Funcionária fantasma: cobrado, Aguinaldo Ribeiro ignorou Câmara 4 vezes
Funcionários dele disseram em depoimento que não conheciam a mulher e que só Aguinaldo Ribeiro poderia explicar atividades dela na Paraíba
Quando a Câmara dos Deputados abriu uma investigação preliminar, e em seguida, instaurou um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que para investigar o acúmulo indevido de cargos públicos – com suspeita de funcionário fantasma – no gabinete do deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), o parlamentar ignorou todos os ofícios direcionados, nominalmente a ele, que solicitava explicações sobre as irregularidades. A omissão perdurou durante anos, até que o caso passasse a ser analisado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
A insistência do colegiado da Câmara em buscar explicações específicas de Aguinaldo Ribeiro tinha um motivo. Ninguém, nem mesmo a chefe de gabinete do parlamentar, conhecia a mulher lotada na Paraíba, nem mesmo explicar o que, de fato, ela fazia. Em depoimento, esses mesmos comissionados disseram que somente o deputado paraibano poderia explicar, melhor, a rotina de trabalho, horários e atividades que Solange Oliveira Mota desempenhava.
A mulher acumulou o cargo de secretária parlamentar de Aguinaldo Ribeiro ao de auxiliar de limpeza em uma escola estadual na cidade de Sapé (PB), em uma jornada de 40 horas semanais, durante outubro de 2015 e dezembro de 2016. À época, ela tinha remuneração bruta de R$ 5,3 mil da Câmara dos Deputados; já do governo da Paraíba, eram R$ 880 mensais.
Documentos do PAD obtidos pela coluna, que foram encaminhados ao TCU, mostram que a Comissão de Processo Administrativo Disciplinar registrou em ata de reuniões ao longo dos anos que até então Aguinaldo Ribeiro não tinha respondido os memorandos. Além disso, cópia e comprovantes de envio destes documentos foram juntados ao processo. Procurado para comentar a suposta omissão, a assessoria de imprensa do parlamentar informou que ele já prestou todos os esclarecimentos ao tribunal de contas.
O comportamento de Aguinaldo Ribeiro diante do PAD foi levado em conta pela área técnica do TCU, que pediu responsabilização do parlamentar diante do caso que gerou danos aos cofres públicos. “A Comissão que o parlamentar foi instado, por diversas vezes, a se manifestar sobre as atividades laborais e a forma de cumprimento da jornada de trabalho da referida servidora, tendo optado pelo silêncio”.
Conforme revelou a coluna, o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), rejeitou parecer da área técnica que buscava responsabilizar Aguinaldo Ribeiro pela irregularidade, deixando todo o ônus para a ex-secretária parlamentar. A mulher foi multada em R$ 20 mil, e terá que reembolsar os cofres públicos em mais de R$ 160 mil, corrigidos pela inflação.
Ministro Bruno Dantas do TCU argumentou que faltou “provas robustas” de que Aguinaldo Ribeiro “tinha ciência da ausência de contraprestação laboral”. Além disso, Dantas argumentou que nos autos “não há evidências de que o Deputado tenha sido alertado pela chefia imediata”
O que disseram funcionários de Aguinaldo Ribeiro à Câmara dos Deputados
Ao longo da investigação da Comissão de Processo Administrativo Disciplinar (PAD), funcionários lotados no gabinete de Aguinaldo Ribeiro, em Brasília, e na base dele, na Paraíba, foram unânimes em dizer que só o deputado poderia explicar com clareza a rotina de trabalho de Solange Mota, uma vez que não conheciam e nunca falaram com a mulher.
A chefe de gabinete do parlamentar, responsável por atestar a frequência dela e dos demais comissionados, disse ainda que não havia relatório de prestação de contas mensais sobre as atividades desempenhadas.
Pelo tipo do cargo que ocupam no Legislativo federal, os secretários parlamentares trabalham 40 horas semanais e são dispensados de bater ponto. Ainda assim, eles têm a frequência de trabalho atestada pelo parlamentar ou pessoa do gabinete designada pelo político.
Diante da falta de conhecimento dos comissionados de Aguinaldo Ribeiro sobre as atribuições de Solange Mota, a Comissão, encaminhou, quatro vezes, memorandos ao parlamentar, cobrando explicações sobre quais atividades ela desempenhava na Paraíba.
O político, no entanto, ignorou todos os ofícios do colegiado. Os memorandos foram encaminhados ao parlamentar em 2017, 2019, 2020 e 2021.
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Memorando de 2019 da Câmara dos Deputados cobra de Aguinaldo Ribeiro explicações sobre horários de trabalho e atividade secretária parlamentar na Paraíba
Memorando de 2021 da Câmara dos Deputados cobra de Aguinaldo Ribeiro explicações sobre horários de trabalho e atividade secretária parlamentar na Paraíba
Memorando de 2020 da Câmara dos Deputados cobra de Aguinaldo Ribeiro explicações sobre horários de trabalho e atividade secretária parlamentar na Paraíba
Sistema da Câmara dos Deputados atesta que Aguinaldo Ribeiro recebeu memorando solicitando explicações sobre atividade de funcionária lotada em gabinete na Paraíba; parlamentar nunca respondeu aos ofícios e só veio a se explicar diante do TCUDocumento obtido pelo Metrópoles
O deputado federal só rompeu o silêncio diante do TCU, após a corte de contas investigar o caso de Solange Mota. Ele disse que ela era responsável, entre outros pontos, por articular e contatar lideranças regionais na Paraíba.
A Câmara dos Deputados considerou a mulher culpada na conclusão do PAD, ainda em 2022, ou seja, anos após ter sido exonerada do gabinete parlamentar. Ela também recebeu punição de destituição de cargo em comissão, ou seja, não pode ser nomeada para função pública federal.
No relatório final da Comissão, o colegiado reportou a suposta omissão e recusa do parlamentar em explicar o horário de trabalho de Solange Mota e quais atividades ela desempenhava. A área técnica do TCU usou essa informação, além do fato dos servidores apontarem que só Aguinaldo Ribeiro sabia dos horários e atividades de Solange.
A Comissão concluiu que a ausência de manifestação do gabinete do deputado sobre a jornada, horários e atividades da servidora indicava que o exercício do cargo estadual se deu em “completo prejuízo da contraprestação laboral devida à Câmara dos Deputados”
O Colegiado afirmou que competia ao deputado informar ao servidor responsável por atestar frequência “qualquer ocorrência verificada em determinado mês, como, por exemplo, faltas ou atrasos injustificados”.
Dessa forma, o colegiado não enxergou, por exemplo, responsabilização da chefe de gabinete dele. Para o colegiado, ficou claro que ela não sabia que Solange Mota acumulava cargos. O TCU também não viu ilegalidade na ação da chefe de gabinete do parlamentar.
Quando o caso passou a ser analisado no TCU, Aguinaldo Ribeiro afirmou que nomeou a mulher de boa-fé e que não sabia que ela tinha outro emprego na administração pública e, quando soube, tomou providências.
Gabinete de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) encaminhou a Comissão de Processo Administrativo Disciplinar ofício em que informam à Solange Mota para que ela regularize a própria situação
Quanto ao expediente de Solange Mota, em sua defesa, Aguinaldo empurrou a responsabilidade para a sua chefe de gabinete. De forma geral, o parlamentar reiterou que não havia como atribuir-lhe qualquer irregularidade na forma ou horários dos serviços de Solange Mota, pois a apuração da suposta ausência de contraprestação era responsabilidade do chefe direto.
“Aplicada subsidiariamente aos que exercem o cargo em comissão de Secretário Parlamentar, o controle da frequência, bem como a distribuição da carga horária cabe ao chefe imediato e não ao Parlamentar”, escreveu a defesa dele.
Relatório da Câmara dos Deputados lista motivos para que chefe de gabinete de Aguinaldo Ribeiro não seja responsabilizada, e fala em “precariedade de vínculo funcional”.
Quais argumentos da área técnica do TCU que pediu responsabilizaçao de Aguinaldo Ribeiro
A Unidade de Auditoria Especializada em Tomada de Contas Especial, ou seja, área técnica do TCU, concluiu que Aguinaldo Ribeiro “permitiu pagamentos de remuneração a comissionada sem a comprovação do cumprimento das tarefas laborais” por parte da então secretária parlamentar.
Parte do parecer, no entanto, foi rejeitado por Bruno Dantas, que acatou os argumentos do parlamentar da Bancada Evangélica responsabilizando somente Solange Mota.
“A questão central a ser dirimida, em relação a esse responsável, é se a responsabilidade pela ausência de contraprestação laboral de um secretário parlamentar pode ser diretamente imputada ao deputado federal em cujo gabinete o servidor está lotado, ou se a existência de uma estrutura administrativa intermediária, formalmente estabelecida por normas internas, atenua ou afasta essa responsabilidade”, escreveu o ministro do TCU relator o caso.
O voto de Bruno Dantas é do dia 25 de junho e foi aprovado pelo plenário da Corte. Em agosto, a defesa de Solange ingressou com embargos de declaração, alegando erros e vícios no processo condenatório, o que foi, definitivamente, rejeitado por Dantas em 3 de setembro.
Para a área técnica, o ponto central não estava no cumprimento da jornada de trabalho por Solange Mota, mas pelo fato de não ter ficado comprovado “qualquer contraprestação de serviço” dela.
Nesse sentido, os técnicos do TCU relacionam o que chamaram de “inúmeras evidências trazidas” pela Comissão do Processo Administrativo Disciplinar formada no âmbito da Câmara dos Deputados que investigou o caso.
“Inclusive, caso se tivesse demonstrado que Solange de Oliveira Mota havia prestado os serviços – mesmo tendo acumulado ilicitamente os cargos – poderia até ser afastado o pedido de restituição, já que esta somente é devida quando não houver contraprestação de serviços, mesmo na hipótese de se comprovar o exercício de jornadas de trabalho superiores a 60 horas semanais”, diz trecho do parecer da área técnica do TCU.
Parecer da área técnica do TCU sobre Aguinaldo Ribeiro; argumentos foram rejeitados pelo ministro Bruno Dantas do TCU
No relatório produzido pela Comissão de Processo Administrativo Disciplinar, o colegiado afirmou que as folhas de frequência de Solange Mota, atestadas pela chefe de gabinete de Aguinaldo Ribeiro, sem qualquer verificação da jornada ou atividades, eram “materialmente incapazes de comprovar a efetiva contraprestação laboral”.
O colegiado afirmou ainda que a jornada de trabalho dela na escola pública “tornava materialmente impossível a contraprestação laboral simultânea ao cargo federal” entre outubro de 2015 e 1º de dezembro de 2016.
Em nota à reportagem, a assessoria de imprensa de Aguinaldo Ribeiro afirmou que “ela desempenhou as funções parlamentares, a que era demandada e, no momento em que foi entendido pela irregularidade da acumulação dos cargos públicos, o deputado federal Aguinaldo Ribeiro exonerou a antiga servidora”.
Solange Mota, por sua vez, não retornou aos contatos da reportagem.
A então auxiliar de limpeza trabalhou no gabinete do político paraibano de outubro de 2015 a abril de 2019. O TCU notificou o gabinete do parlamentar em agosto de 2017. A irregularidade, de acúmulo de cargos públicos por parte de Solange, foi levada em conta pela Corte de Contas entre outubro de 2015 a dezembro de 2016, período em que esteve nomeada na escola estadual.
Ainda por recomendação do órgão, a Câmara dos deputados instaurou um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para investigar o assunto. Solange Mota pediu exoneração da Secretaria de Educação da Paraíba em novembro de 2016.
Para o TCU ficou comprovado que a mulher ocultou da Câmara dos Deputados o vínculo público estadual dela na declaração de posse. Solange Mota vai ter que devolver ainda R$ 8,90, corrigidos pela inflação, que ela recebeu em abril de 2019 a título de”férias indenizadas”.
O que diz Aguinaldo Ribeiro
Leia a íntegra da nota da assessoria de imprensa do deputado federal:
A senhora Solange Oliveira Mota, no momento em que foi contratada como assessora parlamentar por este gabinete, apresentou declaração de não acumulação de cargos públicos. Ela desempenhou as funções parlamentares, a que era demandada e, no momento em que foi entendido pela irregularidade da acumulação dos cargos públicos o deputado federal Aguinaldo Ribeiro exonerou a antiga servidora.
Assim, o Tribunal de Contas da União ao analisar o PAD instaurado pela Câmara dos Deputados entendeu pela inexistência de responsabilidade do deputado sobre o acúmulo de cargos da funcionaria Solange Oliveira Mota e o isentou de toda e qualquer responsabilidade, conforme Acórdão 1. 378/2025. Na decisão, o TCU julgou “suas contas regulares”.
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