Máfia do ICMS ofereceu créditos fraudados a cervejarias, aponta e-mail
Denúncia do MPSP mostra oferta de créditos de ICMS para Heineken, Kaiser e Ambev. Todas afirmam que compraram créditos legalmente

E-mails anexados às denúncias do Ministério Público de São Paulo (MPSP) mostram que as cervejarias Heineken, Kaiser e Ambev receberam ofertas de venda de créditos fraudulentos de ICMS feitas pelos acusados de operar um esquema bilionário de corrupção fiscal na Secretaria da Fazenda de São Paulo.
Em agosto, a chamada Máfia do ICMS foi alvo de uma operação da Operação Ícaro, do MPSP, que resultou nas prisões do dono da Ultrafarma, Sidney Oliveira, e do executivo da Fast Shop, Mario Otávio Gomes — ambos foram soltos cinco dias depois. Na última sexta-feira (19/9), o MPSP apresentou uma segunda denúncia contra o grupo, que seria liderado pelo auditor fiscal Artur Gomes Silva Neto.
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Dinheiro encontrado em casa de fiscal Artur Gomes da Silva Neto, investigado por corrupçãoReprodução2 de 4
Dinheiro encontrado em casa de fiscal Artur Gomes da Silva Neto, investigado por corrupçãoReprodução3 de 4
Pacotes de dinheiro foram encontrados em casa de fiscal Artur Gomes da Silva Neto, investigado por corrupçãoReprodução4 de 4
Dinheiro encontrado em casa de fiscal Artur Gomes da Silva Neto, investigado por corrupçãoReprodução
O crédito de ICMS é o valor que a empresa pode descontar do imposto a pagar sobre suas vendas. Ele leva em conta o imposto que já foi pago em etapas anteriores da produção e pode ser usado para compensar outros débitos em operações da própria empresa.
A denúncia do MPSP mostra uma troca de e-mails de junho de 2022, em que um advogado apontado como parte do esquema discute a venda de créditos de ICMS pela Fast Shop a Heineken (veja aabaixo). Não há informações se a transação foi efetivada, mas a cervejaria chegou a enviar os documentos necessários. Também foi discutido que tipo de produto a Fast Shop poderia adquirir da Heineken para viabilizar a cessão do crédito.
As investigações já haviam mostrado que, além de se beneficiar com o esquema, a Fast Shop também fez a revenda de créditos fraudados para outras empresas.
A primeira denúncia apresentada pelo MPSP mostra que a cervejaria Kaiser, que pertence à Heineken, e a Ambev receberam ofertas semelhantes. A Kaiser também é mencionada no e-mail da nova denúncia.
Ao Metrópoles, o grupo alegou que “as aquisições foram realizadas dentro dos parâmetros legais estabelecidos, junto a fornecedores com os quais havia relação comercial legítima no contexto das operações (veja nota completa abaixo)”.
No caso da Ambev, a Fast Shop chegou a cedê-la R$ 40 milhões em créditos de ressarcimento de ICMS-ST. Sobre a transação, a empresa disse que “seguiu toda legislação aplicável em relação ao crédito citado”. Além da cervejarias, as redes varejistas Oxxo e Kalunga também foram citadas como empresas que negociaram créditos com as investigadas.
Entenda o esquema
- Auditores fiscais da Secretaria da Fazenda são acusados de terem recebido até R$ 1 bilhão de propina para prestar “assessoria contábil criminosa” a varejistas.
- As empresas recebiam vantagens no ressarcimento do ICMS – medida prevista em lei para devolver valores pagos a mais em produtos que acabaram sendo vendidos por menor valor.
- O principal operador do esquema foi diretor do setor de “Rede e Comércio Varejista” na Diretoria de Fiscalização da Secretaria da Fazenda de São Paulo, Artur Gomes da Silva Neto.
- Com auxílio de “comparsas”, o fiscla adiantava os créditos de ICMS e auferia um valor inflado para empresas em troca de propina, segundo denúncia do MPSP.
- Com o ressarcimento facilitado, as empresas revendiam os créditos de ICMS para outras companhias, de forma legal, como prevê a legislação.
- Em 12/8, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) deflagrou a Operação Ícaro, que prendeu dois auditores da Receita Federal e empresários.
- Preso, Artur Neto pediu demissão da Receita Federal e foi exonerado. Outros sete servidores foram afastados, incluindo Marcelo de Almeida Gouveia, que está detido em Tremembé.
- Os empresários Sidney Oliveira, dono da Ultrafarma, e Mário Otávio Gomes, diretor da Fast Shop, cheram a ser presos na mesma operação e foram soltos depois. O dirigente da Fast Shop fechou acordo de colaboração com o MPSP.
Nova denúncia
Além da menção à Heineken, a denúncia apresentada na última sexta (19/9) também traz o nome do advogado Wilson Rogério Constantinov Martins. Segundo o MPSP, ele era responsável por intermediar a revenda dos créditos pela Fast Shop, além de acompanhar as transações com as empresas interessadas.
O advogado trabalhava junto com o auditor Artur Gomes Neto, e aparece em cópia dos e-mails que mencionam a Heineken. A denúncia do MPSP mostra que ele está negociando um acordo de colaboração. Segundo o MPSP, o grupo liderado pelo fiscal teria recebido R$ 383 milhões em propina da Fast Shop.
Grupo Heineken nega irregularidades
Em nota ao Metrópoles sobre as menções a Kaiser, o grupo Heineken nega “qualquer relação com os fatos investigados na Operação Ícaro”. A cervejaria alega que todas as operações de aquisição de créditos ocorreram “em estrita conformidade com a legislação vigente e somente com créditos já homologados pelo Estado de São Paulo”.
“A compra de créditos de ICMS é uma prática legal, comum entre empresas, e regulamentada por legislação específica. Esse modelo é amplamente utilizado no Estado de São Paulo e em outras unidades da federação, sempre com base em créditos, como dito, já homologados pelo Estado, o que pressupõe sua validade e regularidade. As aquisições foram realizadas dentro dos parâmetros legais estabelecidos, junto a fornecedores com os quais havia relação comercial legítima no contexto das operações.Reforçamos nosso compromisso com a ética, a transparência e o respeito às regras que orientam nossas atividades”.
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