Funk apelativo gera confusão em formatura; expert avalia impactos
Confusão generalizada marcou formatura de ensino médio após tentativa de pai de barrar música funk considerada imprópria para menores
Uma confusão generalizada envolvendo pais e adolescentes marcou a festa de formatura do 3º ano do ensino médio de um colégio particular em Recife, realizada na madrugada do sábado (13/12), no Classic Hall, em Olinda, na Região Metropolitana. O episódio viralizou nas redes sociais após a divulgação de vídeos que mostram empurra-empurra, gritos, choro de estudantes e objetos sendo arremessados.
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Segundo testemunhas, a música Helicóptero, do DJ Guuga e MC Pierre, apontada como pivô da confusão, já havia sido tocada duas vezes anteriormente durante o evento, em versões interpretadas por outros artistas, sem causar nenhum transtorno. O tumulto teria começado apenas na terceira execução, quando a música foi reproduzida em ritmo de funk pelo DJ responsável pela apresentação final da noite.
De acordo com um convidado, por volta das 4h40, um pai de estudante subiu ao palco e abordou o DJ Vitor Bayma, segurando-o pelo braço e reclamando do conteúdo da letra, que considerou inadequado para um evento com menores de idade. Ainda segundo relatos, o homem aparentava sinais de embriaguez e falou de forma agressiva com o artista. A testemunha afirma que, após a abordagem, o DJ interrompeu a apresentação, e a reação dos formandos à paralisação da música teria intensificado o clima de tensão.
Vídeos que circulam nas redes sociais mostram convidados aglomerados entre mesas e cadeiras, jovens tentando apartar a briga, estudantes chorando e seguranças do local intervindo para conter a confusão. Em uma das gravações, uma mulher também aparece protestando contra o repertório, afirmando que a filha era menor de idade e que a música não era apropriada para adolescentes.
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Formatura em Recife (PE) termina em confusão por música explícita Reprodução/Redes sociais
Confusão aconteceu no sábado (13/12) em um salão de festas em OlindaReprodução/Redes sociais
Pai de aluno teria puxado as caixas de som do DJ da tomadaReprodução/Redes sociais
Formatura em Recife (PE) termina em confusão por música explícita Reprodução/Redes sociais
Versão do pai
Após a repercussão do caso, o pai envolvido divulgou um longo texto nas redes sociais no qual afirma que sua atitude foi motivada pela preocupação com o conteúdo da música e pela presença de menores no evento. Segundo ele, a letra faria apologia à violência contra a mulher e à prática de crimes — o que, em sua avaliação, não poderia ser normalizado.
“Sinto-me na obrigação, sobretudo por minha filha, de prestar esclarecimentos sobre os fatos, e não sobre a repercussão que acabou ofuscando o objetivo da minha intervenção.”
No relato, o homem diz que tentou procurar integrantes da comissão organizadora antes de subir ao palco, mas que muitos já haviam deixado o local. Ele afirma ainda que não tentou encerrar a festa, apenas exigir a mudança do repertório, e que foi agredido por jovens após a interrupção da apresentação, o que ocasionou na confusão. O pai reconhece que errou ao agir sozinho, mas sustenta que não se arrepende de ter se posicionado.
O feminicídio não vem do nada. Ele é fruto de uma cultura construída ao longo do tempo. A sociedade, por meio do Estado e de suas instituições, já decidiu interromper esse ciclo, mas a mudança cultural é um processo longo. […] Acredito que fiz o que precisava ser feito diante das tragédias diárias que vemos nos noticiários. Vivemos em uma sociedade marcada por um machismo estrutural e cultural. Sigo convicto de que não devo me calar diante de qualquer atitude que contribua para a manutenção dessa cultura machista.O pai em questão
Impactos na adolescência
A relação entre juventude e músicas com letras apelativas é complexa e multifacetada. A psicóloga Cibele Santos destaca que, para algumas jovens, ouvir e dançar essas músicas é uma forma de explorar sua sexualidade e afirmar sua liberdade em um mundo que frequentemente tenta controlá-las. Entretanto, o que a primeira vista pode ser uma quebra de tabus, pode vir acompanhado de consequências sociais.
“Embora muitas letras de funk sejam explicitamente sexistas, algumas jovens podem não ter consciência crítica para abordá-las de maneira reflexiva. A repetição dessas mensagens em suas vidas cotidianas pode levar à internalização de ideais que, mesmo prejudiciais, são vistos como normais. A promessa de empoderamento e autonomia nas letras pode ser sedutora, mesmo que de forma paradoxal, contribui para a aceitação de conteúdos que degradam a imagem da mulher”, analisa a profissional.
O contexto social também é importante para a análise. A expert aponta que ambiente social e cultural em que os jovens estão inseridas também exerce forte influência em suas preferências musicais.
“O funk é um reflexo da realidade de suas comunidades, abordando questões cotidianas e desafios enfrentados por muitas delas. Dessa forma, a valorização desse gênero musical pode estar ligada a um reconhecimento e validação de suas experiências vividas, mesmo quando as letras são consideradas problemáticas”, pontua.
Ao consumir música, a criança e adolescente ganha repertório
A educação é fundamental para a que os jovens consigam se entreter, porém, com consciência. “É importante que a sociedade, incluindo os educadores e os próprios jovens, promovam uma reflexão crítica sobre as mensagens que permeiam a cultura e incentivem valores de respeito e igualdade”, destaca Cibele Santos.
A música polêmica da confusão
Lançada em 2019, Helicóptero descreve uma situação em que uma mulher é ameaçada de morte caso se recusasse a manter relações sexuais com dois homens dentro de uma aeronave, de onde eles a arremessariam para o oceano. A letra é alvo de críticas por sugerir coerção e violência sexual. Apesar da polêmica, a música acumula mais de 66 milhões de reproduções no Spotify. Em 2023, os artistas lançaram Helicóptero 2, que também alcançou milhões de execuções.
O pai envolvido afirma que sua atitude foi motivada pela preocupação com a presença de menores e pelo que classificou como apologia à violência contra mulheres, negando ter agido com intenção de agressão física ou de gerar uma confusão generalizada.
“Peço que todos reflitam sobre o conteúdo dessa letra. Não se trata de moralismo ou de palavrões. O problema é o conteúdo que sugere que uma mulher, sem opção de escolha, pode ser ameaçada caso não se submeta. Isso não é apenas música: é a naturalização da violência.”
Para a psicóloga Cibele Santos, a conscientização sobre questões de gênero e empoderamento são essenciais para ajudar essas jovens a desenvolver uma visão mais crítica sobre o que consumem culturalmente.
Organização do evento
Em nota, o Colégio Madre de Deus informou que não participou da organização da festa, que ficou sob responsabilidade da produtora Super A Formaturas. A empresa foi procurada pela imprensa, mas não se posicionou diante do ocorrido. Não há, até o momento, confirmação de registro de ocorrência policial relacionada à confusão generalizada.
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