Continuidade, com estilo próprio: o que esperar de Leão XIV

Como cada papa influenciou rumos do catolicismo frente à modernidade e qual será o papel de Leão 14? Especialistas apontam para avanços, retrocessos e disputas simbólicas internas. Robert Francis Prevost, agora conhecido como Leão 14, foi escolhido como o novo Papa nesta quinta-feira (8/5). Getty Images via BBC Ao longo da história da Igreja, ondas políticas costumam se alternar. Mas na visão de especialistas, a eleição do norte-americano Robert Prevost como papa Leão 14 para a sucessão de Francisco confirma que a voga progressista dos últimos anos não se esgotou. Leão 14 deve continuar o legado de seu antecessor. Em análise à BBC News Brasil, o teólogo e historiador Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, disse que Leão 14 é "um papa que conhece a América Latina" e será "um leão que rugirá no tom de Francisco". "É uma escolha que derruba críticas. Um norte-americano, onde Francisco teve muita oposição, ligado aos pobres, então ligado à Francisco", escreveu o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, em mensagem à BBC News Brasil logo após a eleição do novo papa. "Uma escolha com uma força política chocante, ainda que eu acredite que o problema não é política, esse é o gesto político mais chocante da Igreja em toda a minha vida: afirma que quer estar em continuidade com Francisco, próxima aos Estados Unidos, mas sem abrir mão do seu perfil." Para o vaticanista Filipe Domingues, professor na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e diretor no Lay Centre, também em Roma, "do ponto de vista pastoral e de governo, ele está 100% na linha do que os cardeais estavam buscando". "É alguém que não vai jogar no lixo aquilo que o Francisco começou e alguém que sabe governar. Talvez seja mais discreto e mais protocolar, um pouquinho mais formal", comenta. "E tem trânsito no mundo americano." Na história dos papados, há ondas de poder ora mais à esquerda, ora mais à direita. Ao que parece, o capítulo inaugurado por Francisco ainda não terminou. Esse movimento pendular vem sendo observado pelo menos desde a metade do século 20. Fazia cinco dias que o papa João 23 (1881-1963) havia assumido o comando da Igreja quando confidenciou a assessores próximos que queria convocar um concílio, sem nem consultar a alta cúpula da Igreja. Em janeiro de 1959, dois meses depois de tomar posse como papa, ele anunciou que haveria o Concílio Vaticano 2º. A notícia pegou o mundo católico de surpresa. Os anos seguintes veriam uma grande transformação, uma verdadeira guinada na gigantesca instituição religiosa. Internamente, aquela série de encontros que ocorreu no Vaticano de 1962 a 1965 e envolveu mais de 2,5 mil pessoas de todo o mundo, era vista como uma "atualização" do catolicismo frente aos desafios do mundo contemporâneo. "O concílio inseriu mais a Igreja na sociedade. Secularizou a Igreja. Foi um sopro de renovação que irritou muito os conservadores", comenta à BBC News Brasil o frade dominicano e escritor Frei Betto. O religioso vê como um gesto de ousadia a convocação do evento, por João 23, "sem consultar a Cúria Romana". "Ele foi muito inteligente. Se tivesse consultado previamente [as instituições administrativas da cúpula da Igreja], o conservadorismo iria querer travar sua decisão. No dia em que a Cúria ficou sabendo, todos nós ficamos sabendo. Foi em locução pública que ele comunicou que haveria o concílio", pontua. O aspecto mais visível para as pessoas foi na própria celebração da missa. Antes, elas eram em latim, com os padres de costas para os fiéis. Então, passaram a ser feitas na língua local, com interação entre sacerdote e a audiência. Mas o Concílio também previu uma série de mudanças de postura e um catolicismo mais social, mais pastoral, mais preocupado com as realidades humanas. O pesquisador Rafael Alberto Alves dos Santos, ex-coordenador do grupo Semiótica da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), estudou em seu mestrado e em seu doutorado como as linguagens da Igreja constroem sentido. Isso ajuda a compreender os rótulos que costumam ser relacionados aos papas. "Os papados vão construindo o simbólico ao longo da história", explica ele, à BBC News Brasil. "A Igreja se organiza em ondas, ora mais abertas a reformas, ora mais voltadas para dentro.". "Entender as sucessões papais como a metáfora do mar que avança e recua é uma maneira de compreender o morde e assopra como a Igreja caminha, com avanços graduais lentos, marcados por processos de um certo controle", diz à BBC News Brasil o teólogo e historiador Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie. "João 23 propôs abrir as janelas para o mundo e deixar o mundo entrar. E com isso reformou não só a liturgia, com a questão da missa em latim e o padre que passou a rezar em favor dos fiéis e não contra os fiéis, no sentido físico, mas a própria relação da Igreja com a modernidade, com as outras religiões, com as angústias do humano contemporâneo", analisa Santos. O

May 9, 2025 - 08:00
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Continuidade, com estilo próprio: o que esperar de Leão XIV

Como cada papa influenciou rumos do catolicismo frente à modernidade e qual será o papel de Leão 14? Especialistas apontam para avanços, retrocessos e disputas simbólicas internas. Robert Francis Prevost, agora conhecido como Leão 14, foi escolhido como o novo Papa nesta quinta-feira (8/5). Getty Images via BBC Ao longo da história da Igreja, ondas políticas costumam se alternar. Mas na visão de especialistas, a eleição do norte-americano Robert Prevost como papa Leão 14 para a sucessão de Francisco confirma que a voga progressista dos últimos anos não se esgotou. Leão 14 deve continuar o legado de seu antecessor. Em análise à BBC News Brasil, o teólogo e historiador Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, disse que Leão 14 é "um papa que conhece a América Latina" e será "um leão que rugirá no tom de Francisco". "É uma escolha que derruba críticas. Um norte-americano, onde Francisco teve muita oposição, ligado aos pobres, então ligado à Francisco", escreveu o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, em mensagem à BBC News Brasil logo após a eleição do novo papa. "Uma escolha com uma força política chocante, ainda que eu acredite que o problema não é política, esse é o gesto político mais chocante da Igreja em toda a minha vida: afirma que quer estar em continuidade com Francisco, próxima aos Estados Unidos, mas sem abrir mão do seu perfil." Para o vaticanista Filipe Domingues, professor na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e diretor no Lay Centre, também em Roma, "do ponto de vista pastoral e de governo, ele está 100% na linha do que os cardeais estavam buscando". "É alguém que não vai jogar no lixo aquilo que o Francisco começou e alguém que sabe governar. Talvez seja mais discreto e mais protocolar, um pouquinho mais formal", comenta. "E tem trânsito no mundo americano." Na história dos papados, há ondas de poder ora mais à esquerda, ora mais à direita. Ao que parece, o capítulo inaugurado por Francisco ainda não terminou. Esse movimento pendular vem sendo observado pelo menos desde a metade do século 20. Fazia cinco dias que o papa João 23 (1881-1963) havia assumido o comando da Igreja quando confidenciou a assessores próximos que queria convocar um concílio, sem nem consultar a alta cúpula da Igreja. Em janeiro de 1959, dois meses depois de tomar posse como papa, ele anunciou que haveria o Concílio Vaticano 2º. A notícia pegou o mundo católico de surpresa. Os anos seguintes veriam uma grande transformação, uma verdadeira guinada na gigantesca instituição religiosa. Internamente, aquela série de encontros que ocorreu no Vaticano de 1962 a 1965 e envolveu mais de 2,5 mil pessoas de todo o mundo, era vista como uma "atualização" do catolicismo frente aos desafios do mundo contemporâneo. "O concílio inseriu mais a Igreja na sociedade. Secularizou a Igreja. Foi um sopro de renovação que irritou muito os conservadores", comenta à BBC News Brasil o frade dominicano e escritor Frei Betto. O religioso vê como um gesto de ousadia a convocação do evento, por João 23, "sem consultar a Cúria Romana". "Ele foi muito inteligente. Se tivesse consultado previamente [as instituições administrativas da cúpula da Igreja], o conservadorismo iria querer travar sua decisão. No dia em que a Cúria ficou sabendo, todos nós ficamos sabendo. Foi em locução pública que ele comunicou que haveria o concílio", pontua. O aspecto mais visível para as pessoas foi na própria celebração da missa. Antes, elas eram em latim, com os padres de costas para os fiéis. Então, passaram a ser feitas na língua local, com interação entre sacerdote e a audiência. Mas o Concílio também previu uma série de mudanças de postura e um catolicismo mais social, mais pastoral, mais preocupado com as realidades humanas. O pesquisador Rafael Alberto Alves dos Santos, ex-coordenador do grupo Semiótica da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), estudou em seu mestrado e em seu doutorado como as linguagens da Igreja constroem sentido. Isso ajuda a compreender os rótulos que costumam ser relacionados aos papas. "Os papados vão construindo o simbólico ao longo da história", explica ele, à BBC News Brasil. "A Igreja se organiza em ondas, ora mais abertas a reformas, ora mais voltadas para dentro.". "Entender as sucessões papais como a metáfora do mar que avança e recua é uma maneira de compreender o morde e assopra como a Igreja caminha, com avanços graduais lentos, marcados por processos de um certo controle", diz à BBC News Brasil o teólogo e historiador Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie. "João 23 propôs abrir as janelas para o mundo e deixar o mundo entrar. E com isso reformou não só a liturgia, com a questão da missa em latim e o padre que passou a rezar em favor dos fiéis e não contra os fiéis, no sentido físico, mas a própria relação da Igreja com a modernidade, com as outras religiões, com as angústias do humano contemporâneo", analisa Santos. O papa que convocou o concílio morreu sem ver o evento encerrado. Seu sucessor, Paulo 6º (1897-1978), manteve a toada — concluiu o encontro e teve um pontificado preocupado com direitos humanos, atento sobretudo aos abusos de governos ditatoriais na América Latina. "De seu pontificado temos a defesa radical dos direitos humanos", recorda Frei Betto. "Nesse período, eu e outros frades dominicanos estivemos quatro anos presos sob a ditadura militar brasileira e Paulo 6º nos deu seu apoio, inclusive nos mandou de presente um rosário com um cartão manuscrito." "Era um papa com a formação da Ação Católica Italiana, muito aberto, muito disposto a dialogar e a enfrentar os novos desafios do século 20", analisa. A guinada conservadora Para analistas, esse período considerado progressista na história da Igreja Católica foi interrompido em 1978. João Paulo 1º (1912-1978), o sucessor de Paulo 6º, durou apenas 33 dias — difícil fazer qualquer avaliação sobre seu legado. Na sequências, foram os 26 anos do longo pontificado de João Paulo 2º (1920-2005). Se por um lado o polonês esbanjava carisma, viajou o mundo e foi o primeiro a ter todos os passos acompanhados de perto pela televisão, um olhar sobre o seu papado encontra muitas marcas de um perfil conservador, reacionário. Durante o pontificado de João Paulo 2º, a Igreja lutou diretamente contra o comunismo, empoderou alas conservadoras como a Opus Dei — que, em 1982, tornou-se a única prelazia pessoal do papa — e perseguiu movimentos considerados à esquerda, como a progressista Teologia da Libertação — algumas de suas lideranças, como o religioso brasileiro Leonardo Boff, foram caladas. Seu sucessor, Bento 16 (1927-2022), era um teólogo da Cúria Romana conhecido tanto pela ortodoxia quanto pelo zelo à doutrina. De 1981 até ser eleito papa, ele comandava a Congregação para a Doutrina da Fé, o órgão herdeiro do famigerado Tribunal do Santo Ofício que perseguia e condenava aqueles chamados de hereges séculos atrás. Santos reconheceu que foi um período em que a Igreja "viveu uma onda conservadora", mas ressalta que seria desrespeitoso não lembrar que ambos "foram papas pós-conciliares e que respeitaram o concílio". "A Igreja se move muito lentamente", ressalta. "João Paulo 2º deixou claro que a doutrina não estava aberta a negociações", pontua Santos. Ele lembra, por exemplo, que durante o pontificado do polonês, a Arquidiocese de São Paulo foi dividida, fazendo da capital paulista a única cidade do mundo com mais de uma diocese em seu território. Desde 1989, no município coexistem paróquias que hierarquicamente respondem às dioceses de Santo Amaro, Campo Limpo, São Miguel, Osasco, e, claro, à Arquidiocese de São Paulo. Isso costuma ser interpretado como uma maneira encontrada pelo Vaticano, naquele contexto de Guerra Fria, de minar o poder de Paulo Evaristo Arns (1921-2016), o então cardeal arcebispo de São Paulo, que era alinhado a movimentos de esquerda. "Foi um gesto de João Paulo 2º para enfraquecer a figura, a autoridade, de dom Paulo Evaristo Arns", frisa Santos. As figuras de João Paulo 2º e de Bento 16 foram apresentadas de forma diversa, embora carregassem a mesma aura de conservadorismo. "A mídia figurativizou João Paulo 2º, que foi construído como um papa quase monumental, heroico", lembra o pesquisador. "Ele era um papa que esquiava, que sabia falar com as multidões." "Bento foi apresentado pela mídia como introspectivo, acadêmico, um homem conservador. Quase um administrador, um teólogo sério. Um papa cerebral", compara Santos. "Foram 34 anos [somados os dois pontificados] conservadores, que causaram muitos danos à Igreja, que se alinhou às políticas imperialistas de [Margaret] Thatcher [(1925-2013), ex-primeira ministra do Reino Unido] e [Ronald] Reagan [(1911-2004), ex-presidente dos Estados Unidos]", diz Frei Betto. "Vimos um anticomunismo exacerbado, sobretudo de João Paulo 2º, que fez a Igreja retroceder. Não conseguiram condenar a Teologia da Libertação, mas a censuraram." Para o religioso dominicano, isso explica a perda de espaço da Igreja Católica frente ao avanço das denominações evangélicas. Justamente porque a milenar instituição perdeu o contato com o povo. "Bento acabou sendo mais radical do que João Paulo 2º", argumenta o teólogo Moraes, explicando que o polonês, embora tenha tido "seu papel na Guerra Fria" também era "um papa muito midiático, com forte penetração junto à juventude". Por outro lado, o alemão que o sucedeu "era um homem da Cúria, do sistema, do coração doutrinário da Igreja" e, por isso, se apresentou como "radical no campo da doutrina". Com Francisco, a consolidação do Vaticano 2º Com a renúncia de Bento, em 2013, o papado de Francisco passou a ser visto como uma nova onda progressista. Afinal, ele implementou uma ampla reforma na Cúria Romana e reposicionou a rota da Igreja com discursos de acolhimento às minorias e documentos caros ao debate da crise climática. De certa forma, como já interpretou o cardeal filipino Luis Antonio Tagle, um dos nomes fortes na lista dos favoritos desse último conclave, Francisco consolidou, na prática, o Concílio Vaticano 2º. O encontro convocado por João 23 foi tema do doutorado de Tagle, defendido na Universidade Católica da América, em Washington. "Francisco expressou toda a sua opção pelos pobres, a sua aprovação à Teologia da Libertação. E imprimiu à Igreja avanços nesses 12 anos de pontificado", avalia Frei Betto. "A renúncia rompeu o que chamamos de regime de programação. Era aquilo que não se esperava de um papa. Ao instaurar o inesperado, se permite que algo novo surja", diz o pesquisador Santos. "Então João Paulo 2º e Bento 16 foram figurativados como representantes de uma Igreja da norma. Francisco apareceu desde o primeiro momento como alguém que ouve, que se curva, que abraça", compara ele. Um exemplo interessante estudado por Santos é como o papa Francisco utilizava a primeira pessoa do plural em seus discursos. "Ele fazia o uso do pronome nós, diferentemente de papas anteriores, que usavam o chamado 'nós majestático'. Ele usava o 'nós englobante', incluindo-se entre os fiéis", explica. "Foi um papa que se deslocou da autoridade, colocando-se no mesmo patamar. Não falava aos fiéis. Falava com os fiéis, junto aos fiéis. Isso foi muito poderoso, porque retirou da figura do papa a figura sacralizada, colocando-o como um sujeito sensível que compartilha da nossa condição humana." Para o pesquisador, Francisco "reinventou discursivamente o modo de habitar" o papel de papa. "Quando se diz que o papa Francisco reacendeu o espírito do Vaticano 2º, isso não é apenas uma metáfora simpática, mas realmente a gente viu nele um deslocamento discursivo e uma ruptura com algumas tradições", pontua Santos. Na análise dele, o argentino simbolizou a mudança não apenas pelo que falou, mas pela maneira como "se deu a ver", com uma "corporalidade que escapava do majestático, gestos mais simples, roupas mais simples". "Que homem você conhece que usa sapato Prada vermelho?", diz, em alusão ao calçado utilizado por Bento 16. "Agora, a gente conhece um monte de gente que usa o sapato preto do Francisco, a calça de tergal que muitas vezes apareceu, e isso devolve esse simbólico: o do papel temático do papa como um pouco de humanidade", explica Santos. Propostas seguem até a exaustão Conforme explica à BBC News Brasil o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, editor do jornal O São Paulo, da Arquidiocese de São Paulo, essa aparente mudança de rota ocorre de tempos em tempos porque "uma proposta eclesial continua a produzir papas enquanto ela está respondendo às necessidades e aos desafios do momento presente". "Quando ela perde essa capacidade de responder às necessidades do momento presente, quando não consegue responder aos desafios que a Igreja está enfrentando, então naturalmente os cardeais vão em busca de uma proposta eclesial alternativa", contextualiza. Para Ribeiro Neto, a "exaustão" de uma proposta faz brotar o êxito de um novo caminho. "João Paulo 2º veio para mudar a rota de uma Igreja que estava exaurida, incapaz de caminhar. Bento 16 continuou nessa linha porque era o caminho que continuava dando as respostas que a Igreja considerava satisfatórias", prossegue. A ruptura, interpreta o sociólogo, veio com a renúncia do alemão, que "deixou claro a exaustão daquela linha eclesial que ele representava". "Surgiu a necessidade de um papa que trouxesse uma nova proposta eclesial. Entrou Francisco. É uma proposta que ainda está começando a se consolidar", avalia. Para Ribeiro Neto, os problemas atuais não representam aqueles inerentes a uma "proposta em exaustão". Ao contrário, são de "uma proposta em construção". "Sendo assim, me parece muito claro que o novo Papa será alguém em continuidade com Francisco. Sem dúvida, existe uma grande demanda dos setores conservadores, da sociedade no mundo. E essa demanda está sendo muito forte e o próximo papa terá que responder a ela", prevê. Pedro e Paulo Para o pesquisador José Luís Lira, fundador da Academia Brasileira de Hagiologia e professor na Universidade Estadual Vale do Acaraú, no Ceará, a alternância de vieses na cúpula do catolicismo pode ser vista de outra forma. Ele defende que a Igreja é comandada ora por um defensor do legado de Pedro, ora por um defensor do legado de Paulo. Ambos os personagens históricos remetem aos primórdios do cristianismo e, embora pouco se saiba sobre suas reais biografias, é consenso entre historiadores que eles existiram e foram fundamentais ao início do movimento que depois se tornaria a Igreja Católica. Pedro teria sido um dos doze seguidores de Jesus, os chamados apóstolos. Segundo o relato bíblico, era um homem simples, pescador, que teria sido eleito pelo próprio Jesus como aquele que deveria liderar o grupo — por isso, a tradição o considera o primeiro papa. Ele teria viajado por diversas regiões disseminando os ensinamentos daquele protocristianismo e, acredita-se, chegado até Roma. Paulo, por sua vez, era um soldado romano que, convertido à fé cristã depois da morte de Jesus, acabaria se tornando um grande intelectual daquele período, autor de muitas das cartas do Novo Testamento. Muito da doutrina da Igreja se baseia nos fundamentos de sua obra. Diversos especialistas acreditam que o cristianismo só se tornou uma religião por causa do trabalho de Paulo. "João 23 era o papa bom, o avô da humanidade. Todo mundo se apaixonou por ele, um homem de costumes simples. Era Pedro", analisa ele, à BBC News Brasil. Na sequência, segundo sua visão, Paulo 6º "veio numa linha de organização mais teórica e, como o próprio nome que assumiu, era Paulo". "João Paulo 2º foi novamente Pedro, o homem que foi a todos os lugares, ao encontro de todos. Depois, Bento 16, novamente Paulo, o intelectual. E Francisco, uma coisa fantástica, mais uma vez Pedro", analisa Lira. "De forma que vejo a Igreja como um organismo que continua sendo comandada por Pedro, [considerado] o primeiro papa, e por Paulo, a pessoa que a estruturou", completa ele. "Vamos ver as características do novo papa, mas acho que vem um Paulo por aí." Continuidade Mas nem toda interpretação segue o simplificador discurso da alternância. Há intelectuais católicos que interpretam a sucessão papal como uma continuidade, entendendo que a milenar instituição avança — muitas vezes lentamente, tal e qual um gigante com pés de barro — justamente porque um sumo pontífice parte do magistério construído por seus antecessores. "Eu vejo continuidade, não vejo ruptura", diz à BBC News Brasil o vaticanista Filipe Domingues, diretor do Lay Centre e professor na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma. "Só que é uma continuidade a partir de estilos diferentes, prioridades talvez diferentes, personalidades diferentes." Domingues cobra um olhar ao contexto. E entende que cada pontificado vive um "processo de maturação" em relação aos avanços que o precederam. "Por exemplo, o João Paulo 2º fortaleceu muito os leigos, incentivou-os a participar na Igreja", cita, para enfatizar que o papa polonês também implementou mudanças previstas pelo Concílio Vaticano 2º. "Nessa linha, não dá para a gente dizer que ele foi conservador ou ultraconservador." "E Francisco foi de fato progressista? Em relação ao quê? Porque em relação aos progressistas, ele é conservador. Em relação aos conservadores, ele talvez seja progressista. Então depende de como a gente está comparando", diz. "A gente tende a ficar no 'conservador', no 'progressista', mas isso é muito redutivo. A realidade é muito mais complexa." Resta ver o que será deste novo pontificado, que se inaugura agora, com a decisão tomada pelo colégio que se reuniu no conclave encerrado nesta quarta (8). "Os cardeais levam do seu povo as demandas, as experiências. Há um termômetro que carregam consigo e quando chegam ao conclave eles sentem a temperatura não só do ambiente em que vivem mas também da própria situação da Igreja", avalia o teólogo Moraes, enfatizando que na verdade "teologia política e política secular nunca estiveram completamente divorciadas, porque uma bebe da outra". Os desafios da Igreja Católica no Brasil que sucessor do papa Francisco enfrentará No Brasil onde faltam padres, quem são os jovens que atendem o 'chamado' ao sacerdócio: 'Celibato acontece com naturalidade' As revelações do filme 'Conclave' sobre modo secreto como papas são eleitos

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