Polícia vê contradição e pede prisão de PM que matou marceneiro em SP
Investigadores apontam “caráter de vingança” e afirmam que PM se sentiu no direito de executar marceneiro sob suspeita de roubo

A Polícia Civil de São Paulo apresentou, nessa quarta-feira (6/8), o relatório final do inquérito que investigou a morte do marceneiro Guilherme Dias Santos Ferreira, de 26 anos. O jovem foi morto pelo policial militar (PM) Fábio Anderson Pereira de Almeida com um tiro na cabeça, na noite de 4 de julho, quando saía do trabalho, na Estrada Turística de Parelheiros, zona sul da capital.
O agente alegou que tinha sido assaltado pelo rapaz momentos antes. Os investigadores apontaram contradições na versão, e pediram pela prisão preventiva do acusado.
Inicialmente, o PM afirmou que Guilherme e um colega de trabalho haviam corrido em sua direção, se aproximando de uma moto que havia sido usada no assalto. Segundo o agente, isso o fez acreditar que os rapazes teriam participado do crime.
3 imagens
Fechar modal.
1 de 3
Guilherme Dias Santos Ferreira, 26 anos, foi morto pela PM após ser confundido com ladrãoReprodução/Globo2 de 3
O PM diz ter reagido a uma tentativa de roubo e confundido o jovem com um dos assaltantesReprodução3 de 3
Guilherme Dias Santos Ferreira, 26 anos, foi morto pela PM após ser confundido com ladrãoReprodução/Globo
A investigação apontou, no entanto, que Guilherme havia acabado de sair do trabalho, e que corria em direção ao ponto de ônibus, na direção contrária. Além disso, o marceneiro não tinha motocicleta e sequer sabia pilotar o veículo.
Imagens de câmeras de segurança mostram que, após o assalto, o PM passou cinco minutos cercado de pessoas, inclusive motociclistas, indo contra a condição de vulnerabilidade que o agente descreveu.
“Nesse contexto, pelas novas circunstâncias analisadas, atenua-se a condição de vulnerabilidade inicialmente imaginada, uma vez que o Indiciado estava sob influência de diversas pessoas e nada denotou que alguém estaria atrás de si para atentar contra sua vida”, diz o documento.
As imagens mostraram ainda que a vítima estava com roupas diferentes dos trajes usados pelos supostos ladrões, e que ele não se aproximou da moto do policial.
A Polícia Civil também considerou que o uso de arma de fogo pelo PM não se mostrou legítimo, pois a vítima não estava em atitude que pudesse representar risco de morte ou lesão ao policial ou a terceiros.
O relatório destacou ainda que o policial conseguiu abordar e conduzir o colega de Guilherme à delegacia sem necessidade de efetuar outros disparos além daquele que vitimou o marceneiro.
Esses fatos levaram a autoridade policial a alterar a tipificação inicial do caso para homicídio qualificado, uma vez que o PM utilizou meio que dificultou a defesa da vítima.
Os delegados da 1ª Delegacia de Repressão a Homicídios, do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), também representaram pela prisão preventiva do agente, que foi liberado após pagar fiança no valor de R$ 6.500. Eles pedem que o montante seja cassado.
Agora, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) deve se posicionar sobre a representação. Em seguida, o pedido será julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJSP). Aos 35 anos, o agente foi afastado da Polícia Militar.
Caráter de vingança
Ainda conforme o relatório, Fábio agiu com “caráter de vingança” ao disparar contra um suposto ladrão.
“Ainda que em erro quanto à pessoa e imaginando que a vítima fatal se trata sede um de seus roubadores, seu comportamento não se respalda pela excludente da legítima defesa (art. 25, CP) e seu erro não demonstra as condições de afastamento do dolo “, diz a autoridade policial.
Para os investigadores, mesmo que fossem ladrões, ao atirar, o PM estaria agindo com vingança, “como se uma vítima policial tivesse o direito não de prender criminosos que o vitimaram, mas de executá-los”.
Jovem negro é morto “por engano” pela PM
- Guilherme tinha 26 anos quando foi executado pelo policial militar Fábio Anderson Pereira, 35, na Estrada Turística de Parelheiros, na zona sul de São Paulo.
- O PM disse ter confundido o jovem com um criminoso que o teria assaltado momentos antes. O marceneiro, no entanto, não tinha relação com a ocorrência.
- O projétil atingiu atrás da orelha direita do jovem, que levava na mochila uma marmita, livros, remédios e itens de higiene.
- Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), o PM foi autuado por homicídio culposo (não intencional), pagou fiança, no valor de R$ 6,5 mil, e ganhou o direito e responder ao processo em liberdade
- Na última sexta (11/7), o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) alterou a classificação da morte de Guilherme para homicídio doloso, quando o autor tem a intenção ou assume o risco de matar.
- Após a liberdade, a Polícia Militar decidiu afastar Pereira dos serviços operacionais.
- O caso é investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil, e a Polícia Militar acompanha o inquérito.
Vídeo mostra jovem batendo ponto no trabalho
Vídeos de câmeras de segurança mostram o momento exato em que o trabalhador bateu o ponto em seu trabalho, às 22h23, apenas alguns minutos antes de ser morto pelo policial militar.
Câmera flagrou PM atirando em outros suspeitos antes de matar Guilherme
Da mesma forma, uma câmera de segurança da rua flagrou o PM Fabio Anderson Pereira de Almeida atirando contra dois suspeitos antes de matar Guilherme por engano. De acordo com boletim de ocorrência obtido pelo Metrópoles, os motociclistas haviam anunciado um assalto contra Almeida, que reagiu com disparos.
No vídeo, dois homens aparecem em uma motocicleta até que são vítimas de tiros do agente. Na sequência, os suspeitos deixam a moto e fogem a pé.
Sem relação com a ocorrência, Guilherme aparece saindo do trabalho, minutos depois de bater o ponto, e atravessa a rua para pegar um ônibus, quando é possível ouvir o barulho de mais um tiro do policial.
“Justiça”
A morte de Guilherme Dias Santos Ferreira foi criticada por entidades ligadas aos direitos humanos e autoridades de diferentes esferas. O governo do presidente Lula se manifestou, por meio do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), cobrando investigações rápidas e eficientes.
“A justiça para Guilherme Dias e sua família é um passo fundamental para a construção de uma sociedade mais justa”, afirmou a pasta, que também defendeu que a cor da pele não pode definir o risco de morte no país.
De acordo com a nota, o episódio é “um alerta contundente de que precisamos, urgentemente, repensar as políticas de segurança pública e o papel de nossas forças policiais”. Além disso, o comunicado diz que é inadmissível que agentes responsáveis por proteger a população sejam protagonistas de ações violentas e discriminatórias.
What's Your Reaction?






