Como preso do CV no RJ chefiava fábrica de fuzis em SP com peças dos EUA
Membro do CV, maior facção fluminense, atuava no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, além de manter ramificações nos Estados Unidos
Mesmo preso no Complexo Penitenciário de Gericinó, no Rio de Janeiro, o mineiro Silas Diniz Carvalho, conhecido como Gordão ou Mikhail (imagem em destaque), coordenava a instalação e o funcionamento de uma das mais estruturadas fábricas clandestinas de fuzis já identificadas pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF), instalada no interior de São Paulo.
Integrante do Comando Vermelho (CV), Gordão era o responsável por articular pagamentos, selecionar operadores, validar maquinário e dar ordens diretas aos integrantes da organização criminosa que se espalhavam por três estados brasileiros e pelos Estados Unidos, segundo denúncia obtida pelo Metrópoles.
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Peças de armas eram projetadas e feitas clandestinamenteReprodução/PF
Armamento era montado em Bunker no interior de SPReprodução/PF
Ação conjunta da PF e PM apreendeu dezenas de fuzisReprodução/PF
Armamento era negociado com criminosos Reprodução/PF
Um dos supostos clientes do grupo seria o Comando VermelhoReprodução/PF
Supeitos com formação técnica trabalhavam para quadrilhaReprodução/PF
Dono de fábrica consta entre os investigadosReprodução/PF
Arte Alfredo Henrique/Metrópoles
A esposa dele, Marcely Ávila Machado, a Vitória ou Vick, atuava como gestora financeira do grupo, controlando repasses mensais, prestando informações aos subordinados e operacionalizando pagamentos que mantinham a produção clandestina ativa. Ela cumpria prisão domiciliar, enquanto Silas seguia atrás das grades, de acordo com a mais recente atualização do caso à qual a reportagem teve acesso, de novembro deste ano.
A defesa dos suspeitos mencionados nesta reportagem não foi localizada. O espaço segue aberto para manifestações.
Articulação internacional
A fábrica clandestina de armas operava dentro da estrutura da empresa Kondor Fly Parts Indústria e Comércio de Peças Aeronáuticas Ltda, aberta em maio de 2024 em Santa Bárbara d’Oeste, no interior paulista, pelo foragido Gabriel Carvalho Belchior, que mora entre Kansas City, no estado americano do Texas, e Vero Beach, na Flórida, como apontado pela PF.
Segundo o MPF, a empresa era uma fachada que simulava a produção de peças aeronáuticas, mas funcionava exclusivamente para dar aparência de legalidade ao maquinário e ao fluxo de peças usadas na fabricação de fuzis da plataforma AR — como AR-15, M4 e M16 –, armamento usado em guerras.
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Documentos anexados à investigação mostram que Gabriel recebia e enviava remessas a partir de seus endereços nos EUA e no Rio de Janeiro, onde mantinha vínculos com Gordão. Mensagens e cadastros revelam, segundo o MPF, que peças e acessórios de armas eram comprados pela quadrilha e encaminhados diretamente ao Brasil, abastecendo a fábrica.
Há ainda registros de compras em um famoso e-commerce — incluindo alavancas de manejo e empunhaduras para AR-15 — feitas pelo também denunciado Walcenir Gomes Ribeiro, entregues no endereço usado por Gabriel, na zona oeste do Rio, antes de ele fugir para os EUA. Waldecir está preso no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Campinas, interior de São Paulo.
Operação industrial
A investigação da PF mostra que a Kondor Fly Parts funcionava em um imóvel alugado inicialmente pela empresa BSW Usinagem e Comércio Ltda, administrada de fato por Wendel dos Santos Bastos. Ele locou o galpão em 2023 e, já no ano seguinte, foi procurado por Janderson Aparecido Ribeiro de Azevedo, sob ordem direta de Gordão, propondo o “arrendamento” do imóvel e do maquinário — o qual já havia sido instalado para produzir fuzis de forma clandestina.
O MPF afirma na denúncia que Wendel sabia da finalidade ilegal e firmou contrato com a Kondor Fly Parts por R$ 75,5 mil mensais, dos quais R$ 6,5 mil destinados à locação do imóvel e R$ 69 mil pelo uso do maquinário industrial. A investigação federal mostra pagamentos feitos pelo próprio Gabriel à imobiliária que administrava o galpão.
Além de Wendel e Janderson, o esquema contava com Clayton Combe Ribeiro, atualmente foragido, um técnico de confiança de Gordão que validava máquinas de usinagem e já havia trabalhado em outra fábrica clandestina desmontada pela PF, em Belo Horizonte, em 2023. Clayton aparece em arquivos digitais datados ainda daquele ano, relacionados a peças de armas e programação de equipamentos.
Estrutura interna e produção em larga escala
Para manter a linha de produção, a quadrilha recrutou operadores industriais experientes, como Anderson Custódio Gomes, o Boi, Dinael Enrique Borges e Lucas Gonçalves Dias, todos presos no CDP de Campinas. Eles atuavam na usinagem de peças sob orientação dos supervisores Clayton, Walcenir e Janderson, responsáveis pela parte técnica e pela distribuição de tarefas.
Segundo a investigação, os drives virtuais dos acusados reuniam arquivos de projetos, medidas, desenhos técnicos e registros de comunicação que reforçam a existência de uma produção industrial estruturada. Prints, e-mails e mensagens mostram fluxo constante de peças, comunicação hierárquica e coordenação direta com Gordão, mesmo com ele atrás das grades.
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Projetos eram posteriormente executados em fábrica no interior paulista Reprodução/PF
Armas eram projetadas em 3DReprodução/PF
Armas eram montadas no interior de SPReprodução/PF
Reprodução/PF
Armas eram repassadas para facções no Rio e nordeste Reprodução/PF
Peças eram feitas com maqunário de fábrica que deveria produzir peças aeroespaciaisReprodução/PF
Armas custavam entre R$ 8 mil e R$ 15 mil Reprodução/PF
Arte Alfredo Henrique/Metrópoles
Reprodução/PF
Reprodução/PF
Apreensão recorde e galpão de armazenamento
O MPF detalha que outro imóvel, em Americana, no interior de São Paulo, alugado em nome de Walcenir, servia como centro de armazenamento. No local, a PF apreendeu mais de 31 mil peças de armas, sobretudo destinadas à produção de fuzis AR. Cópias digitais encontradas no iCloud de Walcenir trazem contratos, boletos de internet e comprovantes ligados ao galpão, reforçando o vínculo dele com a produção clandestina das armas de guerra.
Relatórios da PF também apontam que a quadrilha já utilizava esses endereços e estruturas desde janeiro de 2024, antes mesmo da formalização da Kondor Fly Parts. Clayton, por exemplo, chegou a cadastrar o endereço da fábrica em plataformas de compras e vendas online, como consta no processo.
Continuidade criminosa e mudança geográfica
A denúncia mostra que a fábrica de Santa Bárbara d’Oeste é uma continuação do modelo descoberto um ano antes, em Belo Horizonte. Em 2023, Gordão e a esposa já operavam uma linha de produção clandestina desmontada pela PF. A prisão do membro do CV, em outubro daquele ano, não impediu o avanço do grupo, o qual migrou para São Paulo, reestruturou o maquinário e expandiu a escala de produção sob coordenação remota.
Para o MPF, a comprovação de mensagens, contratos, pagamentos, compras, acesso remoto a contas de iCloud e cadastros em plataformas demonstra que a organização criminosa atuava de maneira estável, transnacional e com clara divisão de tarefas, produzindo armas de uso restrito em alta escala e com inserção de peças vindas dos Estados Unidos.
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