Entre o ideal e o real (por Hubert Alquéres)

João Campos encarna uma nova geração, mas a esquerda ainda se agarra a velhas fórmulas

Jun 4, 2025 - 11:30
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Entre o ideal e o real (por Hubert Alquéres)

A eleição do prefeito do Recife, João Campos, de 31 anos, à presidência do Partido Socialista Brasileiro (PSB) marca um raro movimento de renovação no campo da esquerda brasileira. Filho do ex-governador Eduardo Campos e neto de Miguel Arraes, João representa uma geração que, apesar de enraizada em uma tradição política, demonstra sensibilidade às transformações estruturais da sociedade contemporânea. Sua ascensão simboliza, portanto, mais do que uma mudança etária: indica a possibilidade de uma virada de paradigma em uma esquerda marcada pelo envelhecimento de suas lideranças e, principalmente, ideias.

A discrepância geracional é evidente, mas é muito mais significativa em termo de mentalidade entre a geração que pede passagem e a que teima em não passar o bastão. Enquanto Campos projeta pontes com setores diversos da sociedade — do agronegócio a religiosos e autônomos — o principal líder da esquerda, o presidente Lula, vai disputar a reeleição aos 80 anos. Caso vença, terminará o mandato aos 85, tornando-se o presidente mais idoso da história do Brasil. Contudo, a questão não é apenas biológica. Trata-se do desgaste de um modelo político baseado na lógica da polarização e de uma visão de mundo calcada em realidades já superadas, como a estrutura fabril do século passado, da qual Lula emergiu como liderança sindical.

A discussão sobre o papel das lideranças envelhecidas no cenário político não é exclusividade brasileira. A tentativa de reeleição de Joe Biden nos EUA, aos 81 anos, também gerou intenso debate, com questionamentos não apenas sobre sua saúde, mas sobre a capacidade de conectar-se com as transformações culturais, tecnológicas e econômicas do século XXI. O ponto, portanto, não é a idade, mas o risco de que lideranças históricas fiquem presas a visões e métodos que não dialogam mais com as novas exigências da sociedade.

Em contraste, a centro-direita brasileira tem investido pesadamente na renovação de quadros. Muitos de seus líderes emergentes estão na faixa dos 40 aos 50 anos, como os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e do Paraná, Ratinho Jr. Outros, como o deputado de direita Nikolas Ferreira, com apenas 29 anos, conquistaram projeção nacional com discursos incisivos e grande domínio das redes sociais — hoje um campo onde a esquerda, salvo raras exceções, apanha de goleada.

João Campos tem mostrado compreender as exigências desse novo tempo, diferenciando-se de uma esquerda de mentalidade analógica. Sua reeleição à prefeitura do Recife foi construída com forte presença digital, diálogo com variados segmentos sociais e recusa à polarização extremada. Ao se definir como um político de centro-esquerda, prega uma estratégia de aliança ampla, com inclusão do centro político e abertura ao diálogo com setores diversos da sociedade, como o agronegócio, empreendedores e religiosos. “É preciso alimentar uma pauta que vá além do irracional e da polarização excessiva”, defende.

Essa abordagem foi detalhada durante sua participação no ciclo de debates “O Brasil na visão das lideranças públicas”, promovido pela Fundação FHC, onde destacou a importância de uma gestão fiscalmente responsável, uso intensivo de tecnologia e comunicação baseada na escuta ativa da população.

Sua visão, contudo, esbarra nos limites impostos pela atual condução do campo progressista. A aposta do presidente Lula é clara: manter a dicotomia com o bolsonarismo como elemento mobilizador, na esperança de que o temor ao retorno da extrema direita siga garantindo apoio ao seu projeto. A fórmula funcionou em 2022, mas há incerteza sobre sua eficácia em 2026 — especialmente se os oponentes forem capazes de se unir em torno de uma candidatura mais moderada, que dialogue com o eleitorado de centro.

Enquanto a direita busca alternativas ao ciclo bolsonarista, a esquerda permanece presa à liderança de Lula e à retórica do confronto, limitando o aparecimento de novos nomes e dificultando a construção de uma agenda voltada ao Brasil contemporâneo.

A crítica feita por João Campos vai ao cerne do problema. Em um país onde o agronegócio é um dos principais motores da economia e possui papel estratégico nas cadeias produtivas globais, a esquerda segue alimentando antagonismos e desconfianças. Um exemplo recente veio do ex-ministro José Dirceu, que estigmatizou o setor em carta a militantes do Partido dos Trabalhadores, ignorando sua relevância econômica e social.

Essa contradição entre o moderno e o arcaico dentro da própria esquerda evidencia-se ainda mais quando observamos as propostas de Campos. Ele fala para um Brasil novo, com uma classe média em expansão, empreendedores buscando espaço e uma maioria feminina entre os chefes de família. Enquanto isso, parte da esquerda permanece imersa em uma retórica messiânica, como na recente declaração de Lula de que “Deus deixou o sertão sem água porque sabia que eu seria presidente da República”.

No mundo real, no entanto, quem deve liderar a esquerda nas urnas em 2026 é Lula. E, com ele, vêm os riscos: a manutenção de uma divisão social profunda, o adiamento de reformas estruturais e a ausência de um projeto nacional capaz de unir o país em torno de um futuro comum. A estratégia vigente é mais do mesmo — mais gasto público, mais populismo e mais confronto.

Apesar disso, há sinais de mudança. Nomes como João Campos e Tabata Amaral surgem como alternativas capazes de modernizar o discurso e a prática política da esquerda. Deputada federal por São Paulo, Tabata tem se destacado por uma agenda educacional pragmática, foco em políticas baseadas em evidências e disposição para dialogar com o setor produtivo, representando um progressismo menos dogmático e mais conectado ao país real.

Representam uma geração que, embora ainda minoritária, aponta para o futuro com mais pragmatismo, menos dogmas e maior disposição para ouvir o país real. O futuro é promissor para o atual prefeito de Recife. Deve disputar, na condição de favorito, a eleição de governador de Pernambuco e, assim, acumular capital político para ser candidato na disputa presidencial de 2030. O tempo joga a seu favor.

A travessia entre o mundo ideal de João Campos e o mundo real de Lula é longa. Mas é por essa travessia que passa o futuro da esquerda brasileira — se quiser sobreviver politicamente na próxima década e manter-se coerente com os valores iluministas, com a defesa da igualdade social e a democracia como valor universal.

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Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação.

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