Justiça mantém multa para Prefeitura de SP por negar aborto legal
Multa diária de R$ 50 mil chegou a R$ 24,8 milhões por não realizar aborto em situações previstas em lei. Justiça mantém decisão
A 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça paulista (TJSP) manteve a decisão que impõe multa de R$ 24,8 milhões à Prefeitura de São Paulo por descumprir uma decisão judicial que garantia o acesso ao aborto legal na cidade, após a suspensão do serviço no Hospital Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte.
As pacientes deveriam ter sido encaminhadas a outras unidades do município, mas o procedimento foi negado nesses locais. A multa imposta foi fixada em janeiro de 2024 e tem o valor diário de R$ 50 mil.
À Justiça, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) alegou que o valor é desproporcional e solicitou redução para R$ 500 por dia. A Prefeitura também argumentou que não houve identificação completa das pacientes envolvidas nos procedimentos, o que inviabilizaria o direito de defesa.
Parlamentares do PSol e o Ministério Público de São Paulo (MPSP) afirmam que o descumprimento se prolongou por 497 dias, o que elevou a multa ao valor milionário.
Leia também
-
São Paulo
SP: Prefeitura é multada em R$ 24,8 milhões por não fazer aborto legal
-
São Paulo
Justiça de SP suspende aborto legal em caso de retirada de camisinha
-
São Paulo
MPSP pede multa de R$ 24,8 mi contra prefeitura por negar aborto legal
-
São Paulo
MPSP chama fim de aborto legal em hospital de “retrocesso social”
Entenda o caso
- Na decisão anterior da Justiça, a Prefeitura já havia sido obrigada a encaminhar novas pacientes, e aquelas que tiveram o procedimento cancelado no Hospital Vila Nova Cachoeirinha, para a realização do aborto legal em outras unidades, sem a imposição de limite por causa da idade gestacional.
- A Secretaria Municipal de Saúde, no entanto, não retomou os procedimentos no Hospital Vila Nova Cachoeirinha, nem assegurou o reagendamento em outras unidades.
- No início de outubro, a juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, da 9ª Vara da Fazenda Pública, negou recurso apresentado pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
- A Prefeitura recorreu novamente, pedindo a suspensão da decisão. A gestão municipal alegou parcialidade da magistrada, citando supostas arbitrariedades judiciais e irregularidades processuais.
- Também foi alegado o cerceamento da defesa pela não apresentação “de elementos mínimos que possibilitem a conferência dos dias-multa devidos” e “ausência de intimação da executada acerca da ilegal alteração do valor exequendo”.
- A Prefeitura argumentou ainda que não descumpriu a liminar e que a multa é indevida, além de ser inexigível antes do trânsito em julgado.
Relator aponta teor ideológico e nega recurso
O relator Eduardo Prataviera argumentou que o recurso apresentado pela gestão municipal tem “evidente teor ideológico”. Ele destacou que a Defensoria Pública do Estado (DPE-SP) apresentou provas robustas da negativa de realizar o aborto legal – direito garantido em lei e resguardado por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), independente da idade gestacional.
Segundo a decisão, a negativa teria ocorrido nos hospitais da rede municipal: Hospital da Mulher SECONCI-SP, Hospital Fernando Mauro Pires da Rocha, Hospital e Maternidade de Vila Nova Cachoeirinha, Hospital Municipal Dr. Cármino Caricchio, Hospital Municipal Tide Setubal, Hospital Municipal Mario Degni, dentre outros.
Além disso, o relator concluiu que a alegação da Prefeitura de que a magistrada não seria imparcial ou isenta “revela a seu turno que é a argumentação da agravante dotada de puro cunho emocional/apelativo”.
Prataviera cita resoluções normativas de conselhos de classe “como sendo hierarquicamente superiores às decisões judiciais e à legislação federal sobre o tema”, se referindo a resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do conselho regional (Cremesp).
O município “mantém a situação de ilegalidade e descumprimento da tutela de urgência, continuando a negar o direito ao aborto legal e deixando de encaminhar adequadamente e de forma imediata, quando alega por meio de seus médicos ausência de estrutura na unidade buscada, às pacientes quanto à unidade que realize o procedimento”, escreveu na decisão.
Por fim, o relator reconheceu o alto valor que a multa atingiu e, nesse sentido, afirmou que “é indisputável a grandeza maior do dano causado pela municipalidade às mulheres que tiveram seus direitos fundamentais negados e foram submetidas a novos ciclos de violências institucionais e existenciais em razão de pautas ideológicas”.
O Metrópoles procurou a Prefeitura de São Paulo para comentar a decisão, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.
What's Your Reaction?