Brasileiro escravizado em Mianmar reconhece chefe entre condenados na China por 'ciberescravos': 'Marco na busca por Justiça'
KK Park, a fábrica de golpes que escravizava brasileiros Luckas Viana dos Santos e Phelipe de Moura Ferreira Reprodução/Arquivo Pessoal O brasileiro Pehlipe de Moura Ferreira, de 26 anos, que foi mantido refém por três meses por uma máfia de golpes cibernéticos em Mianmar, no Sudeste Asiático, afirmou que um dos membros da família Ming condenada na China por controlar campos de "ciberescravos" era o chefe do complexo onde esteve preso com outro brasileiro, Luckas Santos. A BBC informou que um tribunal chinês condenou 39 membros de uma família notória que dirigia centros de fraude em Mianmar, sendo 11 deles à morte. A reportagem cita que a família trabalhava para um dos quatro clãs que controlavam a pacata cidade de Laukkaing e a transformaram em um centro de jogos de azar, drogas e golpes. Ao g1, Phelipe relatou que reconheceu o chefe do complexo onde foi escravizado ao ver uma foto do tribunal divulgada pela imprensa chinesa. Ele relata que o homem, além de comandar o local, o agrediu durante o período em que esteve em cativeiro. "O chefe chinês do 'complexo' onde fui mantido como 'ciberescravo' está entre os membros da família Ming. Na época, eu conversei com ele. Ele me agrediu e agrediu o Luckas também várias vezes. Isso não é só uma notícia, é um marco na busca por Justiça. É um dia importante para todos nós que fomos vítimas desse sistema. A voz dos sobreviventes não se cala", afirmou Phelipe. Ainda conforme a BBC, Mianmar prendeu vários membros dessas famílias em 2023 e as entregou às autoridades chinesas. Além dos 11 membros que receberam sentenças de morte, outros cinco receberam sentenças de morte com suspensão de dois anos; 11 foram condenados à prisão perpétua; e os restantes receberam penas de prisão que variam entre cinco e 24 anos. "É uma sensação de alívio, mas, ao mesmo tempo, uma sensação de desespero, pois eles perderam nem metade dessa máfia. No mesmo complexo que eu e Luckas estávamos ainda existem pessoas lá. Mas a voz de uma vítima nunca deve ser calada, pois nós que fomos vítimas e sobreviventes podemos alertar mais e mais gente a não cair nesse golpe que prendem a nossa liberdade e destroem os nossos sonhos", ressaltou Phelipe. O g1 mostrou em fevereiro o caso de Phelipe e Luckas, que aceitaram promessas falsas de emprego em 2024 e acabaram sendo vítimas de tráfico humano em KK Park, Mianmar. O local é considerado uma "fábrica de golpes online" (veja mais abaixo). Eles conseguiram fugir ao lado de centenas de imigrantes e foram resgatados com a ajuda da ONG "The Exodus Road" no dia 9. Dez dias depois eles retornaram ao Brasil. "Eles batiam na gente quase todos os dias. Era muito difícil. Sofremos bastante e tem amigos que estão lá ainda. Eu fui espancado e preso porque tentei entrar em contato com um amigo meu. Eles me colocaram na prisão por 20 dias. Agora estou com minha família. Quero agradecer a todos que ajudaram. Estou muito feliz, sei que minha mãe ficou muito preocupada", disse Luckas ao chegar ao Brasil. Jovens vítimas de tráfico humano no Mianmar chegam ao Brasil Ameaças diárias de punição e 16 horas de trabalho Phelipe Ferreira contou ao g1 sobre a rotina de escravidão em KK Park. Segundo ele, havia um roteiro a ser seguido. "Nesse script, a gente perguntava ao cliente, no primeiro dia, informações como nome, idade, país onde morava, se era solteiro, casado, viúvo, com o que trabalhava e o salário. Já no quarto dia, a gente pedia uma ajuda. Falava que trabalhava numa plataforma online chamada Wish e, se ele ajudasse, ganharia uma comissão de 30 dólares", contou. Jovens escravizados em Mianmar eram obrigados a dar golpes pela internet em brasileiros No outro dia, eles voltavam a pedir ajuda. O cliente ganhava a comissão, só que, dessa vez, tinha que terminar algumas tarefas na plataforma e, para isso, precisava fazer recargas. Era aí que a gente começava a tirar o dinheiro do cliente. A primeira recarga era de 150 dólares, a segunda, 500 dólares... até completar o valor de 5 mil dólares. Por ser brasileiro, o jovem foi obrigado a aplicar golpes em outros brasileiros. Ele lembra que, sempre que terminava o turno, chorava no quarto. "Fiz a parte dos brasileiros e tentei enganar tanto mulher como homem, mas brasileiro é mais inteligente. Então, eles já sabiam que aquilo era golpe. Mas o pessoal de outros países, como Rússia, Ucrânia, países da América, era mais fácil de enganar". Brasileiro vítima de tráfico humano em Mianmar foi torturado Ele contou que uma cliente do Caribe chegou a sofrer golpe de um chinês no valor de 350 mil euros. Ela fez empréstimo e comprou uma casa, porque o golpista prometeu que viajaria para viver com ela. Depois, a máfia queria que o brasileiro tentasse extorquir mais dinheiro dela. "Eu tentava desviar o assunto com ela, mas meu antigo líder falava: 'Não, a gente vai ter que dar golpe, ela é rica'. Eu tentava procurar gente mais pobre para não dar certo o golpe, mas aí eu poderia ser punido. Era horrível", contou. Phelipe Ferreira conta


KK Park, a fábrica de golpes que escravizava brasileiros Luckas Viana dos Santos e Phelipe de Moura Ferreira Reprodução/Arquivo Pessoal O brasileiro Pehlipe de Moura Ferreira, de 26 anos, que foi mantido refém por três meses por uma máfia de golpes cibernéticos em Mianmar, no Sudeste Asiático, afirmou que um dos membros da família Ming condenada na China por controlar campos de "ciberescravos" era o chefe do complexo onde esteve preso com outro brasileiro, Luckas Santos. A BBC informou que um tribunal chinês condenou 39 membros de uma família notória que dirigia centros de fraude em Mianmar, sendo 11 deles à morte. A reportagem cita que a família trabalhava para um dos quatro clãs que controlavam a pacata cidade de Laukkaing e a transformaram em um centro de jogos de azar, drogas e golpes. Ao g1, Phelipe relatou que reconheceu o chefe do complexo onde foi escravizado ao ver uma foto do tribunal divulgada pela imprensa chinesa. Ele relata que o homem, além de comandar o local, o agrediu durante o período em que esteve em cativeiro. "O chefe chinês do 'complexo' onde fui mantido como 'ciberescravo' está entre os membros da família Ming. Na época, eu conversei com ele. Ele me agrediu e agrediu o Luckas também várias vezes. Isso não é só uma notícia, é um marco na busca por Justiça. É um dia importante para todos nós que fomos vítimas desse sistema. A voz dos sobreviventes não se cala", afirmou Phelipe. Ainda conforme a BBC, Mianmar prendeu vários membros dessas famílias em 2023 e as entregou às autoridades chinesas. Além dos 11 membros que receberam sentenças de morte, outros cinco receberam sentenças de morte com suspensão de dois anos; 11 foram condenados à prisão perpétua; e os restantes receberam penas de prisão que variam entre cinco e 24 anos. "É uma sensação de alívio, mas, ao mesmo tempo, uma sensação de desespero, pois eles perderam nem metade dessa máfia. No mesmo complexo que eu e Luckas estávamos ainda existem pessoas lá. Mas a voz de uma vítima nunca deve ser calada, pois nós que fomos vítimas e sobreviventes podemos alertar mais e mais gente a não cair nesse golpe que prendem a nossa liberdade e destroem os nossos sonhos", ressaltou Phelipe. O g1 mostrou em fevereiro o caso de Phelipe e Luckas, que aceitaram promessas falsas de emprego em 2024 e acabaram sendo vítimas de tráfico humano em KK Park, Mianmar. O local é considerado uma "fábrica de golpes online" (veja mais abaixo). Eles conseguiram fugir ao lado de centenas de imigrantes e foram resgatados com a ajuda da ONG "The Exodus Road" no dia 9. Dez dias depois eles retornaram ao Brasil. "Eles batiam na gente quase todos os dias. Era muito difícil. Sofremos bastante e tem amigos que estão lá ainda. Eu fui espancado e preso porque tentei entrar em contato com um amigo meu. Eles me colocaram na prisão por 20 dias. Agora estou com minha família. Quero agradecer a todos que ajudaram. Estou muito feliz, sei que minha mãe ficou muito preocupada", disse Luckas ao chegar ao Brasil. Jovens vítimas de tráfico humano no Mianmar chegam ao Brasil Ameaças diárias de punição e 16 horas de trabalho Phelipe Ferreira contou ao g1 sobre a rotina de escravidão em KK Park. Segundo ele, havia um roteiro a ser seguido. "Nesse script, a gente perguntava ao cliente, no primeiro dia, informações como nome, idade, país onde morava, se era solteiro, casado, viúvo, com o que trabalhava e o salário. Já no quarto dia, a gente pedia uma ajuda. Falava que trabalhava numa plataforma online chamada Wish e, se ele ajudasse, ganharia uma comissão de 30 dólares", contou. Jovens escravizados em Mianmar eram obrigados a dar golpes pela internet em brasileiros No outro dia, eles voltavam a pedir ajuda. O cliente ganhava a comissão, só que, dessa vez, tinha que terminar algumas tarefas na plataforma e, para isso, precisava fazer recargas. Era aí que a gente começava a tirar o dinheiro do cliente. A primeira recarga era de 150 dólares, a segunda, 500 dólares... até completar o valor de 5 mil dólares. Por ser brasileiro, o jovem foi obrigado a aplicar golpes em outros brasileiros. Ele lembra que, sempre que terminava o turno, chorava no quarto. "Fiz a parte dos brasileiros e tentei enganar tanto mulher como homem, mas brasileiro é mais inteligente. Então, eles já sabiam que aquilo era golpe. Mas o pessoal de outros países, como Rússia, Ucrânia, países da América, era mais fácil de enganar". Brasileiro vítima de tráfico humano em Mianmar foi torturado Ele contou que uma cliente do Caribe chegou a sofrer golpe de um chinês no valor de 350 mil euros. Ela fez empréstimo e comprou uma casa, porque o golpista prometeu que viajaria para viver com ela. Depois, a máfia queria que o brasileiro tentasse extorquir mais dinheiro dela. "Eu tentava desviar o assunto com ela, mas meu antigo líder falava: 'Não, a gente vai ter que dar golpe, ela é rica'. Eu tentava procurar gente mais pobre para não dar certo o golpe, mas aí eu poderia ser punido. Era horrível", contou. Phelipe Ferreira conta que a rotina era de ameaças Reprodução Segundo Phelipe, ele e outros imigrantes trabalhavam, em média, 16 horas por dia aplicando golpes. "Às vezes, a gente trabalhava 22 horas por dia. Líderes de equipe, todos chineses, nos monitoravam a cada 10 minutos. Se não cumprisse aquela meta, no final do mês, eu ia receber a punição. A punição era eletrochoque, espancamento ou squat down, que é fazer agachamento. Recebi punição três vezes", afirmou. O brasileiro não chegou ser eletrocutado nem espancado, mas recebeu três vezes a punição de agachamento. Tive que fazer, na primeira vez, 100 agachamentos em cima de uma plataforma que tinha uma espécie de prego na parte de cima. Na segunda punição, foram 300 vezes e, na terceira punição, foram 500 agachamentos. Depois, ele mal conseguia andar: "A minha perna travou, mas, mesmo assim, eu tinha que trabalhar". Phelipe viu outros reféns sofrendo agressões e pensou que uma hora seria morto. No quarto dele, havia um homem de outra nacionalidade que tentou escapar sozinho e, ao ser pego, foi espancado durante 20 dias, levou eletrochoque e foi preso. Segundo ele, o homem depois ficou preso à cama de ferro com os pés amarrados. "Eu pensava: 'Vão matar gente'. Meu maior medo era levar choque. Porque eu sei que isso pode matar a pessoa. O meu maior medo era esse", ressaltou. Cronologia Abaixo, veja uma cronologia do caso: Outubro de 2024 Brasileiros reféns de criminosos cibernéticos não conseguem voltar ao Brasil A mãe de Luckas conta que o filho recebeu uma proposta para trabalhar em um cassino nas Filipinas no início de 2024. Após alguns meses no cassino, o estabelecimento fechou e, como Luckas não tinha dinheiro para voltar ao Brasil, procurou outras oportunidades pela região. Pelo Telegram, ele recebeu um convite para trabalhar na área da tecnologia em Mae Sot, cidade tailandesa na fronteira com Mianmar. A viagem foi marcada para 7 de outubro. Luckas, no entanto, acabou sendo levado por mafiosos para KK Park, em Mianmar, e passou a ser escravizado. Novembro de 2024 Phelipe é feito refém em novembro de 2024. O pai dele, Antônio Ferreira, conta que o filho já havia trabalhado em 2023 em outros países e, em 2024, de volta ao Brasil, teve uma proposta de emprego no Uruguai. Decidiu sair novamente do país para trabalhar fora. No Uruguai, recebeu pelo Telegram uma proposta de emprego na área da tecnologia na Tailândia. Ao chegar, um motorista o buscou no hotel e o levou para Mianmar, onde se tornou refém com outros imigrantes. O local é o mesmo onde Luckas já estava. Os dois, até então, não se conheciam. Jovens brasileiros conseguem fugir de rede de tráfico de pessoas E Dezembro de 2024 Phelipe ficou semanas sem dar notícia, até conseguir se comunicar escondido com a família. O pai procurou a polícia, mas foi orientado a falar com a Embaixada do Brasil Mianmar. Luckas também conseguiu se comunicar com a família. A mãe dele passa a divulgar o caso nas redes sociais pedindo ajuda. As duas famílias, então, começam a ser assistidas pela ONG The Exodus Road", organização civil internacional de combate ao tráfico de pessoas. 15 de janeiro de 2025 Em 15 de janeiro, há uma reunião entre integrantes da ONG e representantes do governo de Mianmar e da Tailândia para a liberação de 371 vítimas de tráfico de pessoas, incluindo os dois brasileiros. 8 de fevereiro de 2025 Phelipe avisa o pai que tentaria a fuga no dia 8 de fevereiro com outros imigrantes. Nas mensagens, às quais o g1 teve acesso, ele conta que ia cruzar um rio com outras 85 pessoas e correr por dois quilômetros. Phelipe pede orações e ainda se despediu caso algo acontecesse com ele. Luckas também avisa a família. E, na sequência, ativistas são informados sobre a fuga e já se mobilizam em relação às documentações que comprovassem que os dois eram vítimas de tráfico humano. Prints mostram conversa de brasileiro vítima de tráfico humano com o pai antes de fugir Arquivo Pessoal 9 de fevereiro de 2025 Phelipe e Luckas conseguem fugir ao lado de centenas de imigrantes. Eles acabam detidos por um grupo rebelde chamado DKBA (Exército Democrático Karen Budista), que os encaminham a um centro de detenção local após negociações com a ONG Exodus Road. 12 de fevereiro de 2025 Phelipe, Luckas e outros imigrantes são transferidos para um centro de detenção em Mae Sot, na Tailândia, onde são feitos procedimentos para comprovar que são realmente vítimas de tráfico humano. Brasileiros vítimas de tráfico humano em Mianmar já estão na Tailândia 13 de fevereiro de 2025 Em uma videochamada, o pai de Phelipe vê as marcas das agressões que ele sofreu. "Ele ligou para mim e mostrou o machucado dele. Está com perna toda vermelha, braço todo vermelho, de tanto choque e paulada que levava lá", afirmou Antônio Carlos Ferreira. As famílias dos dois são avisadas que dois dias depois a embaixada do Brasil iria retirá-los da base militar em Mae Sot para levá-los a Bangkok. 15 de fevereiro de 2025 A embaixada brasileira consegue levar os brasileiros para Bangkok, onde ficam em um hotel. Brasileiros vítimas de tráfico humano são entregues ao governo tailandês
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