Gaza segue em colapso humanitário enquanto Israel lida com crise interna e pressões externas
Henry Galsky, correspondente da RFI em Israel No Oriente Médio, o momento é de pressão por parte da comunidade internacional sobre Israel em virtude da crise humanitária em Gaza. Israel permitiu a entrada de ajuda humanitária após mais de dois meses de bloqueio. No entanto, a quantidade ainda é considerada insuficiente. Na terça-feira (20), 93 caminhões […]


Henry Galsky, correspondente da RFI em Israel
No Oriente Médio, o momento é de pressão por parte da comunidade internacional sobre Israel em virtude da crise humanitária em Gaza. Israel permitiu a entrada de ajuda humanitária após mais de dois meses de bloqueio. No entanto, a quantidade ainda é considerada insuficiente. Na terça-feira (20), 93 caminhões chegaram ao território. A título de comparação, este volume chegava a 600 caminhões diariamente durante o período de cessar-fogo.
Diante da crise humanitária desencadeada em Gaza, o Reino Unido suspendeu as negociações de um acordo de livre comércio com Israel e impôs sanções a colonos da Cisjordânia. O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, classificou a situação humanitária em Gaza como “intolerável” e enfatizou que a ajuda precisa chegar ao território “rapidamente”.
O secretário de Relações Exteriores britânico, David Lammy, disse que a ofensiva de Israel na Faixa de Gaza está prestes a “entrar numa fase sombria” na qual “o governo de Netanyahu planeja expulsar os moradores e permitir que eles recebam uma fração da ajuda de que precisam.
Já a União Europeia (UE) anunciou que irá revisar o acordo de associação com Israel. Isso porque o bloco avalia que o governo israelense permitiu a entrada de uma quantidade mínima de ajuda humanitária na Faixa de Gaza, “uma gota no oceano”, conforme definição de Kaja Kallas, a chefe da diplomacia da UE.
“O que isso diz é que os países veem que a situação em Gaza é insustentável, e o que queremos é realmente ajudar as pessoas, o que queremos é desbloquear a ajuda humanitária para que ela chegue às pessoas”, afirmou Kallas aos jornalistas.

Pressão internacional pode ter efeito interno oposto
Em entrevista à RFI, Yonatan Freeman, professor de Relações Internacionais da Universidade Hebraica de Jerusalém, disse acreditar que os apelos internacionais não têm influência sobre os objetivos da guerra, mas sobre o modo de condução do confronto, a distribuição da ajuda humanitária e também a continuidade das negociações em busca de um acordo. Freeman também avalia que a forte pressão internacional pode ter um efeito oposto internamente em Israel, ou seja, de fortalecer a narrativa e a coesão do governo.
“Acredito que quanto mais a pressão [internacional] aumentar, mais forte o governo vai ficar. Haverá a narrativa de que ‘o mundo todo está contra nós’. E até pessoas de fora da coalizão podem ficar menos críticas. Se você observar as condenações que os países estrangeiros fazem, muitas vezes se referem aos soldados de Israel, e isso é muito caro a todos [no país]. Ou seja, todos esses elementos podem acabar por fortalecer a coalizão de Netanyahu”, analisa.
O Exército é a instituição que conta com o maior percentual de confiança do público, segundo pesquisa divulgada pela Universidade Reichman, de Israel. De acordo com o levantamento, 65% dos entrevistados confiam nas Forças Armadas do país. Em segundo lugar está o presidente de Israel, Isaac Herzog, com 42%; a Promotoria do Estado, 32%; a polícia, 27%; e o Knesset, o Parlamento, com 11%.
Polêmica interna
Há muito debate interno e troca de acusações políticas a partir das declarações de Yair Golan, líder do partido de esquerda Os Democratas. Em entrevista ao canal público Kan, ele disse que “Israel está a caminho de se tornar um Estado pária” e que “um país sensato não luta contra civis, não mata bebês por hobby e não tem como objetivo expulsar populações”.
As declarações foram recebidas com muitas críticas. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse que os comentários de Golan são “incitação selvagem” e um “libelo de sangue”, expressão que nasceu na Idade Média para definir a acusação falsa de que os judeus usavam sangue de crianças cristãs em rituais religiosos.
O líder da oposição Yair Lapid também criticou Golan, rebatendo alegação de que os soldados israelenses matam bebês. Para ele, a afirmação é “um presente para os inimigos”.
Yair Golan, o autor das declarações polêmicas, serviu nas Forças Armadas de Israel durante 38 anos e chegou ao cargo de vice-chefe do Estado-Maior do Exército. Diante das repercussões, Golan fez uma conferência de imprensa para explicar seus objetivos.
“Eu me referi única e exclusivamente ao governo de Israel, e não ao Exército. Mas eu me recuso a ficar calado quando este governo prejudica o Exército e sua boa reputação. Um governo que afirma que é preciso deixar crianças passarem fome e abandonar reféns. Isso não é legítimo, não é judaico, e não trabalha pelo povo de Israel”, disse.
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João Miragaya, mestre em história pela Universidade de Tel Aviv e co-fundador do podcast ‘Do Lado Esquerdo do Muro’, considera que as declarações de Yair Golan são necessárias.
“Eu entendo que a frase tenha sido equivocada. Mas alguém tem que dizer isso em Israel, e precisa ser alguém importante. Os israelenses não podem ficar à margem do que acontece em Gaza sem debater a questão, principalmente quando o mundo inteiro está vendo”, disse à RFI.
Negociações estagnadas
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu anunciou que, após uma semana de negociações “intensas” no Catar, não houve qualquer progresso rumo a um acordo. Segundo ele, os membros de alto escalão da equipe regressam a Israel para consultas. Mas um grupo de trabalho israelense permanecerá em Doha.
Durante o Fórum Econômico do Catar, o primeiro-ministro do país, o xeque Mohammed bin Abdulrahman al-Thani, declarou que as negociações chegaram a um impasse por “diferenças fundamentais” entre Israel e Hamas.
O Hamas divulgou um comunicado oficial em que afirma que nenhuma negociação séria sobre um cessar-fogo em Gaza e a libertação de reféns ocorreu desde o último final de semana.
“A presença da delegação sionista em Doha é uma tentativa flagrante do [primeiro-ministro Benjamin] Netanyahu de enganar a opinião pública global”, disse o grupo palestino.
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