O ALIENÍGENA (PARTE XXII)

  Clauder Arcanjo*   Pintura São Jerônimo Penitente, de El Greco.   Aqui estamos, recuperados e serelepes, prontos para a aventura de um novo capítulo. Ao longe, sussurros de reclamação. — Eu ainda preciso de cuidados, não estou totalmente… — Sinceramente, João Américo! Escalei-o para compor mais esta novela contando com o tirocínio filosófico, do […]

Jun 15, 2025 - 01:00
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O ALIENÍGENA (PARTE XXII)

 

Clauder Arcanjo*

 

Pintura São Jerônimo Penitente, de El Greco.

 

Aqui estamos, recuperados e serelepes, prontos para a aventura de um novo capítulo.

Ao longe, sussurros de reclamação.

— Eu ainda preciso de cuidados, não estou totalmente…

— Sinceramente, João Américo! Escalei-o para compor mais esta novela contando com o tirocínio filosófico, do qual eu o julgava sobejamente detentor, e o senhor me aparece com ai-ai-ais! Assim fica difícil de seguir adiante com esta fabulação narrativa, pois…

João Américo assanhou as sobrancelhas, sinal inequívoco de que renunciaria aos ditames da dialética e partiria para o corpo a corpo do cotidiano mais do que real. Em seguida disparou:

— Quem tem c… tem medo, Clauder Arcanjo! E quem quer prezar pelo seu fiofó não está nem aí para os seus apelos “so-be-ja-men-te man-ja-dos”. Ora, ora! Se você decifrasse a metade do que colhi dos olhos do Goiaba, já teria sumido de frente, de ré, de lado… pelo sertão afora. E nunca mais lhe ouviríamos um fiapo de prosa sequer, seu narrador de araque!

Por não esperar devolutiva tão potente, titubeei na minha resposta. Foi o tempo para que João Américo rompesse o limite do meu Rubicão.

Você me pergunta quem é esse tal de Rubicão?! Não, não responderei! Se você nunca leu ou ouviu nada acerca do Império Romano, canhestro leitor, não saberá elucidar os mistérios desta narrativa cultivada nas areias do Acaraú, rio da minha Licânia.

Quer mesmo assim que eu prossiga, enquanto alguém o socorrerá? Pois muito bem, historia erit iudex dierum meorum.

Resolvi eu mesmo verificar a situação do Goiaba. Mal me aproximei do pobre cão, uma cena impactou-me: Zé Aguiar e Paulo Bodô serviam-se de uma pinga serrana daquelas de furar as tripas do cristão mais cachaceiro. No entanto isso não foi a causa do meu impacto. Os dois se regalavam regiamente e, em seguida, ofereciam uma dose dupla para o Goiaba. De imediato, protestei:

— Desgraçados! Como fazem isso com este pobre cachorro?

Antes que desenrolassem a língua, o Goiaba rosnou em minha direção. E pude entender muito bem o tal dialeto canino. Traduzo na língua de Camões:

— Não venha atrapalhar a nossa vida, seu Clauder Arcanjo. Esta pinga tem sido o remédio que me trouxe o gosto pela vida de volta.

Lucas San se aproximou, conduzindo-me para uma área mais reservada. Lá, explicou-me:

— Relaxe, Clauder Arcanjo, nem só de osso vive um cão.

Antes que eu pudesse argumentar algo, ouvimos um chamado desesperado do Cabo Jacinto Gamão:

— Um emissário, gente! Chegou um emissário!

Eu quis fugir, mas o Lucas San me segurou pelos fundos da calça, dizendo-me:

— Evadir-se não seria uma boa opção, Clauder. Juntos poderemos resistir. Separados, saiba, será derrota certa.

Cabo Jacinto Gamão teve dificuldade em relacionar três de nós para representarmos a comunidade. Paulo Bodô fingiu um ataque apoplético, Zé Aguiar correu de mata adentro com uma inesperada dor de barriga, Baltazar do Bozó alegou que, após os sessenta e cinco anos, a lei o isentava de qualquer compromisso formal. Enfim, restaram Lucas San, o Cabo e eu. Sim, euzinho, este pobre narrador! E, agora, personagem deste imbróglio narrativo.

Levamos mais de uma hora para estabelecermos quem iria à frente:

— Cabo, vai o senhor! Primeiro as autoridades — defendeu Lucas San.

— Como tem sangue nipônico, seu Lucas San, é o caso de ser o abre-alas, pois você nasceu na Terra do Sol Nascente — devolveu Jacinto Gamão.

Os dois se entreolharam e… sobrou para mim.

 

& & &

 

— Auuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…!

Puft. Puft. Puft. Puft.

A comissão e o emissário desmaiaram juntos.

Agora são quatro corpos estendidos no chão desta novela.

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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