A máscara caiu: Ricardo Nunes abandona o personagem e expõe os limites do marketing político
Uma cena protagonizada pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), sintetiza a distância crescente entre o discurso público cuidadosamente roteirizado e a prática cotidiana dos políticos no mundo real. Durante um evento oficial na Lapa, foi interrompido por um pequeno grupo de moradores que protestavam contra a derrubada de 118 árvores do Bosque Salesianos, […]

Uma cena protagonizada pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), sintetiza a distância crescente entre o discurso público cuidadosamente roteirizado e a prática cotidiana dos políticos no mundo real. Durante um evento oficial na Lapa, foi interrompido por um pequeno grupo de moradores que protestavam contra a derrubada de 118 árvores do Bosque Salesianos, área considerada patrimônio ambiental desde 1989. Em resposta, o prefeito perdeu o controle, chamou os manifestantes de “baderneiros”, “não civilizados” e dirigiu insultos pessoais a um dos cidadãos, chamando-o de “babaca” e “idiota”.
O episódio, capturado pelas câmeras e disseminado nas redes sociais, ultrapassa o caso pontual e torna-se metáfora do colapso de uma imagem política construída à base de assessorias, roteiros e edições estratégicas. Nos últimos anos, os políticos aprenderam a performar empatia diante das câmeras, a sorrir nos vídeos curtos e a ensaiar gestos de escuta nos encontros públicos. Mas quando a realidade rompe o script, como no caso de Nunes, a máscara cai e a comunicação precisa se esforçar para conter o estrago. A política da encenação dá lugar à política do impulso.
Há algo simbólico em um prefeito chamar de “baderneiro” o cidadão que defende árvores. A frase traduz uma inversão perversa: quem protesta é tratado como inimigo, e quem decide é poupado de ouvir. É a lógica do poder vertical em tempos horizontais. E, como ensina a história recente, a sociedade em rede tem pouca tolerância com quem tenta calar a divergência. A cada insulto, o político perde o monopólio da narrativa e dá voz justamente àqueles que queria silenciar.
Ricardo Nunes é, paradoxalmente, o prefeito da maior cidade do país e um desconhecido para a maioria dos paulistanos. Herdou o cargo após a morte de Bruno Covas e tenta se viabilizar eleitoralmente com base em entregas administrativas e uma comunicação tecnocrática. No entanto, carece de carisma, identidade simbólica e conexão emocional com a população. Além disso, não consegue se apoiar no prestígio do próprio partido e tampouco se colocar na disputa polarizada que estrutura a política brasileira. Sua reação agressiva diante de um protesto modesto escancara a fragilidade de quem tenta sustentar autoridade sem legitimidade. Em vez de responder com argumentos, reagiu com ofensas.
O contraste é revelador. No marketing político, o governante aparece como gestor equilibrado, defensor do diálogo e da sustentabilidade. Na prática, o mesmo político se irrita com a discordância e desqualifica o cidadão que o questiona. A distância entre o personagem e a pessoa é o novo abismo da política contemporânea. A simpatia fabricada, que funciona bem no digital, não resiste ao teste da rua.
No fim, não adianta contratar profissionais de peso, investir em agências renomadas ou gastar milhões em campanhas de imagem se o político não começar pela base: ele próprio. Comunicação não é cosmética, é coerência. A imagem pública só se sustenta quando há verdade no gesto, respeito na fala e convicção na escuta. O resto, por mais caro que custe, pode até render likes, mas não constrói liderança.
Por Vanessa Marques – jornalista
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