Assessores da Prefeitura de Luziânia trabalham em time de futebol
Funcionários comissionados da Secretaria de Esporte de Luziânia atuam em escolinhas do time de futebol Capital, no Entorno do DF

Dois assessores da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer, da Prefeitura de Luziânia (GO), atuam como instrutores de projetos sociais de futebol e, ao mesmo tempo, são ligados a centros de treinamento privados do time brasiliense Capital.
Um deles se diz sócio de uma franquia do Capital e o outro é apontado como tal por colegas e testemunhas. A situação pode configurar conflito de interesses, segundo a legislação. Ambos divulgam, nas redes sociais, a atividade que exercem no clube.
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Assessores da Prefeitura de Luziânia, Jair Esteves Martins e Eliseu Moreira Gonçalves divulgam atividades em escolinha de futebol do CapitalReprodução/Instagram2 de 2
Assessores da Prefeitura de Luziânia, Jair Esteves Martins e Eliseu Moreira Gonçalves divulgam atividades em escolinha de futebol do CapitalReprodução/Instagram
Jair Esteves Martins e Eliseu Moreira Gonçalves são assessores comissionados na pasta. De acordo com o Portal da Transparência, ambos devem cumprir jornada de trabalho de 8 horas diárias, totalizando 40 horas semanais. Jair Esteves tem salário de R$ 4 mil e Eliseu ganha R$ 1,5 mil.
No entanto, apuração da reportagem indica que os dois dificilmente cumprem essa carga horária. A coluna esteve em Luziânia na sexta-feira (25/7) e na segunda-feira (28/7). Na sexta, a secretaria estava fechada e os servidores da pasta participavam de uma confraternização em um ginásio anexo ao prédio. Na segunda, nenhum dos dois foi encontrado no local.
No dia 28, por volta de meio-dia, a reportagem encontrou Jair no centro de formação de atletas do Capital, no Jardim Ingá, distrito de Luziânia. O local foi visitado no dia 25, por volta das 17h, mas ele não estava presente.
Um funcionário do centro de treinamento do Capital em Luziânia, que fica na área esportiva de um colégio particular, disse à reportagem que Eliseu é sócio da franquia do Capital e que ele frequenta o espaço de segunda a quinta, em horários variados.
“Todos os dias ele está aqui. Se você vier [hoje] depois das 15h, ele está aqui. Tem horário de manhã e tem horário à tarde”, relatou. Jair também confirmou que Eliseu é um dos sócios da unidade do time de futebol em Luziânia.
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Jair Esteves Martins.Hugo Barreto/Metrópoles 2 de 6
Eliseu Moreira Gonçalves.Reprodução/Instagram3 de 6
Secretaria de Esporte e Lazer de Luziânia (GO).Luis Nova/Especial Metrópoles4 de 6
Campo de futebol do centro de formação de atletas do Capital no Jardim Ingá.Hugo Barreto/Metrópoles 5 de 6
Local do centro de formação de atletas do Capital em Luziânia.Hugo Barreto/Metrópoles6 de 6
Local do centro de formação de atletas do Capital em Luziânia.Hugo Barreto/Metrópoles
Segundo o secretário de Esporte e Lazer, vereador Professor Marcus (União Brasil-GO), os servidores atuam presencialmente em polos externos e os projetos sociais têm dinâmicas diferentes, o que, segundo ele, justificaria jornadas em horários alternativos ou aos fins de semana. Questionado como a pasta faz para atestar a frequência dos comissionados, o secretário disse: “Normalmente, a gente tenta, às vezes na medida do possível, ir acompanhando.”
Professor Marcus também não respondeu se há conflito entre as relações de trabalho na secretaria e no time de futebol. O secretário afirmou que o cargo de “assessor” é amplo, e que Jair e Eliseu são lotados assim porque é o que cabe dentro do organograma da prefeitura.
O secretário de Esporte afirmou que a Secretaria de Administração de Luziânia instaurou um processo administrativo para apurar se os servidores cumprem, de fato, a jornada prevista.
Conflito de interesses
Segundo o especialista em direito administrativo Daniel Ângelo Luiz da Silva, a atuação dos servidores públicos precisa seguir princípios como ética, legalidade e dedicação ao interesse coletivo. O advogado afirmou que a situação dos assessores da Prefeitura de Luziânia pode configurar conflito de interesse se for comprovado o uso da função pública para benefício da atividade privada.
“Essa situação pode configurar um conflito de interesses, ou seja, quando o servidor, por causa de sua função pública, tem condições de beneficiar sua atividade privada. No caso, existe o risco de uso da estrutura pública, de influência sobre jovens talentos e até de concorrência desleal com outros centros privados que não têm o mesmo acesso ou prestígio. Se o servidor usa sua função para favorecer seu próprio negócio, isso pode ser enquadrado como improbidade”, informou.
Silva também destacou que, quando servidores públicos deixam de cumprir a quantidade de horas diárias estipuladas por estarem envolvidos em outras atividades, pode haver falta funcional, resultando em punições administrativas como advertência, suspensão ou até demissão.
O advogado afirmou que os servidores públicos podem ter um negócio próprio, mas não podem permitir que a atividade interfira em sua atuação pública, nem atuar em áreas que possam gerar vantagem indevida por causa do cargo.
Outro lado
Jair afirmou à reportagem que concilia o trabalho público com a gestão de uma das franquias da escolinha de futebol do Capital. Ele se tornou servidor em agosto de 2024, antes de abrir a franquia. Disse que atua no projeto da secretaria de segunda a sexta-feira, das 8h às 11h30 e das 13h às 17h ou 17h30, e que só vai à escolinha depois das 18h, apesar de o local funcionar das 16h às 20h.
Ele também declarou que vai à sede da secretaria duas ou três vezes por mês e que registra a frequência apenas no fim do mês, ao assinar a folha de ponto. Jair afirmou que tem funcionários na escolinha, o que possibilita a conciliação das atividades. “Hoje eu tenho equipe, tenho os funcionários… é empresa, né? Funciona como uma empresa. A gente tem os funcionários, eles exercem as atividades deles e eu consigo fazer minha atividade fora”, disse.
Por telefone, Eliseu negou ser sócio da escolinha e afirmou que trabalha lá como treinador apenas fora do horário de expediente da secretaria. “Na escolinha do Capital eu só trabalho depois do expediente, que é depois das 17h. Não sou sócio lá, não. Não tem nada no meu nome”, declarou.
Segundo ele, sua atuação no Capital ocorre somente às segundas e quartas-feiras, após as 17h. Já no projeto social da secretaria, ele diz trabalhar às terças, quintas e sextas, das 8h às 11h e das 15h às 17h — ou seja, cinco horas por dia, três vezes por semana. Para cumprir a carga horária total, afirma que compensa as horas aos fins de semana, quando acompanha os alunos em jogos.
Ainda assim, seriam necessárias cerca de 25 horas de trabalho nos sábados e domingos, o que, na prática, é inviável. Ele também disse que só vai à sede da secretaria às sextas-feiras e, como Jair, assina o ponto no final do mês.
O Capital disse que não encontrou, nos registros do Instituto Capital e do Capital SAF, funcionários com os respectivos nomes mencionados.
Procuradas, a Secretaria de Administração e a Prefeitura de Luziânia não responderam até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.
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