Filial de clínica que pegou fogo e matou 5 tem abuso sexual e tortura
Donos foram presos nessa terça-feira (16/9) depois que Comissão de Direitos Humanos da CLDF apurou casos de maus-tratos a 27 pacientes

As denúncias feitas por internos da unidade do Lago Oeste do Instituto Terapêutico Liberte-se, nessa terça-feira (16/9), apontam graves violações a direitos humanos. Os acolhidos falam em trabalho forçado e não remunerado, tortura, maus-tratos, violência sexual, cobranças abusivas e falta de assistência médica adequada. Três sócios da casa de recuperação foram presos.
Os relatos foram feitos à Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), que esteve na unidade do Lago Oeste na terça-feira e reuniu as denúncias. A filial é diferente da localizada no Núcleo Rural Boqueirão, no Paranoá, que pegou fogo e matou cinco internos, em 31 de agosto último.
Os internos disseram, por exemplo, que sofrem abusos sexuais constantemente, sobretudo aqueles com transtornos mentais. Há ainda denúncias de episódios de pessoas enforcadas, amarradas com cordas e trancadas em quartos superlotados.
A unidade do Lago Oeste também não oferecia assistência médica adequada. Alguns pacientes usavam psicotrópicos como quetiapina e rivotril sem prescrição clara, além de não contarem com a presença de psicólogos e psiquiatras na clínica — quem quisesse se consultar, tinha que desembolsar R$ 300 para uma consulta online. Quem dão os medicamentos são monitores não formados na área médica.
As famílias dos acolhidos já pagam entre R$ 1.600 e R$ 1.800 de mensalidade pela internação e, ainda assim, pagam alimentação por fora e também têm que arcar com gastos como taxa de deslocamento. Se o paciente está com algum problema de saúde e solicita ir ao médico, por exemplo, é cobrado dele um valor entre R$ 150 e R$ 200.
Ainda de acordo com relatos dos pacientes à Comissão de Direitos Humanos da CLDF, a unidade do Lago Oeste possui uma loja de conveniência que vende produtos muito acima do preço de mercado e forçam os rapazes a comprar, como contou um dos internos. “Aqui, um pacote de biscoito é R$ 15, um chocolate é R$ 15… são produtos que, lá fora, custam R$ 3”, explica. “Eles meio que nos obrigam a comprar aqui, porque quando um parente vem nos visitar, ele só pode entrar com 10 itens”, revela.
Sobre as visitas, o paciente conta que foi proibido de ver a família há aproximadamente 30 dias. “Eu estou com a visita proibida porque aqui eles não permitem troca e, há mais ou menos um mês, eu troquei uma barra de chocolate que vende na lojinha da clínica por uma caixa de bombom com um companheiro que chegou”, conta. “É chocolate por chocolate, não é nada de mais”, lamenta.
A unidade do Lago Oeste do Instituto Liberte-se estaria adotando uma prática chamada de “laboterapia”, espécie de terapia através do trabalho, com rotinas exaustivas, impositivas e sacrificantes. A prática caracteriza trabalho forçado e não remunerado.
Ofícios
Após ouvir as denúncias, a CDH oficiou a Ouvidoria e a Procuradoria-Geral dos Direitos do Cidadão, ambas do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT); a Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania do DF (Sejus-DF); e a Defensoria Pública do DF (DPDF).
“Solicitamos adoção de medidas cautelares para proteção integral dos internos; abertura de inquérito civil e criminal; fiscalização ampliada das demais unidades da entidade “Liberte-se” no DF; e garantia de acompanhamento multidisciplinar para assegurar a proteção de direitos das pessoas resgatadas”, assinou o presidente da Comissão, deputado distrital Fábio Felix (Psol), em um dos ofícios.
A visita à unidade do Liberte-se no Lago Oeste foi guiada por Fábio Felix e acompanhada pela deputada federal Érika Kokay, a coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da CLDF, Keka Bagno, a conselheira do Conselho Regional de Psicologia, Thessa Guimarães, as representantes do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura Carolina Lemos e Camila Antero, e o professor da UnB Pedro Costa, além de representantes do Ministério dos Direitos Humanos (MDH).
Prisões
Três homens, de 40, 46 e 49 anos, foram presos pela Polícia Civil do DF (PCDF), que foi acionada pela CDH logo após a visita. Eles são responsáveis pela unidade do Lago Oeste.
A 35ª Delegacia de Polícia (Sobradinho) ouviu 27 internos da unidade terapêutica nessa terça-feira (16/9) e, depois das oitivas, prenderam em flagrante os coordenadores. Eles responderão pelo crime de cárcere privado.
Cinco mortos e 12 feridos
- O Instituto Liberte-se passou a ficar conhecido quando, na madrugada de 31 de agosto, a unidade do Núcleo Rural Boqueirão, no Paranoá, pegou fogo.
- Na ocasião, cinco pessoas morreram, e 12 ficaram feridas. Darley Fernandes de Carvalho, José Augusto, Lindemberg Nunes Pinho, Daniel Antunes e João Pedro Santos faleceram carbonizadas.
- Aquela unidade funcionava sem alvará, segundo a Secretaria DF Legal.
- Em depoimento à PCDF, o proprietário do Instituto Terapêutico Liberte-se, Douglas Costa Ramos, 33 anos, confirmou que a única porta de entrada e saída da clínica estava trancada com cadeado, em razão de furtos anteriores sofridos.
- Douglas confessou ainda que não possuía as licenças necessárias para permitir que a unidade do Boqueirão estivesse funcionando.
O Metrópoles tentou contato com o Instituto novamente, para ouvir a entidade a respeito dos apontamentos da Comissão de Direitos Humanos. O órgão, no entanto, não havia dado retorno até a última atualização desta reportagem. O espaço segue aberto.
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