MPF cobra soluções de entes públicos para o descaso com a educação escolar indígena no RN
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública cobrando providências urgentes diante da “omissão sistemática e prolongada” de diversos entes públicos em relação à Educação Escolar Indígena (EEI) no Rio Grande do Norte. Inspeções, denúncias e levantamentos de informações apontaram que há escolas funcionando sem água potável, sem saneamento básico e em prédios […]

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública cobrando providências urgentes diante da “omissão sistemática e prolongada” de diversos entes públicos em relação à Educação Escolar Indígena (EEI) no Rio Grande do Norte. Inspeções, denúncias e levantamentos de informações apontaram que há escolas funcionando sem água potável, sem saneamento básico e em prédios inseguros, até mesmo em espaços improvisados. Isso quando existe a escola, pois muitas crianças precisam se deslocar longas distâncias para estudar fora de suas comunidades.
Desde 2014, o MPF acompanha a situação da educação indígena, em território potiguar, e a investigação demonstrou um quadro de precariedade generalizada nas escolas voltadas a essa parcela da população. Fora os problemas já citados, a ação lista a falta de espaços de lazer (como parquinhos infantis) e desportivos (quadras), de salas específicas para professores, além de deficiências graves na segurança e na conservação.
Na ação, o MPF acrescenta que existem falhas ou ausência de projetos pedagógicos específicos e, além disso, o Estado e os municípios seguem se omitindo na criação da carreira de professor indígena e no estabelecimento da gestão democrática dos colégios.
A ação tem como réus a União, o Estado do Rio Grande do Norte, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e as prefeituras de Baía Formosa, Goianinha, Macaíba, São Gonçalo do Amarante, Canguaretama, Ceará-Mirim, Jardim de Angicos e João Câmara.
Problemas – Um relatório da Secretaria Estadual de Educação (SEEC/RN), apresentado ao MPF em 2025, e outro da Coordenação Técnica Local da Funai, datado de 2020, mostraram a péssima situação de escolas voltadas ao atendimento das crianças indígenas por todo o Rio Grande do Norte.
Em João Câmara, o Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Indígena Júlia Maria não tem muros ou portões e um dos acessos fica às margens da rua, expondo os alunos a riscos de atropelamento. Não há cisterna e a água para consumo humano é acondicionada de forma inadequada em tambores e galões de plástico.
Na Escola Municipal Indígena Saramandaia, do mesmo município, foram registradas goteiras e até mesmo a presença de pardais e morcegos no teto, já que não há forro nas salas. A unidade também não tem saneamento básico e a água potável precisa ser trazida em carroça, de um ponto a 700 metros de distância.
Em Canguaretama, a Escola Municipal Indígena João Lino da Silva está passando por reforma, mas ainda não possui saneamento básico e enfrenta carência de equipamentos, não dispondo de nenhum computador para estudantes e funcionários.
Ausência – Essas deficiências se repetem em várias outras acompanhadas pelo MPF, porém, há locais onde a escola não possui prédio próprio e uma comunidade onde sequer existe escola. Em Baía Formosa, crianças da aldeia Sagi-Trabanda viajam aproximadamente 24 km para frequentar as aulas, sem qualquer conteúdo diferenciado em relação aos alunos não indígenas.
Já há projeto do governo estadual para uma escola na área, porém, a obra não saiu do papel e, mesmo após uma recomendação enviada pelo Ministério Público Federal, ainda não foi informada a data para que as crianças comecem a ser atendidas.
Gestão – Ao mesmo tempo, como os gestores não vêm promovendo a realização de concursos públicos específicos para professores indígenas, a norma geral tem sido a contratação temporária ou por “indicação político-partidária”, que, para o MPF, acaba por transformar as escolas em “cabides de emprego para cabos eleitorais”.
Essa situação atrapalha, ainda, o desenvolvimento de uma gestão democrática e de um ensino diferenciado, previstos na legislação. O direito à educação indígena está na Constituição Federal, na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, da Organização das Nações Unidas (ONU), e na Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, além do Decreto Estadual 31.596/2022, que regulamenta o tema no Rio Grande do Norte.
Muitas das unidades já em funcionamento não possuem Projeto Político-Pedagógico (PPP) voltado à cultura e à língua das comunidades, contrariando as diretrizes da educação intercultural e bilíngue. Outras unidades, na época do envio do relatório da Funai, também não haviam sequer sido regularizadas.
O MPF detectou, ainda, uma dificuldade envolvendo a merenda escolar, já que, em vez de valorizar a cultura alimentar indígena, a comida repassada aos estudantes, em muitas das unidades, é baseada em produtos industrializados comprados na cidade. Somado a tudo isso, deficiências no transporte escolar vêm contribuindo para a evasão entre crianças e adolescentes.
Pedidos – Na ação, o MPF requer, com urgência, que a Justiça determine aos entes demandados que, de forma articulada e sob a coordenação técnica dos órgãos federais competentes (Funai e FNDE), iniciem imediatamente a execução das obras emergenciais mínimas nas escolas indígenas e assegurem a oferta regular de transporte escolar.
Também foi pedido que, ao final do processo, seja determinado aos réus a inclusão, em seus respectivos planos orçamentários, de recursos para melhorias estruturais nas escolas indígenas e a realização de concurso público específico para provimento de cargos de professores de educação escolar indígena. Além disso, foi solicitada a determinação de medidas para a garantia de transporte escolar seguro e regular e a oferta de alimentação adequada à cultura local.
Confira a lista de escolas alvo de acompanhamento do MPF:
– Relatório da SEEC (2025)
CMEI Indígena Júlia Maria da Conceição Batista (Serrote de São Bento – João Câmara)
CMEI Indígena do Povo Mendonça (Território Mendonça – João Câmara)
Escola Municipal Indígena Saramandaia (Território Mendonça – João Câmara)
Escola Municipal Indígena Amarelão (Amarelão – João Câmara)
Escola Municipal Indígena João Lino da Silva (Eleotérios do Catu – Canguaretama).
– Relatório da Coordenação Técnica Local da Funai (2020)
Escola Giorgina Altina Viana (São Gonçalo do Amarante)
Escola Vereador Francisco Zábulon e Creche Maria Nazaré Rodrigues (João Câmara)
Escola Luís Cúrcio Marinho (Macaíba)
Escola Municipal Maria Rosa do Nascimento (João Câmara)
Escola Municipal Professora Alice Soares (João Câmara)
Escola Alfredo Lima (Goianinha)
Escola Municipal Doutor Emanuel Francisco de Melo (Baía Formosa)
Escola do Assentamento Marajó (João Câmara)
Escola Municipal Iolanda Chaves de Lucerna (Macaíba)
Escola Municipal de 1º Grau Izabel da Silveira Luma (São Gonçalo do Amarante)
Escola Municipal Emídio Ferreira (Ceará-Mirim)
Escola Municipal Conceição Marques (Ceará-Mirim).
Ação Civil Pública nº 0032782-30.2025.4.05.8400
Assessoria de Comunicação Social
Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte
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