Grupo alvo da PF usava grilagem para obter milhões em crédito rural
Investigados pela PF, grileiros fraudavam compra de terras públicas no Pará e usavam como garantia para financiamento milionário

Investigação da Polícia Federal (PF) sobre um grupo de grileiros no Pará mostra o uso de terra griladas para conseguir financiamentos rurais milionários, inclusive com o governo federal.
Segundo documentos da apuração obtidos pela coluna, imóveis comprados por apenas R$ 250 mil, valor muito abaixo do que foram avaliados posteriormente, foram usados para levantar até R$ 5 milhões junto a instituições financeiras, como a Caixa Econômica Federal e o Banco Santander.
A investigação revelou um esquema sofisticado de falsificação documental, que incluía a criação de processos falsos no Incra, simulação de escrituras públicas, registros fraudulentos em cartórios e emissão indevida de cadastros rurais.
Com isso, o grupo teria acumulado um patrimônio de R$ 1 bilhão ao longo de anos perpetuando o esquema no estado, por meio da divisão de tarefas e a organização de diversas etapas que fariam parte do esquema, cujo objetivo final era a obtenção de lucros por meio dos créditos ou a venda das terras.
Um dos casos citados em representação da PF sobre o caso envolve um homem investigado que teria comprado, em fevereiro de 2023, duas propriedades por R$ 250 mil cada e, em poucos meses, obteve mais de R$ 4,9 milhões em crédito rural, hipotecando as mesmas terras griladas.
Segundo a PF, apesar de a compra ter sido realizada por R$ 250 mil para cada propriedade, no momento da hipoteca para conseguir o crédito, os imóveis foram avaliados pelo credor, respectivamente, em R$ 4,5 milhões e R$ 6,7 milhões.
A discrepância entre o valor de compra dos imóveis, o montante do crédito rural obtido e a avaliação realizada pelo credor, diz a PF, “suscita dúvidas quanto a boa-fé” do investigado.
Aponta como um dos líderes do esquema, Debs Antônio Rosa, preso preventivamente pela PF no final de maio, também teria feito movimento semelhante.
Segundo as apurações, em novembro de 2021, ele teria adquirido dois terrenos por R$ 30 mil, e obteve cerca de R$ 3,5 milhões em crédito rural. As transações foram realizadas poucos meses após os registros, e os imóveis foram utilizados como garantia hipotecária, avaliados, juntos, em quase R$ 8 milhões.
“A garantia do financiamento foi a hipoteca dos próprios imóveis grilados, avaliados pelo credor em 3.702.840,00 (matrícula n° 2067) e 3.790.770,00 (matrícula n° 2058)”, diz a PF.
A defesa de Debs afirmou à coluna que se manifestará apenas nos autos do processo. “Defesa se faz no processo; não na mídia. Esta já o condenou”, disse.
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Fases do esquema
A investigação mostra que o esquema de grilagem perpetrado pelo grupo atualmente investigado operaria por meio da divisão de tarefas e em pelo menos seis fases principais de atuação.
Foi identificada, por exemplo, a falsificação de processos no Incra, além da inserção de dados falsos no Cadastro do Imóvel Rural, lavratura de escritura pública de compra e venda com posterior registro em cartório e transferência da matrícula.
Por fim, como meio para a obtenção de lucro, os investigados procediam com a venda do imóvel grilado ou com a contratação de financiamento rural, com o uso da própria terra como garantia com os credores.
“Além da venda direta das terras, a fase também inclui a obtenção de crédito rural, um instrumento financeiro importantíssimo para o desenvolvimento agrícola, mas que, neste contexto, é explorado de maneira fraudulenta”, diz trecho de documento da PF sobre a investigação.
Veja abaixo o passo a passo da organização criminosa, segundo a PF:
Na representação, também são citados diversos registros de processos judiciais em andamento que tratam de irregularidades na contratação de financiamentos rurais fraudulentos. Segundo a investigação, isso “ revela a existência de execuções movidas pelos bancos credores contra os investigados, evidenciando o dolo em suas condutas”.
A corporação aponta que tais processos cíveis demonstram que, após a obtenção dos créditos rurais garantidos pelas hipotecas dos imóveis grilados, os investigados não cumpriram com as obrigações financeiras assumidas, resultando em execuções para a recuperação dos valores devidos.
“Portanto, a inadimplência sistemática dos financiamentos reforça a intenção fraudulenta dos investigados ao explorarem o sistema financeiro para maximizar seus ganhos econômicos ilegais”, afirma a PF.
Operação Imperium Fictum
A investigação teve início em 2023 pela Polícia Federal em Altamira (PA). Segundo a corporação, o grupo atuava em uma rede criminosa organizada e com um modo de atuação “meticuloso”. Foram reveladas, por exemplo, “fraudes estruturadas” em cartórios de registro de imóveis.
Foram identificados o uso de documentos falsificados, registros baseados em títulos forjados e a atuação de agentes públicos e privados no esquema, que atuariam na “confecção de escrituras públicas falsas, a inserção de dados fraudulentos em sistemas cadastrais oficiais e a posterior comercialização de imóveis grilados”.
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Policiais federais durante operação contra fraudes fundiárias no ParáReprodução2 de 2
Carro da PF durante operação contra fraudes fundiárias no ParáReprodução/PF
O esquema incluía ainda falsificação de processos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), simulação de transações imobiliárias, registros indevidos em cartórios e obtenção de financiamentos rurais com garantias baseadas em propriedades griladas.
A partir das apurações, foi deflagrada em 21 de maio a primeira fase da Imperium Fictum, que mobilizou centenas de agentes e resultou no cumprimento de 39 mandados de busca e apreensão e 9 mandados de prisão preventiva, expedidos pela 4ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Estado do Pará.
Os mandados foram cumpridos no Pará e em outros oito estados. Como mostrou a coluna, além das prisões e buscas, a Justiça também determinou o sequestro e bloqueio de R$ 608 milhões dos investigados.
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