Lula aposta no “nós contra eles” (por Hubert Alquéres)

A oposição abusou do direito de errar e animou Lula a fazer uma espécie de retorno às origens.

Oct 29, 2025 - 12:00
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Lula aposta no “nós contra eles” (por Hubert Alquéres)

Lula prepara a reeleição com uma roupagem completamente diferente da usada há quatro anos quando adotou o discurso da Frente Ampla. O discurso da moderação e da defesa da democracia foi sua peça de resistência. Graças a ele, Lula se elegeu presidente com uma diferença estreitíssima de votos. O fiel da balança foram os votos do eleitorado de centro, refratário ao radicalismo de Bolsonaro.

Agora, esse discurso virou uma roupa desbotada, em parte porque os partidos de centro-direita que ocupam ministérios sinalizam que não estarão no palanque de Lula no próximo ano. Mas também porque a recuperação da aprovação de seu governo — resultado do fato da oposição ter abusado do direito de errar — o animou a fazer uma espécie de retorno às origens.

Passou a apostar no confronto, no discurso do nós contra eles. A rigor, é a reedição da estratégia de enfrentamento e radicalização, adotada no segundo turno na eleição de 2006 para derrotar Geraldo Alckmin. A estratégia de demonizar o então tucano como “privatista” e que poria fim ao Bolsa-família foi usada à exaustão para garantir um segundo mandato.

Lula percebeu que a correlação de forças mudou, e fez uma guinada à esquerda. A direita subestimou o peso da caneta do presidente, ignorando a lição clássica de Bobbio: governos concentram poder. Ademais, ele ganhou novos e inusitados cabos eleitorais — Donald Trump e o clã Bolsonaro — e, de quebra, passou a fazer o discurso da defesa da “soberania nacional”.

Se faltava um símbolo dessa opção preferencial pela esquerda, não falta mais. Ele está sintetizado no ingresso de Guilherme Boulos no “núcleo crucial” do governo, como ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Boulos assume sua trincheira, chamado de ministro da reeleição, com dupla missão: “colocar o governo nas ruas” e travar a batalha nas redes sociais. Ou seja, vincular Lula à agenda identitária e aos movimentos sociais, tradicionalmente base do presidente, que estavam meio desprestigiados neste terceiro mandato.

Se, de um lado, Boulos estreita os laços com a base histórica do lulismo, de outro, pelo seu perfil político, afasta partidos e políticos moderados, o que pode dificultar ainda mais a vida do governo no Congresso Nacional. De imediato, a nomeação repercutiu mal no MDB, peça essencial para a governabilidade. Essa é a primeira consequência negativa do giro à esquerda, mas não a única, já que a inflexão na estratégia de Lula vinha ocorrendo antes do ingresso de Boulos no governo. É possível situar um marco temporal quando Sidônio Palmeira assumiu a comunicação política do governo e Gleisi Hoffmann, a articulação institucional.

Essa guinada aparece tanto na retórica quanto na prática política do presidente e de seu partido. Na propaganda televisiva recente do PT, são visíveis as mensagens que o apresentam como defensor dos pobres contra os ricos e, mais do que isso, como adversário de um Congresso que, segundo o discurso petista, estaria capturado pelos

interesses do poder econômico. Ao insinuar que o Parlamento é o “inimigo do povo”, o partido procura tirar do Executivo a responsabilidade pelos impasses e limitações do governo, reforçando a imagem de um presidente injustiçado pelas forças conservadoras que o cercam.

O próprio presidente afirmou, na presença de um dos presidentes do Parlamento, que “nunca o Congresso teve tão baixo nível como agora”.

A nova estratégia combina-se com medidas de forte impacto eleitoreiro — como a proposta de tarifa zero nos transportes urbanos e a redução da jornada de trabalho — que, embora sedutoras, resvalam para o populismo quando não acompanhadas de reflexão sobre o equilíbrio das contas públicas. É o retorno da lógica do gasto como motor da popularidade, sem prudência fiscal. Não se trata apenas de política econômica: é uma escolha de narrativa, que busca colocar o governo ao lado dos trabalhadores e contra instituições percebidas como obstáculos à vontade popular.

Quanto mais se aproxima a eleição, maiores as pressões para que o Banco Central inicie um ciclo de queda dos juros, hoje em patamar historicamente elevado, o mais alto em quase duas décadas. O próprio Lula liberou Gleisi e Haddad para criticar a política monetária do Banco Central. Tudo que Lula não quer é disputar a reeleição com os juros básicos estratosféricos. Boulos pode vir a ser a voz dos “movimentos sociais” clamando contra a política monetária “neoliberal” do Banco Central.

Lula, experiente e intuitivo, percebeu o enfraquecimento dos partidos tradicionais e soube transformar essa fragilidade em oportunidade. Ser o porta-voz dos desvalidos e adversário das elites, retoma o discurso que o consagrou nas origens do PT. Mas de forma reciclada. Com Bolsonaro fora do jogo eleitoral, o demônio a ser combatido não é mais o perigo do “retorno do fascismo”.

A nova estratégia embute riscos. Ao apostar em medidas de apelo imediato e em alianças com setores militantes, o governo tende a se fechar em um círculo de reafirmação ideológica, espantando o eleitorado moderado. Embora essa postura possa ser útil na construção de uma narrativa para 2026, traz custo para a governabilidade no presente. Colocar o governo nas ruas rende manchetes; colocar votos no painel do Congresso é o que decide a vida real do país. _________________________ Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação.

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