“Cê não imagina o esquema”, diz ex de primeira-dama sobre governador do TO
Áudios e mensagens obtidos pela PF na operação Fames-19 levaram ao afastamento de Wanderlei Barbosa do cargo, que nega irregularidades

Áudios obtidos pela Polícia Federal (PF) durante a operação Fames-19, que apura supostos desvios no Tocantins durante a pandemia de covid-19, mostram diálogos entre investigados que citam diretamente o governador afastado, Wanderlei Barbosa.
“Cara, sai da mão do [Mauro] Carlesse, entra na mão do Wanderlei. Meu deus do céu, véi, cê não imagina o esquema que esses caras tão montando aí. Então, assim, eu acho que tem que rever um monte de coisa aí viu, bicho? Tá difícil, ficou um lugar difícil”, afirma PC Lustosa em um dos áudios. Ouça:
O governador afastado nega ter cometido qualquer irregularidade, e diz que não mantém vínculos de proximidade e que jamais autorizou qualquer pessoa a agir em seu nome. PC Lustosa também nega ter envolvimento nos fatos investigados, e afirma que as conversas foram tiradas de contexto (leia mais ao final da reportagem).
PC Lustosa é como Paulo César Lustosa é conhecido. Ele é investigado no caso e foi alvo de busca e apreensão da PF durante a deflagração da operação Fames-19, em 3 de setembro.
Ele é ex-marido da atual primeira-dama do Tocantins, Karynne Sotero Campos. De acordo com as investigações, ele teria um “amplo acesso” a pessoas da cúpula do governo do estado, facilitando os trâmites do suposto esquema.
Na decisão que autorizou as ações da PF, ele é definido como alguém que durante o governo de Wanderlei Barbosa “atuou como uma espécie de intermediário na execução do esquema delitivo de desvio de recursos públicos por meio de contratos de fornecimento de cestas básicas, com amplo acesso à cúpula do Poder Executivo Estadual Tocantinense”.
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Wanderlei Barbosa, governador do TocantinsFoto: reprodução2 de 3
O governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa (Republicanos) e a primeira-dama Karynne Sotero CamposRedes sociais/Divulgação3 de 3
A primeira-dama do Tocantis, Karynne Sotero CamposReprodução/redes sociais
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A investigação mira contratos para a compra de cestas básicas e frangos congelados pelo governo. Segundo a PF, foram pagos cerca de R$ 97 milhões em contatos, com prejuízo estimado aos cofres públicos de R$ 73 milhões.
O diálogo em que PC Lustosa cita o suposto “esquema que esses caras tão montando” se dá com seu irmão, que também foi alvo de buscas, Wilton Rosa Pires. Ambos têm o seguinte diálogo:
PC Lustosa: Cara, sai da mão do Carlesse, entra na mão do Wanderlei, meu deus do céu véi, cê não imagina o esquema que esses caras tão montando aí. Então, assim, eu acho que tem que, tem que rever um monte de coisa aí viu bicho? Tá difícil, ficou um lugar difícil.
Wilton: Tá horrível, sai dum mala entra no outro […] gostei da atitude do Júnior Geo [deputado estadual], cara. Ó bicho, vou falar uma coisa procê… eu não sei se é mala ou não é, mas pelo que eu ouvi falar de algum pessoal aí […] é um cara que não aceita propina, não. É um cara que não arma esquema, não, bicho. Na boa, tô te falando a real, bicho. Ele não faz conchavo, não. Tô te falando, todo mundo fala isso pra mim lá, meu irmão. Até com emenda tudo o cara é certíssimo véi…
PC Lustosa: Ah, bicho, eu não sei não viu Wilton.. É difícil, o cara se manter no poder, com as facilidades que tem… Isso é.. ele não aceita, mas ele tem gente que aceita por ele. Então assim, ele não aceita não: “Ah, não aceito, não”. Mas tem gente que pega por ele, entendeu? Eu já vi isso aqui, em um monte de lugar. O cara é mó gente boa, num aceita de jeito nenhum, mas tem um cara dele que vai lá e pega por ele. Diferente.
O diálogo, além de ser apresentado pela PF à Justiça, também é citado na decisão do ministro Mauro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que autorizou as ações da corporação no início de setembro.
Segundo o documento, em diversos diálogos, é possível verificar alusão de terceiros ao “recebimento sistemático de propina por parte do governador Wanderlei Barbosa, sempre em numerário em espécie, reforçando a convicção judicial acerca da efetiva e atual existência de uma organização voltada para a dissipação e apropriação de recursos públicos no governo do Estado”.
Para o ministro, as conversas encontradas no celular de PC Lustosa mostram que ele tinha como “principal atividade laboral” a negociação de propina em contratos do governo do Tocantins e em prefeituras do estado.
Defesa
A coluna entrou em contato com o governador afastado Wanderlei Barbosa, que negou ter participado de qualquer esquema ilícito envolvendo contratos públicos no Tocantins. Ele afirma que os próprios diálogos mencionados pela investigação “revelam que os interlocutores reconhecem que o Governador não aceita propina e fazem referência a práticas supostamente relacionadas ao governo anterior”.
“O Governador não teve, nem tem qualquer envolvimento com contratos firmados para aquisição e distribuição de cestas básicas ou frangos congelados durante a pandemia, desconhecendo completamente a existência de listas ou fotos supostamente fraudadas”, afirmou em nota da defesa.
Com relação às pessoas citadas nas gravações, o governador ressaltou que não mantém vínculos de proximidade e que jamais autorizou qualquer pessoa a agir em seu nome.
“A defesa reforça a confiança de que o devido processo legal esclarecerá os fatos, demonstrando a inocência do Governador Wanderlei Barbosa e pondo fim a insinuações infundadas”, conclui a defesa.
Em nota divulgada após a operação da Polícia Federal, no início de setembro, o governador disse que recebeu decisão do STJ com “respeito às instituições”, mas ressaltou que se trata de “medida precipitada, adotada quando as apurações da operação Fames-19 ainda estão em andamento, sem conclusão definitiva sobre qualquer responsabilidade da minha parte”.
Segundo o governador, por sua determinação, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e a Controladoria-Geral do Estado (CGE) instauraram auditoria sobre os contratos mencionados e encaminharam integralmente as informações às autoridades competentes.
Já a primeira-dama Karynne Sotero diz que está separada de Paulo César Lustosa desde 2017, quatro anos antes das gravações mencionadas pela investigação. Ela também ressalta que não possui qualquer responsabilidade sobre os fatos apurados e que, desde então, não manteve qualquer vínculo, seja pessoal ou institucional, com PC Lustosa no período em que os áudios foram captados.
“Reforça, ainda, que é incorreto e injusto associar sua imagem à de Paulo César Lustosa, uma vez que suas trajetórias seguem completamente independentes há muitos anos”, afirmou também em nota.
A defesa de Paulo César Lustosa afirma que tomou conhecimento apenas de parte das informações do procedimento investigativo, e ressalta que as mensagens apresentadas tratam-se de recortes, trechos de conversas “descontextualizadas, que não refletem a realidade quando destacadas de forma fragmentada”.
Diz também que “infelizmente, a Polícia Federal trabalha dessa forma, como já fez em outras ocasiões, prejudicando a busca da verdade real, não se importando com a imagem de qualquer pessoa”.
“O Sr. Paulo Cesar reafirma que não tem qualquer envolvimento em esquemas ilícitos e confia que a Justiça esclarecerá todos os fatos no devido processo legal”, afirmou em nota enviada à coluna.
A coluna entrou em contato com a defesa de Wilton Rosa Pires, que disse ainda não ter tido acesso aos autos e não se manifestará no momento.
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