As muitas anistias que o Brasil já teve — e por que elas são tão criticadas

Carolina Unzelte, De São Paulo para a BBC News Brasil A recente condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro por uma tentativa de golpe vem sendo rodeada, desde quando ele ainda estava sendo julgado no Supremo Tribunal Federal (STF), por uma discussão paralela: o pleito por uma anistia a ele, seus aliados e apoiadores. Na quarta-feira (17/09), a Câmara dos […]

Sep 19, 2025 - 11:00
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As muitas anistias que o Brasil já teve — e por que elas são tão criticadas
  • Carolina Unzelte, De São Paulo para a BBC News Brasil

    A recente condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro por uma tentativa de golpe vem sendo rodeada, desde quando ele ainda estava sendo julgado no Supremo Tribunal Federal (STF), por uma discussão paralela: o pleito por uma anistia a ele, seus aliados e apoiadores.

    Na quarta-feira (17/09), a Câmara dos Deputados aprovou regime de urgência para um projeto que pode perdoar pessoas condenadas por participar de manifestações antidemocráticas no contexto das eleições de 2022.

    O texto ainda deve passar por mudanças, e não está claro qual poderá ser seu impacto para o ex-presidente.

    Na volta do recesso parlamentar, deputados federais e senadores chegaram a bloquear os trabalhos no Congresso — entre outros motivos, cobrando que o Legislativo se debruçasse sobre o assunto.

    Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo e possível candidato à presidência em 2026, já declarou que conceder anistia a Bolsonaro seria seu “primeiro ato” caso assumisse o Planalto.

    Enquanto isso, nos Estados Unidos, o deputado federal (PL-SP) Eduardo Bolsonaro pressiona o governo americano para que apoie a pauta.

    Em julho, Donald Trump anunciou tarifas de 50% sobre produtos brasileiros e denunciou uma “caça às bruxas” contra Bolsonaro na Justiça brasileira.

    Ele e membros de seu governo já fizeram várias críticas públicas ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, relator da ação penal que condenou Bolsonaro. O governo Trump também penalizou o ministro, que foi a primeira autoridade brasileira a ser sancionada com a Lei Magnitsky.

    Mas, embora seja tema constante do noticiário atual, a anistia está longe de ser um assunto novo no Brasil.

    Do Império às ditaduras do século 20, as anistias foram usadas em vários momentos como ferramenta de governabilidade e acomodação de forças políticas.

    historiador Carlos Fico, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), identificou 15 tentativas de golpe no Brasil desde 1889. Seis delas tiveram algum tipo de anistia.

    O levantamento do historiador faz parte de seu livro Utopia autoritária brasileira (selo Crítica, Editora Planeta, 2025). A BBC News Brasil tentou entrevista com Fico, mas não houve disponibilidade.

    Tentativas de golpes na história do Brasil

    1889

    Prosperou

    Deposição de Pedro 2º
    Sem punição

    1904

    Fracassou

    Deposição de Rodrigues Alves
    Anistia com decreto de 1905

    1922

    Fracassou

    Deposição de Epitácio Pessoa
    Anistia com decreto de 1930

    1924

    Fracassou

    Deposição de Artur Bernardes
    Anistia com decreto de 1930

    1930

    Prosperou

    Deposição de Washington Luís
    Sem punição

    1937

    Prosperou

    Autogolpe do Estado Novo
    Sem punição

    1945

    Prosperou

    Fim do Estado Novo
    Sem punição

    1954

    Prosperou

    Deposição de Getúlio Vargas
    Sem punição

    1955

    Prosperou

    Deposição de Carlos Luz
    Sem punição

    1955

    Prosperou

    Deposição de Café Filho
    Sem punição

    1956

    Fracassou

    Deposição de Juscelino Kubistchek
    Anistia com decreto legislativo de 1956

    1959

    Fracassou

    Deposição de Juscelino Kubistchek
    Anistia com decreto legislativo de 1961

    1961

    Fracassou

    Pronunciamento contra João Goulart
    Anistia com decreto legislativo de 1961

    1964

    Prosperou

    Deposição de João Goulart e golpe militar*

    2022-23

    Fracassou

    Autogolpe de Jair Bolsonaro a aliados
    Condenações pelo STF

    Fonte: Carlos Fico, professor titular de História da UFRJ, com adaptações feitas pela BBC News Brasil

     

    *O autor não considerou a Lei da Anistia de 1979 no levantamento porque a iniciativa não foi pensada para anistiar os responsáveis pelo golpe de 1964, até porque o perdão foi concedido pelo próprio regime militar.

    As experiências brasileiras são criticadas por entrevistados pela BBC News Brasil por não “curarem a ferida” de fato — deixando de punir pessoas e instituições que cometeram atos de violência.

    Segundo esses especialistas, vários dos processos de anistia no país também falharam em promover um diálogo real e a conciliação entre as partes políticas envolvidas, além de não terem sido divulgados de forma apropriada a ponto destes serem amplamente conhecidos pela população.

    “É verdade que o Brasil teve muitas anistias, mas cada uma delas mostra a correlação de forças entre os grupos políticos naquele momento”, afirma Carla Simone Rodeghero, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

    A especialista aponta que, em vários capítulos da história brasileira, ideias de conciliação e pacificação foram exaltadas pelas elites para, na realidade, conduzir anistias que evitaram a responsabilização por abusos e violações.

    Para entender as críticas aos episódios de anistia no Brasil, vale primeiro olhar como esse tipo de processo ocorreu em outras partes do mundo.

    Outras histórias

    Na América Latina, Argentina, Chile e Uruguai aprovaram leis desse tipo durante transições de regimes autoritários para a democracia.

    Diferente do caso brasileiro, em que o debate sobre anistia se deu em diversos momentos, prolongou-se por décadas e sofreu diversas reinterpretações, nesses países as anistias foram mais pontuais.

    Na Argentina, logo após a redemocratização, o governo de Raúl Alfonsín levou a julgamento, em 1985, os nove comandantes das três primeiras juntas da ditadura (1976-1983) por graves e massivas violações de direitos humanos. Cinco foram condenados.

    Depois, o Congresso tentou reverter o quadro quando, em 1986 e 1987, aprovou as chamadas leis do Ponto Final e da Obediência Devida. Elas limitavam a responsabilização de militares envolvidos em violações de direitos humanos durante o período.

    Mas não foi o fim da história.

    Em 2003, o Congresso argentino revogou essas normas, e em 2005, a Suprema Corte confirmou sua inconstitucionalidade. A partir daí, reabriram-se centenas de processos e vários altos comandantes foram condenados, entre eles o general Jorge Rafael Videla, ditador entre 1976 e 1981.

    Ele foi sentenciado em 2010 à prisão perpétua por crimes contra a humanidade. Faleceu em 2013, enquanto cumpria a pena.

    Já no Chile, a lei de anistia foi decretada em 1978, ainda na ditadura de Augusto Pinochet, eximindo de responsabilidade os autores de abusos cometidos desde o golpe militar de 1973 até a data da promulgação da lei. Apesar de a lei nunca ter sido revogada, o Judiciário reinterpretou certos aspectos dos crimes para julgá-los.

    Por exemplo: o desaparecimento forçado passou a ser considerado um crime que não se encerra enquanto a vítima não é encontrada. Assim, como outros crimes que seguiam em curso depois de 1978 e, portanto, não estava coberto pela anistia, decidiu o Judiciário.

    Pinochet, inclusive, chegou a ser preso em 1998, acusado de genocídio e terrorismo.

    Na Europa, depois da Segunda Guerra Mundial, a França aprovou perdões pontuais — não uma anistia ampla e bilateral — a pessoas que participaram ou colaboraram com a ocupação nazista.

    A Espanha teve a Lei da Anistia de 1977, que marcou a passagem da ditadura comandada por Francisco Franco entre 1939 e 1975 à democracia. Foi um perdão tanto para os opositores quanto para os perpetradores do regime.

    Já a África do Sul, após o regime do apartheid, criou uma Comissão da Verdade e Reconciliação e concedeu o perdão tanto a representantes do regime quanto rebeldes, mas condicionando-o à confissão dos crimes.

    O que em outros países foi uma medida de reparação, no Brasil foi de “impunidade e esquecimento”, avalia Marcelo Torelly, professor da Universidade Católica de Brasília (UCB), se referindo à Lei de Anistia de 1979, que permitiu o retorno de exilados e a libertação presos políticos, assim como o perdão a crimes políticos ou conexos praticados na ditadura.

    “Existem diversos tipos de anistia. As anistias dadas ‘em branco’ aumentam a polarização, e a consequência é um ambiente de política nacional ainda mais tensionado, ainda mais deletério”, diz o professor, que estuda justiça de transição (conjunto de medidas judiciais e extrajudiciais que sociedades podem adotar para lidar com violações de direitos humanos ocorridas durante ditaduras, conflitos internos e outros períodos de exceção).

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