“Mortos ficavam embaixo das árvores”, dizem arqueólogos da Amazônia
Urnas funerárias com restos humanos e vestígios alimentares foram descobertas sob árvores em ilha artificial milenar da Amazônia

A queda de uma árvore centenária da Amazônia, em Fonte Boa (AM), revelou sete urnas funerárias indígenas. Elas estavam enterradas a cerca de 40 centímetros do solo, presas às raízes das árvores.
Após uma aventura de 12h de barco para transportá-las até Tefé (AM), os arqueólogos brasileiros Márcio Amaral e Geórgea Holanda estão se dedicando a desvendar os mistérios que estes receptáculos podem ajudar a responder.
“Além dos corpos, encontramos próximos às urnas ossos de peixes, de quelônios e de sapos; sementes de provável bacaba, açaí, entre outros que estão ou carbonizados ou preservados. Isso é importante porque nos dá uma ideia do padrão alimentar que essas pessoas consumiam”, explica Márcio Amaral em entrevista ao Metrópoles.
Leia também
-
Ciência
Queda de árvore na Amazônia revela urnas funerárias e rituais antigos
-
Ciência
Estudo de troncos de árvores da Amazônia revela mudanças nas chuvas
-
Saúde
Estudo: toxina de escorpião da Amazônia mata células do câncer de mama
-
Ciência
Mudanças climáticas: habitats de animais da Amazônia estão ameaçados
Ele vem pesquisando cerca de 70 urnas deste tipo para sua investigação de doutorado, com materiais coletados da Bolívia até as proximidades de Manaus. O arqueólogo aponta que a localização das urnas sob as casas sugere práticas funerárias associadas ao cotidiano. “É comum no Médio e Alto Solimões enterrar mortos em vasos, às vezes antropomorfos, sob o piso das moradias”, conta.
O especialista indica que não se sabe se os corpos dos animais são apenas restos que foram colocados do lado da urna ou indicam contextos ritualísticos. “Ainda temos que desvendar se estes ossos de animais eram descartes domésticos ou parte de cerimônias. Também tem paralelo com outros rituais fúnebres próximos da região, em que ossos termicamente tratados e limpos eram depositados na urna que funcionava como um novo corpo, uma nova roupa após a morte”, completa Márcio.

Tarefa de resgate na Amazônia
As urnas, com até 90 centímetros de diâmetro, foram achadas em uma ilha artificial construída por povos indígenas ancestrais há cerca de 3 mil anos. Ela é formada por camadas de terra e cerâmica sobre a planície alagável do Médio Solimões. No período de cheia, a ilha desaparece e isso comprometia a preservação das urnas recém-encontradas.
“Se a gente não tivesse realizado o trabalho, provavelmente esse contexto iria se perder. A água chega até o sítio, então quando o rio enchesse, perderíamos essas evidências por conta das chuvas. Decidimos retirar elas de lá para preservar este patrimônio de nossa história e entender o modo de vida dos nossos antepassados”, completa Georgea.
Arqueologia feita em parceria com ribeirinhos
A investigação ocorre com apoio da comunidade de São Lázaro do Arumandubinha e os pesquisadores só foram ao local a convite da comunidade. “Um dos papéis da arqueologia é contar essa história que a história colonialista geralmente não mostra. Para realizar uma escavação arqueológica, pedimos licença aos povos do passado, como também aos povos do presente, porque só fomos a campo com a bênção das pessoas da comunidade, que são ribeirinhos e indígenas, e que estiveram nesse processo trabalhando junto com a gente”, diz a arqueóloga.
Cerâmica pode indicar cultura ainda desconhecida
As análises iniciais mostram um tipo de argila esverdeada e faixas vermelhas não associadas à cerâmica polícroma amazônica da região. O material pode representar um contato entre povos e culturas ainda não conhecido na região. “Precisamos confirmar isso com exames em laboratório”, diz Geórgea.
Para os arqueólogos, porém, a descoberta já trouxe uma certeza de que as áreas de várzeas não eram apenas locais de passagem. “Ali havia casas, cultivos e rituais. Os mortos ficavam embaixo das casas. Era um modo de vida enraizado em estruturas de ilhas artificiais feitas por indígenas com os materiais da floresta, com o trabalho de muita gente”, concluiu a antropóloga.
Siga a editoria de Saúde e Ciência no Instagram e fique por dentro de tudo sobre o assunto!
What's Your Reaction?






