Juiz contesta Tarcísio sobre doação de área protegida para aeroporto
Decisão judicial diz que gestão Tarcísio descumpriu liminar ao avançar em estudos para transferir área à Prefeitura de Itapetininga
Uma decisão judicial proferida na última quarta-feira (29/10) afirma que o Governo de São Paulo descumpriu uma liminar ao dar andamento à transferência de uma área vegetal de aproximadamente 100 hectares para a construção de um aeroporto pela Prefeitura de Itapetininga, no interior paulista.
O local fica dentro da Estação Experimental de Itapetininga (foto em destaque), área voltada a pesquisas e sob responsabilidade da Fundação Florestal, órgão vinculado à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil). Ao todo, a área protegida tem cerca de 6 mil hectares e abriga vegetação nativa de Cerrado.
Desde 2022, uma liminar do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) proíbe a gestão estadual de realizar qualquer ato considerado “preparatório ou auxiliar” para a concessão, permissão ou alienação de 37 áreas experimentais espalhadas pelo Estado, entre elas a estação de Itapetininga.
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A liminar foi concedida no âmbito de uma Ação Civil Pública aberta pelo Ministério Público de São Paulo em 2017.
Em decisão publicada na semana passada, o juiz Kenichi Koyama, da 15ª Vara da Fazenda Pública, afirma que o Governo de São Paulo descumpriu decisão judicial por ter dado andamento a atos administrativos “concretos e substanciais” para destinar parcela da Estação Experimental à prefeitura local.
Entre os atos da gestão estadual citados pelo magistrado, estão a elaboração de nota técnica detalhada identificando talhões e fragmentos de vegetação nativa no local, vistorias técnicas e despachos internos propondo prosseguimento dos trâmites legais, além de declarações públicas de autoridades anunciando a conclusão dos estudos e a entrega da área.
Para o juiz, tais atos “não configuram meros atos informativos de análise preliminar. Caracterizam, sim, atos preparatórios e específicos voltados à efetivação da destinação da área, em direta violação à ordem liminar vigente”.
O governo paulista alega que não houve descumprimento, sob o argumento de que a liminar não proibiu a cessão do terreno quando direcionada a ente público e com intuito de se fazer um equipamento de interesse coletivo. Disse ainda que os estudos para a transferência da área estão em fase preliminar e qualquer cessão futura dependeria de análise técnica, parecer jurídico, aprovação legislativa e licenciamento ambiental.
As alegações, no entanto, não foram aceitas pelo juiz, que citou também uma vistoria técnica feita pelo governo por meio de drones, para fazer o georreferenciamento na área.
Declarações públicas
Além das medidas administrativas, autoridades estaduais, incluindo o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), têm dado declarações públicas prometendo a transferência do terreno e ajuda na construção do aeroporto.
Um vídeo publicado nas redes sociais do prefeito de Itapetininga, Jeferson Bruno (Republicanos), em 15 de agosto, mostra o mandatário local ao lado do secretário da Agricultura e Abastecimento, Guilherme Piai. Na publicação, o secretário anuncia a conclusão de um estudo para a doação de parte da Fazenda Experimental de Itapetininga para construção do aeroporto.
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Uma publicação compartilhada por Jeferson Brun (@jefersonbrunoficial)
“Depois da autorização do governador Tarcísio, nós começamos um trabalho técnico pelo Itesp (Instituto de Terras do Estado de São Paulo), terminamos o georreferenciamento, o laudo de avaliação, nota técnica, e o trabalho está concluído e a gente vem entregar hoje para o prefeito, uma área de quase cem hectares. Agradecer aqui à Fundação Florestal”, diz Piai na gravação.
O mesmo vídeo mostra o trecho de um discurso do próprio governador, feito no ano passado, em que promete doar a área ao município e ajudar, com recursos, na construção do aeroporto.
Em outra visita feita a Itapetininga, em 16 de junho deste ano, o governador também mencionou a construção do aeroporto na área. “Então, Jefferson (prefeito de Itapetininga), parabéns, conta com a gente. O desmembramento do terreno está saindo agora para o aeroporto”, afirma o governador.
Outro vídeo, postado pelo deputado estadual Edson Giriboni (União), em 22 de agosto, o prefeito aparece visitando a área junto ao parlamentar.
“Em poucos meses, deputado, a gente começa a obra e, logo, logo, o senhor vai poder pegar o seu primeiro voo aqui de Itapetininga”, diz o prefeito na publicação. A transferência do terreno precisa ser aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo, por meio de um projeto de lei a ser enviado pela prefeitura.
Qual foi a decisão
- Na decisão, o juiz determinou que o governo paulista não faça qualquer ato administrativo ou legislativo relacionado à destinação, “a qualquer título”, da Estação Experimental, sob pena de aplicação imediata de multa e responsabilização pessoal dos gestores públicos envolvidos.
- “A reiteração de atos similares ensejará a aplicação de sanções por ato atentatório à dignidade da Justiça, sem prejuízo de providências criminais e de improbidade administrativa”, escreveu o magistrado da 15ª Vara da Fazenda Pública.
- Além disso, a decisão foi ampliada para determinar que o Estado fique impedido de realizar supressão de vegetação nativa e de efetuar novos plantios de Pinus ou Eucalyptus nas áreas listadas na Ação Civil Pública, também sob pena de aplicação da multa.
- A ampliação do entendimento se deu após pedido da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), que atua no processo como amicus curiae.
- “O avanço predatório sobre essas áreas, como no caso da construção de um aeroporto, causaria um enorme estrago ambiental, porque essa área de pesquisa guarda os últimos remanescentes de vegetação nativa da região”, afirma a pesquisadora Helena Dutra Lutgens, presidente da APqC. A entidade é contrária à venda das áreas de pesquisa.
O que dizem o Governo de São Paulo e Prefeitura de Itapetininga
O governo paulista, por meio da Procuradoria-Geral do Estado, informou que o Estado foi intimado sobre a decisão na última sexta-feira (31/10) e que está avaliando a eventual interposição de recurso.
Já a Prefeitura de Itapetininga disse, em nota, que não foi notificada sobre a determinação até o momento.
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