Malês: a revolta que o Brasil tentou apagar agora ganha a tela

Esse filme é mais que cinema. É memória viva. É ferida aberta. É lembrança de que só existimos porque muitos se levantaram

Oct 7, 2025 - 12:30
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Malês: a revolta que o Brasil tentou apagar agora ganha a tela

Antônio Pitanga sempre foi maior que o tempo. Desde o Cinema Novo, sua presença abriu caminhos e mostrou que o Brasil podia se ver em telas sem máscaras. Hoje, aos 86 anos, ele entrega Malês, um filme que não é só obra de arte, é gesto de reparação. O Brasil devia a Pitanga — e a si mesmo — a coragem de contar a história da maior insurreição de pessoas escravizadas já registrada aqui: a Revolta dos Malês, em Salvador, 1835.

Homens e mulheres africanos, muitos deles muçulmanos alfabetizados, ousaram enfrentar o sistema que os aprisionava. Organizaram-se, saíram às ruas, tomaram a cidade e afirmaram que a escravidão jamais seria aceita em silêncio. Foram derrotados, punidos com brutalidade, mas deixaram a prova incontornável de que a liberdade nunca foi dádiva, sempre foi conquista.

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E, no entanto, essa história segue quase apagada dos livros escolares, sobretudo no Sul, Sudeste e no Centro-Oeste. A omissão não é acaso, é projeto: invisibilizar os levantes negros é reforçar o mito de que a abolição foi generosidade. O que Pitanga faz em “Malês” é rasgar o véu desse esquecimento, devolver dignidade a quem foi silenciado e reafirmar que nossa história não pode ser contada sem insurgência.

Esse filme é mais que cinema. É memória viva. É ferida aberta. É lembrança de que só existimos porque muitos se levantaram. O Brasil precisava desse filme. Você também.

A revolta que o Brasil silencia

Em janeiro de 1835, ao fim do Ramadã, africanos muçulmanos – alfabetizados, organizados e movidos pela fé – levantaram-se em Salvador. Não eram ingênuos: sabiam que enfrentavam o maior poder armado do Império. Ainda assim, ousaram. Tomaram ruas, enfrentaram soldados, afirmaram que a escravidão não seria aceita. O levante foi sufocado com brutalidade, vidas foram ceifadas, muitos foram deportados. Mas ficou a prova incontornável: a escravidão não se sustentava sem violência diária, sem apagar revoltas que se repetiam.

Por que, então, esse episódio não está nas salas de aula? Por que se ensina tão pouco sobre a luta dos Malês? Talvez porque reconhecer esse levante seja reconhecer que a abolição não foi um presente da monarquia, mas conquista arrancada com dor e sangue. Talvez porque admitir a potência desses homens e mulheres signifique enfrentar o mito de um Brasil “cordial”, que nunca existiu.

A invisibilidade da Revolta dos Malês é a continuidade do cativeiro no plano da memória. É o silêncio imposto às histórias que poderiam inspirar novas gerações. E é nesse ponto que o filme de Pitanga se torna urgente: ele rompe o pacto de esquecimento.

Por isso, “Malês” não deve ser apenas assistido. Deve ser vivido. Deve ser discutido em universidades, em escolas, nas ruas. Deve ser incorporado ao repertório de uma nação que ainda não aprendeu a se olhar sem negar sua própria história.

O Brasil precisava desse filme. Antônio Pitanga sabia. E agora que ele chega, não é apenas Pitanga quem cumpre um destino. Somos nós. Porque lembrar dos Malês é se lembrar de que a liberdade nunca foi concessão; foi sempre conquista, arrancada a ferro e fogo pelos que ousaram não aceitar as correntes.

 

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