Investigação revela venda ilegal de Mounjaro em farmácias do DF
Investigação exclusiva da coluna revela que farmácias conhecidas do DF estão comercializando o remédio sem exigir receita médica
A venda ilegal de Mounjaro, o medicamento que se tornou símbolo do emagrecimento rápido, rompeu as fronteiras do comércio clandestino. Investigação exclusiva da coluna revela que farmácias conhecidas do Distrito Federal estão comercializando o remédio sem exigir receita médica e, em casos ainda mais graves, oferecem a aplicação da injeção no balcão, feita por funcionários sem qualquer formação técnica.
Os flagrantes, obtidos com câmera escondida em drogarias do Plano Piloto, de Vicente Pires e de Taguatinga, mostram uma rede de irregularidades que desafia a legislação sanitária e expõe consumidores a riscos graves.
O que deveria ser um ambiente de segurança e controle transformou-se em um mercado paralelo de medicamentos controlados, alimentado pela alta procura e pela promessa de resultados rápidos.
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O processo da compra ilegal é simples. Ao ter o Mounjaro solicitado, o atendente confirma a disponibilidade e, ao ser questionado sobre a exigência de receita, responde sem hesitar: “Então, assim… necessário é. Mas a gente consegue abrir uma exceção”.
As canetas, que custam cerca de R$ 1.800, podem ser encomendadas e entregues diretamente na casa do comprador. Para dar aparência de legalidade à transação, os vendedores afirmam ter “um fornecedor que providencia a receita”, mas o documento nunca é apresentado ao cliente. A operação, travestida de conveniência, na verdade dribla a fiscalização e burla o controle da Anvisa.
Quando a reportagem pergunta sobre nota fiscal, a resposta é direta: “A única coisa que a gente não fornece é a nota fiscal. Porque, como vocês não têm receita, não tem como comprovar que a receita é de vocês. Aí, se Deus o livre chega a Justiça, fica complicado pra gente dar baixa na nota”.
O pagamento é feito exclusivamente via Pix, o que torna o rastreamento quase impossível. A ausência de recibos e registros forma um ciclo de impunidade que beneficia as drogarias e deixa o consumidor completamente desprotegido.
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O médicamento é vendido sem receita em farmácias localizadas no centro da capital federalDaniel Ferreira/Metrópoles3 de 7
O medicamento é entregue em qualquer lugar do DFDaniel Ferreira/Metrópoles4 de 7
A coluna constatou que a venda irregular ocorre no Plano Piloto, Taguatinga e Vicente PiresDaniel Ferreira/Metrópoles5 de 7
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Na maioria das farmácias visitadas pela reportagem, as canetas chegam sob encomendaDaniel Ferreira/Metrópoles7 de 7
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Aplicação no balcão
O ponto mais alarmante da investigação é a oferta de aplicação do medicamento dentro das próprias farmácias. Em diferentes estabelecimentos, funcionários não apenas explicam como usar a caneta, mas se oferecem para aplicar a injeção na hora, sem qualquer preparo técnico ou estrutura adequada.
“Caso você queira, eu posso aplicar pra você, não tem problema”, oferece uma atendente, antes de admitir: “Eu não sou licenciada pra aplicar, entendeu? Mas eu posso aplicar porque realmente é indolor”.
Em outra farmácia, o discurso se repete com a mesma naturalidade: “Aqui a gente aplica, é facinho. Não tem segredo. Você roda o clique, aplica e pronto. Acabou”.
A banalização da aplicação de um medicamento injetável, sem higiene adequada, sem registro e sem supervisão médica, viola frontalmente as normas de biossegurança e o código sanitário.
Violação direta das regras da Anvisa
As condutas flagradas contrariam a Instrução Normativa (IN) nº 360/2025, em vigor desde 23 de junho de 2025.
A norma estabelece que medicamentos à base de tirzepatida, como o Mounjaro, só podem ser vendidos com retenção da receita médica em duas vias, justamente para evitar o uso indevido e o desvio de finalidade estética.
“Brincar com o metabolismo”
O nutrólogo Sandro Ferraz alerta que o uso do Mounjaro sem acompanhamento médico pode ter consequências devastadoras.
“Usar Mounjaro sem orientação é brincar com o próprio metabolismo. O medicamento não é cosmético nem fórmula milagrosa. Seu uso incorreto pode causar dependência psicológica, colapsar o metabolismo e gerar danos irreversíveis à saúde.”
Entre os riscos mais graves estão hipoglicemia severa, que pode levar ao coma, pancreatite aguda e desidratação intensa provocada por náuseas e vômitos persistentes.
Em casos extremos, pacientes que fazem uso da substância sem prescrição podem sofrer falência hepática ou renal, além de efeitos colaterais graves ligados à automedicação e à má conservação do produto.
O que diz a fabricante
A farmacêutica Eli Lilly, responsável pelo Mounjaro, reiterou que não comercializa o medicamento fora de farmácias autorizadas e condenou qualquer forma de revenda sem prescrição.
“Postagens, vídeos e anúncios que oferecem tirzepatida sem receita são ilegais e expõem as pessoas a riscos significativos. A Anvisa determinou que a compra de toda e qualquer incretina, incluindo Mounjaro, exige prescrição médica retida pela farmácia no ato da compra”, destacou a empresa em nota.
A Lilly reforçou ainda que não fornece o princípio ativo a farmácias de manipulação, clínicas ou distribuidores independentes.
O outro lado Por meio de nota, a DrogaFuji informou que repudia veementemente qualquer prática que contrarie as normas legais e éticas do comércio farmacêutico.
“Ao tomar conhecimento da denúncia sobre a suposta venda irregular do medicamento Mounjaro, a empresa iniciou imediatamente uma apuração interna para esclarecer os fatos.”
A coluna não conseguiu contato com a Droga Maia, Farmácia Comunitária do Trabalhador e Drogaria Divino. O espaço segue aberto para manifestação.
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