Crônica de uma visita quase clandestina ao mais belo dos palácios

Durante alguns anos, uns dez talvez, eu tentava visitá-lo mas ele não me recebia. Estava trancado em si mesmo, fechado em tapumes

Dezembro 10, 2025 - 10:30
 0  0
Crônica de uma visita quase clandestina ao mais belo dos palácios

Durante alguns anos, uns dez talvez, eu tentava visitá-lo mas ele não me recebia. Estava trancado em si mesmo, fechado em tapumes. Só via o torso nu, o corpo largado, mas nem de longe moribundo. Até que em agosto deste 2025 que começa a findar, voltei ao centro do Rio de Janeiro e os tapumes tinham sido retirados. E então vi o que nenhuma foto, nenhum vídeo, nenhuma descrição foi capaz de alcançar: o Palácio Gustavo Capanema, que já foi a sede do então Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP) e depois do MEC, estava lá inteiriço e viçoso. Perto de completar 80 anos (ele foi inaugurado em 10/1945), surgiu radiante como um dia de sol.

Parecia que o centro entrecortado do Rio de Janeiro havia se aberto em mar. Suspenso em colunas, o edifício cede o térreo para o pedestre, vira uma praça (embora sem bancos), uma via de passagem, um cortar o caminho, um cruzar de destinos.

Depois dessa expansão do espaço aberto, e das colunas de dez metros de altura que suspendem a lâmina do edifício, o que invade os olhos são os azulejos azuis do Portinari. Azulejo azul – já em si mesmo é um poema em duas palavras.

Portinari podia ter feito grafismos para compor bem com o look da arquitetura moderna, mas preferiu trazer pra o palácio a azulejaria portuguesa que esteve (e continua ainda) em tantas fachadas do casario colonial brasileiro. E, como o Capanema olha para a Baía de Guanabara, os azulejos de Portinari têm conchas, estrelas-do-mar, cavalos-marinhos, peixinhos, sereias, caracóis, habitantes de nossas fantasias marítimas melodiosamente desenhados em azul sobre fundo branco e branco sobre fundo azul.

“Na verde espessura/do fundo do mar/nasce a arquitetura”, escreveu Vinicius de Moraes em seu poema Azul e Branco. E o poeta repete, como numa música: “Azul e branco/azul e branco… Concha e cavalo-marinho”.

Quis entrar no palácio, mas fui informada que só com agendamento e, naqueles dias, apenas às quintas-feiras. Tentei, mas a fila de espera era de dois meses. Então, pedi ajuda a um amigo que falou com um amigo que já estava trabalhando nas dependências do Palácio recém-reaberto. Crônica de uma visita quase clandestina ao mais belo dos palácios - destaque galeria4 imagensPerto de completar 80 anos (ele foi inaugurado em 10/1945), surgiu radiante como um dia de solSuspenso em colunas, o edifício cede o térreo para o pedestre, vira uma praça (embora sem bancos), uma via de passagem, um cortar o caminho, um cruzar de destinosO palácio tinha sido reaberto, oficialmente, três meses antes. O mobiliário ainda estava chegando, poucos funcionários já tinham voltado à antiga repartiçãoFechar modal.MetrópolesPalácio Gustavo Capanema já foi a sede do então Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP) e depois do MEC1 de 4

Palácio Gustavo Capanema já foi a sede do então Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP) e depois do MECConceição Freitas/MetrópolesPerto de completar 80 anos (ele foi inaugurado em 10/1945), surgiu radiante como um dia de sol2 de 4

Perto de completar 80 anos (ele foi inaugurado em 10/1945), surgiu radiante como um dia de solConceição Freitas/MetrópolesSuspenso em colunas, o edifício cede o térreo para o pedestre, vira uma praça (embora sem bancos), uma via de passagem, um cortar o caminho, um cruzar de destinos3 de 4

Suspenso em colunas, o edifício cede o térreo para o pedestre, vira uma praça (embora sem bancos), uma via de passagem, um cortar o caminho, um cruzar de destinosConceição Freitas/MetrópolesO palácio tinha sido reaberto, oficialmente, três meses antes. O mobiliário ainda estava chegando, poucos funcionários já tinham voltado à antiga repartição4 de 4

O palácio tinha sido reaberto, oficialmente, três meses antes. O mobiliário ainda estava chegando, poucos funcionários já tinham voltado à antiga repartiçãoConceição Freitas/Metrópoles

Foi uma das emoções brasileiras mais fortes que senti, tipo uma vitória na Copa do Mundo, tipo subir o Rio Amazonas, ouvir um samba de Almir Guineto. Orgulho danado dos caras que entre os anos 1930/1940 fizeram tudo aquilo para espanto dos arquitetos do mundo inteiro, e não é balela. Está comprovado em estudos e mais estudos Brasil afora. A história é meio rocambolesca, tem Le Corbusier no meio, tem Getúlio Vargas, o ditador que deu condições para que o edifício fosse construído, tem Gustavo Capanema, o ministro do período, que bancou o atrevimento dos arquitetos, e tem Carlos Drummond de Andrade, seu chefe-de-gabinete.

E, é claro, Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Carlos Leão, Affonso Eduardo Reidy, Jorge Moreira, Ernani Vasconcelos na arquitetura, e Burle Marx no paisagismo. Tem o engenheiro calculista do edifício, Emilio Henrique Baumgart. E muito mais gente correndo por fora.

Leia também

Pois então. Entrei no edifício numa manhã de agosto deste ano. O palácio tinha sido reaberto, oficialmente, três meses antes. O mobiliário ainda estava chegando, poucos funcionários já tinham voltado à antiga repartição. O mais importante, porém, já estava montado: os gabinetes do ministro e do então presidente do Iphan, o 8º andar, onde Carlos Drummond de Andrade e Lucio Costa trabalhavam bem próximos um ao outro, o mobiliário desenhado por Niemeyer, os tapetes desenhados em ondas, também de Niemeyer, os célebres painéis de Portinari, os jardins suspensos de Burle Marx. Aquele mar de madeira, aqueles pavimentos inteiramente abertos, com os ambientes separados apenas por divisórias de meia parede, prenunciando uma mudança radical nos edifícios corporativos que só aconteceria muito tempo depois.

E eu ali, meio clandestina, embora o tempo todo acompanhada pelo generoso servidor público que sabia de tudo, e me contava tudo em minúcias, até que finalmente ele apontou para as torres da Igreja de Santa Luzia, logo adiante. E me pediu para comparar o azul pintado no bico da torre com o azul da parede interna do 8º andar – são iguaizinhos. Foi da igreja que o arquiteto tirou a cor que muitos hoje chamam de azul Lucio Costa.

Com a taça da Copa do Mundo no peito, peguei o metrô, voltei ao meu pouso, deitei na cama e fiquei olhando pro teto. O Brasil é um país tão sofrido, tão lanhado pelos donos do dinheiro, mas há momentos, e não são poucos, em que ele consegue expressar vivamente a sua grandeza. O Capanema é um desses monumentos à alma inventiva brasileira.

*Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

What's Your Reaction?

like

dislike

love

funny

angry

sad

wow

tibauemacao. Eu sou a senhora Rosa Alves este e o nosso Web Portal Noticias Atualizadas Diariamente