara com água fria, querendo apagá-la. Apagar dela o que não sinto como próprio”, dizia um trecho do livro. Sinais de nós: infância sob a ditadura Em 'Sinais de nós', Lina revisita sua infância durante a ditadura de Augusto Pinochet, revelando como o medo, o silêncio e a desinformação moldaram sua geração. O livro é um ensaio autobiográfico que questiona a inocência da infância e a cumplicidade involuntária diante da violência de Estado. "Será que nos defendermos na infância nos torna cúmplices?", questiona Lina em 'Sinais de nós'. No livro, a autora parte de memórias pessoais para refletir sobre a responsabilidade histórica e a construção da memória coletiva. "Era preciso reconhecer que, na infância, não entendíamos o que acontecia. Que, de certa forma, acreditamos na narrativa da ditadura. Estávamos do lado errado da história", comentou Lina ao g1. Entrevista completa Lina Meruane é autora do livro 'Tornar-se Palestina' Magdalena Siedlecki / Divulgação Você está lançando dois livros na Bienal: um sobre sua ancestralidade e outro sobre sua infância na ditadura chilena. Como essas duas obras dialogam entre si? Lina Meruane: Esses dois livros são o que eu chamo de ensaios autobiográficos. Um trata de crescer sob uma ditadura. São memórias e reflexões que esse tempo me suscita enquanto mulher, que foi uma criança que não sabia que vivia em uma ditadura. Não havia um “fora” da ditadura, nem um conceito claro do que era uma ditadura em oposição à democracia. A reflexão gira em torno de até que ponto alguém pode ser cúmplice de um regime violento, não apenas por não ter agido na infância ou adolescência, mas por ainda não ter feito essa reflexão. Foi isso que me levou a revisitar esse período: a necessidade de entender como operam o silêncio e a mentira. Já "Tornar-se Palestina" vai além. É uma memória familiar, sim, mas sobretudo um relato de um retorno emprestado, no lugar do meu avô e do meu pai, à Palestina, em 2012. A partir disso, desenvolvo uma reflexão política sobre a situação histórica e atual da Palestina, e também sobre a linguagem com que descrevemos essa realidade. Em ambos os livros, há esse impulso meu de revisar questões que, na infância, eu não compreendia — e que, na vida adulta, me vejo compelida a enfrentar. Como foi revisitar esse período da infância, em "Sinais de nós"? Lina Meruane: Foi uma experiência difícil. Esse texto nasceu de uma versão anterior, de cerca de 10 páginas, que escrevi há 15 anos. Eu mesma não me sentia pronta para revisitar plenamente aquele período, para mergulhar de forma mais explícita nele. Minha família era de classe média, assustada com o socialismo e com o que acontecia na época de Allende. Muitos se sentiram aliviados com a chegada da ditadura. Isso me deixava desconfortável, porque construí minha trajetória como uma pessoa de esquerda, feminista — e me causava pudor falar dessa origem. Mas percebi que era necessário. Era preciso reconhecer que, na infância, não entendíamos o que acontecia. Que, de certa forma, acreditamos na narrativa da ditadura. Estávamos do lado errado da história. Falar disso foi difícil, mas necessário. E, para minha surpresa, encontrei muitas pessoas que se identificaram profundamente com esse processo. Isso me mostrou que essa reflexão era urgente — não só para mim, mas para toda uma geração. Lina Meruane, autora de 'Sinais de Nós', estará no Brasil em junho, para a Bienal do Livro. Divulgação Relicário Edições Em "Tornar-se Palestina", você narra uma jornada pessoal em busca de suas raízes. O que mudou em você — e no mundo — desde a primeira edição do livro até esta nova versão ampliada? Lina Meruane: Para mim, esse livro é menos uma busca melancólica por raízes e mais uma tentativa de entender o que está acontecendo politicamente na Palestina. Eu fui me tornando palestina à medida que visitava o território e, sobretudo, enquanto escrevia o livro. Passei de uma posição passiva de “palestinidade” para uma posição ativa, de compromisso com a causa. Posicionei-me como uma ativista letrada, tentando escrever para explicar, para oferecer uma caixa de ferramentas que ajude a pensar a condição palestina — tanto como identidade quanto como situação política. Quando estive lá em 2012, já não consegui entrar em Gaza. A região já era bombardeada e cercada. A reflexão que fiz naquela época continua atual. Israel controla Gaza e o território palestino ampliado por meio da fome, do cerco, do controle do que entra e sai, do despojo. Sempre descrevi essa violência como uma violência lenta — uma violência que tentava não aparecer nos noticiários. Mas, desde o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023, Israel passou a agir com impunidade, sob o pretexto de legítima defesa. O que vemos agora é um genocídio brutal, visível 24 horas por dia nas redes sociais. É o primeiro genocídio transmitido em tempo real. Já são cerca de 55 mil mortos, com outros 20 mil desaparecidos sob os escombros. O número de crianças assassinadas é altíssimo. O que está em curso é a tentativa de apagar uma geração inteira — ou, quando não se apaga, mutila-se. É um genocídio que se intensificou e se projeta no futuro. Menina de 5 anos sobrevive a bombardeio de Israel em antiga escola de Gaza Qual o papel da memória na sua escrita? Ela é mais ferramenta de denúncia, de cura, de reconstrução? Lina Meruane: Como dizia Gabriel García Márquez, a memória é uma espécie de espelho quebrado. Nós, escritores e escritoras, de certa forma, sofremos com essa ruptura do espelho, que não nos permite nos ver com clareza, que nos devolve uma imagem distorcida, fragmentada de nós mesmos. A escrita da memória, para mim, vem para remendar esse espelho — mas como nos vasos japoneses do Kintsugi, em que os pedaços quebrados são unidos e as fraturas permanecem visíveis. Ainda que o vaso volte a ser um vaso, ele carrega as marcas da quebra, e isso o transforma em um novo objeto, com outra aparência e outro desejo estético. Nesse sentido, eu diria que a memória é uma ferramenta artística para retornar ao passado, para falar sobre ele, tentar reconstruí-lo e denunciar o que aquele tempo representou — tanto no passado quanto no presente. Não diria, no entanto, que é um recurso de cura, porque, como mencionei, esse espelho reconstruído ou esse vaso colado ainda carrega as marcas da fratura. O texto revela suas cicatrizes. Há algo de reparação, sim, mas não é uma reparação completa — é um artefato artístico. Aos leitores brasileiros Ao fim do papo, Lina também demonstrou sua felicidade e gratidão pelo convite para vir ao Brasil, especialmente ao escritor Milton Hatoum, que elogiou e prefaciou "Tornar-se Palestina". "Estou muito feliz com o convite para vir ao Rio de Janeiro e a São Paulo para falar sobre meus livros. (...) eu tenho no Brasil, talvez, mais leitores do que em qualquer outro país. Talvez até mais do que em qualquer outro lugar da América Latina e do mundo. A possibilidade de me encontrar com alguns desses leitores e leitoras me deixa muito feliz". Lina Meruane estará na Bienal do Livro no dia 21 de junho, às 12h, como convidada do Palco Café Literário.
What's Your Reaction?






