Crise do consignado provoca batalha entre fintech, Procon e sindicato

Pagamento de empréstimos, cartões de crédito e de benefício feitos por servidores do Mato Grosso estão suspensos desde novembro

Dezembro 8, 2025 - 02:30
 0  0
Crise do consignado provoca batalha entre fintech, Procon e sindicato

A crise dos consignados no Mato Grosso (MT), que, segundo o Tribunal de Contas do Estado (TCE), provocou o superendividamento de milhares de funcionários públicos do estado, deflagrou uma batalha judicial entre o Procon-MT, o Sindicato dos Profissionais da Área Instrumental do Governo (Sinpaig) e uma fintech, a Capital Consig, com sede na zona leste de São Paulo – ela foi responsável pela concessão de cartões de crédito e de benefícios vinculados ao consignado para mais de 13 mil servidores mato-grossenses.

A guerra dos consignados começou no estado quando a Capital Consig foi denunciada por seis sindicatos por cometer uma série de irregularidades na oferta desses serviços. A empresa nega as acusações. O caso, contudo, resultou na abertura de um inquérito pela Polícia Federal (PF), a pedido Ministério Público Federal (MPF), além de uma ação civil pública, que corre em segredo de Justiça (leia mais sobre o assunto neste link).

Leia também

O Procon-MT produziu três relatórios sobre o caso. Em todos, confirmou os problemas atribuídos à fintech. Em um dos documentos, apontou que 99,5% das Cédulas de Crédito Bancário (CCBs), o título que formaliza a operação e representa uma promessa de pagamento, não tinham assinaturas válidas dos servidores públicos.

Nesse caso, foi selecionada uma amostra aleatória de 1.991 contratos, com base no universo de 31.835 CCB’s. Desse grupo, 1.982 tinham problemas de assinatura.

Em outro relatório, o Procon avaliou 269 reclamações de consumidores contra a empresa, feitas entre dezembro de 2022 a abril de 2025. De acordo com o órgão de defesa do consumidor, no momento da oferta do cartão de crédito consignado, “foram prestadas ao consumidor informações falsas, imprecisas ou ambíguas, muitas vezes marcadas por omissões relevantes quanto à real natureza do produto ou serviço contratado”.

Assédio

Um consumidor, identificado no relatório pelas siglas A.B.C., relata ter identificado um depósito de R$ 1.637,83 em sua conta, em agosto de 2024, sem solicitação, e a posterior descoberta de um contrato de cartão de crédito consignado. Como suposta prova da autenticidade do negócio jurídico, a empresa teria apresentado uma CCB, acompanhada de uma selfie do funcionário público.

O Procon-MT menciona no mesmo documento problemas como assédio comercial (um servidor teria recebido 20 ligações da Capital Consig e da Clickbank em pouco mais de nove horas, entre 08h27 e 17h40). Além disso, havia, supostamente, venda casada de seguros e a criação de barreiras que impediam ou dificultavam o acesso do consumidor aos canais de atendimento da fintech.

Defesa

A Capital Consig, por sua vez, alega que os documentos que chegaram ao Procon-MT não eram os contratos (as Cédulas de Crédito Bancários) firmados com os servidores públicos, mas, sim, formulários preparatórios dessas CCBs. Nesse sentido, o material continha informações cadastrais e um resumo das operações que seriam realizadas. Esses dados, diz a companhia, foram captados por correspondentes bancários, responsáveis pela oferta dos serviços.

No que diz respeito à venda casada de seguro, a fintech admite que, em determinado momento, um documento para a autorização desse tipo de débito foi enviado a um grupo de consumidores. Mas isso teria ocorrido por causa de um equívoco e os valores do seguro não foram descontados dos servidores públicos.

Ainda de acordo com a fintech, uma auditoria interna constatou problemas com pouco mais de 2% dos cerca de 35 mil contratos firmados com 17 mil funcionários públicos do Mato Grosso. Nos casos de divergências entre a dívida antiga e o saldo recebido pelos consumidores, afirma a fintech, a mediana dos erros era de R$ 50,00 e todos os consumidores foram ressarcidos com novos depósitos. O episódio ficou conhecido no Mato Grosso como “chuva de Pix”.

Batalha geral

Em meio à disputa, a Capital Consig entrou com uma ação na ouvidoria do Ministério Público contra a ex-secretária adjunta do Procon-MT, Cristiane Vaz dos Santos. Ela e outros dois funcionários do órgão de defesa do consumidor são acusados de prevaricação, advocacia administrativa e condescendência criminosa.

A fintech alega que, em fevereiro de 2025, um consumidor apresentou uma queixa, para a qual a empresa apresentou uma resposta e a história foi encerrada por “falta de continuidade da parte interessada”. Em setembro, porém, foi identificada a inclusão de nova decisão no mesmo processo administrativo. Nesse caso, a reclamação não foi considerada resolvida. Para a Capital Consig, uma decisão já consolidada em um processo administrativo foi substituída por outra de teor diferente sem qualquer motivação formal. Daí, a origem da ação na ouvidoria.

Em entrevista ao Metrópoles, Cristiane Vaz do Santos contestou a versão da fintech. Ela disse que ter confirmado que essa alteração não foi feita e chegou a levar um computador num cartório para lavrar uma ata notarial, para demonstrar que o sistema estava íntegro. “Também chamei minha equipe e vimos que a informação estava correta”, diz. “Se houve manipulação, não foi minha. Nosso trabalho foi feito por dez técnicos do Procon-MT, todos concursados. Isso é só cortina de fumaça, para tentar colocar a nossa idoneidade em dúvida.”

Exoneração

Em 10 de novembro, Cristiane foi exonerada do cargo pelo governo mato-grossense. Em nota, a Secretaria de Planejamento do Mato Grosso (Seplag), afirmou que não há relação entre a saída da funcionária pública da chefia do Procon-MT com o episódio dos consignados.

Ao longo da crise dos consignados no MT, a Capital Consig também apresentou uma queixa-crime por calúnia e difamação contra o presidente do Sindicato dos Profissionais da Área Instrumental do Governo (Sinpaig), Antônio Wagner Nicácio de Oliveira, onde as denúncias contra a fintech começaram a surgir, no fim de 2024.

Nesse caso, em suma, a empresa alega que o sindicalista afirmou publicamente que 100% dos contratos por ela firmados eram fraudados. Além disso, Oliveira disse que se sentia ameaçado. A companhia acrescenta que, numa entrevista à TV, o sindicalista associou a Capital Consig à “Operação Sem Desconto”, deflagrada pela Polícia Federal para apurar descontos indevidos no INSS, “mesmo sem nenhum indício da existência dessa relação”.

Contestação

Oliveira, também em entrevista ao Metrópoles, contestou a fintech. Ele afirma que está sendo processado, basicamente, porque disse que havia uma fraude em larga escala, uma vez que ninguém recebeu cartão de crédito físico, embora grande parte das operações fosse desse tipo. “E isso se comprova”, diz. “Se utiliza uma linha de cartão de crédito, mas o que se entrega ao consumidor é crédito consignado tradicional.”

O sindicalista acrescenta que afirmou que se sentiu ameaçado, porque o episódio envolve quantias muito grandes. Oliveira observa que, como resultado do processo judicial, participou de uma audiência de conciliação com a empresa, mas o problema não foi resolvido. Ele disse que ainda não foi intimado para se defender.

Cobranças suspensas

Todos os contratos relacionados a empréstimos, cartões de crédito e de benefício vinculados ao consignado foram suspensos no início de novembro por um prazo de 120 dias por um decreto legislativo, publicado pela Assembleia Legislativa do Mato Grosso. Com isso, os débitos não estão sendo descontados dos servidores.

O decreto afeta o repasse das parcelas de empréstimos a 28 instituições financeiras que operam com crédito consignado, 12 com cartão de crédito consignado e 25 com cartão benefício. Quase 60% dos servidores públicos de Mato Grosso — o que corresponde a cerca de 62 mil pessoas — têm operações com consignados, com uma média de quase cinco contratos por funcionário. Desse total, 20 mil comprometeram mais de 35% da sua renda mensal com dívidas. Para 7,8 mil, esse endividamento chega a 70% do salário. Há casos em que o valor dos descontos representa 99% dos vencimentos.

 

What's Your Reaction?

like

dislike

love

funny

angry

sad

wow

tibauemacao. Eu sou a senhora Rosa Alves este e o nosso Web Portal Noticias Atualizadas Diariamente