“Entrou pra matar”, diz policial sobre PM da Rota que atirou em agente
Policial civil aponta excessos em conduta de PM da Rota que baleou investigador no Capão Redondo, na zona sul de São Paulo

O sargento das Rotas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota) Marcus Augusto Costa Mendes, identificado como autor dos disparos que atingiram o policial civil Rafael Moura em uma viela no Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, na última sexta-feira (11/7), teria chegado no local com a intenção de matar, disse ao Metrópoles um agente que prefere não ser identificado.
Segundo o policial civil, que falou de forma anônima com a reportagem, não havia motivo para o sargento chegar atirando no local, na rua Pedro Faber, onde moram majoritariamente crianças e idosos. Isso porque ali não ficam traficantes armados. Para ele, os PMs cometeram um “erro gravíssimo”.
“Conheço bem a região. Já estive lá e já fiz flagrante lá”, disse o investigador. “A maioria [dos moradores] ali é de pessoas de bem, pessoas trabalhadoras”, continuou.
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O policial civil Rafael MouraImagem cedida ao Metrópoles2 de 3
Pedido de doação para o policial Rafael MouraReprodução3 de 3
Rafael MouraReprodução
“Entrou para matar”
O policial civil Rafael Moura e um colega de corporação estavam em diligências no território, utilizando uniformes, distintivos e uma viatura com identificação.
Mesmo com as identificações da Polícia Civil, Mendes diz que confundiu os investigadores com traficantes e, por isso, disparou a arma de fogo. Três tiros atingiram Moura – um no braço e dois no abdômen – e um projétil atingiu o colega dele de raspão. Testemunhas afirmam que ele chegou atirando.
A bodycam do sargento registrou a ação. As imagens, no entanto, ainda não foram divulgadas pela polícia. Segundo fontes dentro da corporação, Mendes teria tido tempo de ler a jaqueta de Moura, que o identificava como policial civil. “Ele entrou para matar”, afirmou o investigador.
Para o agente, Mendes estaria tentando provar que merece o posto na Rota, já que chegou a pouco tempo na corporação. “Quer fazer nome e mostrar porquê foi pra Rota”, disse.
Um mês antes da ocorrência que deixou Moura ferido, o sargento da PM se envolveu em outra ocorrência a 500 metros do local. Esta, no entanto, resultou em homicídio. A vítima foi um homem ainda não identificado, que, segundo a versão dos PMs, estaria segurando uma arma de fogo.
Polícia apura se agente agiu de modo desproporcional
A Polícia Civil de São Paulo instaurou um inquérito para apurar se o sargento Marcus Augusto Costa Mendes, identificado como autor dos disparos que atingiram Moura, agiu de forma desproporcional.
Ao determinar a instauração do inquérito, o delegado Antonio Giovanni Neto afirmou que, em um primeiro momento, o caso é tratado como legítima defesa putativa, quando alguém, de forma equivocada, acredita estar sob injusta agressão e age como se estivesse em legítima defesa. Segundo a autoridade policial, não é possível determinar se houve excesso.
“Sendo assim, decide esta Autoridade Policial pela apuração investigativa em profundidade, eis que a dinâmica dos fatos, num juízo cognitivo sumário carece dessa apuração. O inquérito policial será instaurado”, diz o delegado no boletim de ocorrência.
“[…] O inquérito policial instaurado poderá, com a profundidade que trará os elementos de informação e as provas cautelares, não receptíveis e antecipadas, revelar a ausência ou a presença dos elementos de culpa e se o erro era evitável ou não”, acrescenta Antonio Giovanni Neto.
As imagens da câmera corporal usada pelo sargento no momento dos disparos foram disponibilizadas pela Polícia Militar para a apuração do caso. Segundo o delegado, elas mostram o PM correndo pela rua e entrando em uma viela, quando dá de cara com um homem armado. Ele então reage de imediato dando quatro disparos e recua. A gravação não foi divulgada pelas autoridades policiais.
Delegada aponta erros “crônicos” na PM
A delegada Raquel Gallinati, diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, classificou o episódio como “reflexo de um sistema que opera no improviso”, com violações sistemáticas do protocolo operacional. Segundo ela, a Polícia Militar apresenta falhas severas de comando.
“Trata-se de mais um episódio que escancara a repetição de erros estruturais crônicos. Não é a primeira vez — e, lamentavelmente, não será a última, enquanto não forem enfrentadas as causas profundas que alimentam esse tipo de ocorrência: ausência de integração doutrinária entre as forças e desvalorização profissional”, diz Gallinati.
Para a delegada, a conduta do PM está ligada à falta de treinamento eficaz. “Que o policial que efetuou os disparos seja rigorosamente investigado e, se comprovada a responsabilidade, punido com severidade nos termos da lei. Da mesma forma, aqueles que ocupam cargos de chefia devem assumir a responsabilidade institucional inerente à função que exercem”, afirma a delegada.
“Politizar o sangue dos nossos é repugnante. É desrespeitar as famílias que choram. É desonrar o distintivo ou farda que tantos vestem com coragem. É trair os policiais que colocam a vida em risco todos os dias pela sociedade”, acrescenta.
Dinâmica da ação que feriu o policial
- Agentes da Polícia Civil estavam em diligências no Capão Redondo, com viatura da corporação e distintivo.
- Mesmo com a identificação, em uma viela, policiais da Rota viram os agentes e, acreditando se tratar de traficantes, atiraram.
- Os agentes, alvos dos disparos, tentaram alertar que eram policiais. Apesar dos avisos, eles foram baleados.
- Um dos policiais civis, identificado como Rafael Moura, foi atingido com três tiros: um no braço, e dois no abdômen.
- Em estado grave, ele foi encaminhado ao Hospital das Clínicas, onde passou por cirurgia.
- O outro policial civil foi atingido de raspão, atendido no Hospital Campo Limpo e liberado.
Bala alojada na vértebra e necessidade de doação de sangue
Moura segue internado no Hospital das Clínicas, com uma bala alojada na vértebra. Com traqueostomia, o agente consegue reagir e apertar a mão da esposa, mas não consegue falar ainda. Ainda em estado grave, o policial civil agora está estabilizado. Ainda não é possível determinar se ele terá sequelas.
Moura passou por uma cirurgia nesse domingo (13/7) e passará por outra no trato respiratório. O policial civil ainda deve passar por mais procedimentos para reparar o intestino, o pâncreas e a veia cava – vaso sanguíneo que transporta sangue venoso de volta para o coração.
Para realizar cada cirurgia, Moura está utilizando diversas bolsas de sangue. Por isso, seus colegas de corporação pedem para, quem puder, ir fazer uma doação.
“A Polícia Civil está indo em peso doar. É preciso cobrar a Polícia Militar para fazer o mesmo – não só pelo Rafael, mas para outros pacientes também”, disse um policial que prefere não se identificar.
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