Lula e Bolsonaro em seus labirintos (por Mary Zaidan)
Não está nada fácil para os dois líderes rivais, enroscados em crises que eles mesmo criaram

Dois temas palpitantes em curso no Congresso Nacional – anistia a golpistas e fraudes no INSS – têm mexido de maneira curiosa com os extremos da política, sendo tratados com polaridade invertida. Lula, que com razão repudia a ideia de anistia, topa apoiar um acordo para reduzir penas de condenados que desejavam derrubá-lo, enquanto o ex Jair Bolsonaro, que dizia só querer defender injustiçados do 8 de janeiro, rechaça a proposta que limita o perdão aos manifestantes. Já no caso do INSS, Lula comporta-se como o grande culpado e Bolsonaro põe fogo, embora os desvios tenham começado na sua gestão e uma eventual CPI possa estourar no seu colo.
Anistia a golpistas nem de longe está na agenda de prioridades do país, mas se tornou o principal mote de Bolsonaro para segurar seus fieis. Em nome de libertar da prisão os que ele e sua turma chamam de “arruaceiros”, o ex convocou duas manifestações, uma no Rio, em Copacabana, e outra na Avenida Paulista, que, embora com público bem menor do que o previsto, serviram para manter o tema em foco e para turbinar o pedido de urgência para a tramitação da proposta na Câmara. Na quarta-feira, dia 7, será a vez de Brasília.
O local – Praça dos Três Poderes, palco do 8 de janeiro -, a data – uma quarta-feira de labuta em vez de um domingo -, e a conveniência – depois de cirurgia abdominal e longa hospitalização, apenas sete dias após alta da UTI -, chamam a atenção. Por que já? Por qual motivo o ex se arrisca em um evento que ele próprio prevê como tímido – uma caminhada com cerca de duas mil pessoas – e que certamente alimentará as teorias de conspiração que exibem sua internação como falsa?
A pressa talvez se explique pela queda de audiência de Bolsonaro, que conseguiu menos de mil espectadores simultâneos para a live feita diretamente da UTI (que hospital é esse DF Star que permite tal circo?), da qual participaram os filhos e o tricampeão mundial de Fórmula 1 Nélson Piquet. Também não conseguiu grande sucesso com o filmete para denunciar a presença de uma oficial de Justiça na UTI. Tudo apelativo e muito longe dos quase meio milhão de participantes que chegou a obter em uma live dominical de janeiro do ano passado.
Outro motivo, e este mais desesperador para quem depende de perdão para tentar algum respiro político, está no fato de a anistia nos moldes preconizados por ele – ampla, irrestrita, passada e futura – tenha perdido tração no público e no Congresso. O mais provável é que o projeto de anistia do PL de Bolsonaro seja engolido pela proposta do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), prevendo penas menores para os executores do 8 de janeiro e aumento do tempo de prisão para os mandantes dos atos antidemocráticos. É tudo o que o ex não quer.
A esquerda até preferia manter a bandeira do “sem anistia”, mas não dá para correr o risco de a matéria acabar sendo votada na Câmara. Puxa daqui e dali, a proposta Alcolumbre agrada a Lula e ao Centrão, que não se opõe ao ex, mas também não está disposto a se imolar por ele. Até o PL pode vir a apoiar o texto. Aqui, vale o pragmatismo de ambos os lados, que sabem ser quase certa a condenação de Bolsonaro até o final do ano.
O roubo dos aposentados e pensionistas do INSS, com pequenos descontos mensais sem autorização do beneficiário, é, sem dúvida, um tsunami para Lula, que acumula erros em cima de erros na forma de reagir ao descalabro de entidades que afanaram pobres com chancela governamental. As escandalosas operações começaram em 2019, no governo Bolsonaro, mas cresceram e se multiplicaram sob Lula, escancarando má-gestão, conivência ou ambos.
Lula não só demorou a reagir como expôs suas fragilidades. Não conseguiu estabelecer a paternidade de Bolsonaro para os desvios e, muito menos, evitar o pedido de uma CPI, sempre desgastante ao governo de plantão mesmo quando nada tem a temer. Demitiu o presidente do INSS, mas manteve o ministro da Previdência Carlos Lupi até o limite do insuportável. Aceitou a demissão de Lupi e para o seu lugar nomeou o número 2 do Ministério, o também pedetista Wolney Queiroz, mais um que sabia das irregularidades e nada fez desde meados de 2023.
O temor do recorrente carimbo de corrupção ao seu governo fez com que Lula não enxergasse o caminho de admitir erros de gestão, que poderiam ser reparáveis com celeridade. Agora é tarde, seu governo carregará as duas marcas: corrupção e má gestão. Tão tarde que Bolsonaro, mesmo correndo o risco de escorregar nas cascas de banana lançadas pelos seus, passou a apoiar a criação da CPI.
Não está nada fácil para os dois líderes rivais. O inelegível Bolsonaro está disposto a tudo para se manter no jogo, e Lula, em curva descendente de popularidade, não consegue fazer o seu governo acontecer. Ambos se enroscam em seus próprios labirintos.
Mary Zaidan é jornalista
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