Novo reitor da USP defende 1º ano generalista para carreiras similares
Recém-eleito reitor, Aluísio Segurado fala em repensar primeiro ano para combater evasão. Medida ainda será debatida pela universidade
Futuro reitor da Universidade de São Paulo (USP), Aluísio Segurado conhece — há 50 anos — a instituição que agora vai comandar. Desde quando foi aprovado no vestibular de medicina, nos anos 1970, até agora, às vésperas de ser empossado como autoridade máxima da USP, ele viu grandes transformações nas salas de aula da universidade.
“A USP que eu terei hoje como reitor é muito diferente da USP que eu encontrei quando entrei aqui, há 50 anos. Ela é plural, diversa, mais próxima da população do estado de São Paulo. […] Conviver com essa USP mais diversa, ao mesmo tempo, é um grande privilégio, mas é também desafiador. Algumas práticas precisam ser revisitadas para que a gente possa usufruir desta diversidade”, diz o professor.
Um dos principais objetivos de sua gestão, afirma, será “revisitar” o primeiro ano dos cursos, período que pode “desmotivar de forma definitiva o estudante”, segundo Aluísio. Para isso, o professor defende, entre outras medidas, repensar o início das graduações, com atenção “especial”, às áreas de ciências exatas, onde a evasão é mais crítica.
O que pode mudar?
- Uma das ideias é criar, no primeiro ano, uma formação geral básica para cursos de uma mesma área, com as disciplinas comuns a essas carreiras.
- A mudança teria impacto direto no vestibular, com o aluno optando por uma área mais geral de formação no processo seletivo.
- Só depois, já no segundo ano de faculdade, o estudante escolheria um curso específico.
- A meta é evitar que estudantes abandonem seus cursos de forma precoce.
- Dedicar o primeiro ano à formação geral básica e adiar a escolha do curso específico é uma estratégia já adotada em outras universidades, como a Universidade Federal do ABC (UFABC), na região metropolitana de São Paulo.
- Aluísio afirma, no entanto, que, diferente do que acontece na UFABC, a ideia na USP seria a de aplicar o método apenas em carreiras muito próximas, como nos cursos de geofísica, meteorologia e astronomia, por exemplo.
“Será que o jovem sabe a diferença de geofísica, meteorologia e astronomia como carreira profissional? Ele gosta das ciências da terra. Ele não poderia entrar em uma carreira que tivesse algum tempo básico de disciplinas comuns, de formação, e depois identificar esses diferentes percursos e definir sua opção de carreira posterior?”, exemplifica o professor.
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1 de 3Mandato de Aluísio Segurado como reitor da USP vai de 2026 a 2030Marcos Santos/USP Imagens
Aluísio Segurado é professor de Medicina e era pró-reitor de Graduação Cecília Bastos/USP Imagens
Aluísio Segurado é formado em MedicinaCecília Bastos/USP Imagens
Flexibilidade para trocar cursos
O futuro reitor também defende facilitar o processo de troca de cursos na universidade. Hoje, alunos que querem mudar de carreira dentro da USP precisam fazer um exame de transferência, geralmente com poucas vagas, ou então prestar o vestibular novamente.
“De algum modo, [o modelo atual] penaliza o estudante que ainda está encontrando o seu caminho dentro da universidade”, afirma o professor.
“A gente teve um exemplo de uma aluna muito boa do curso de engenharia química. Um professor a conheceu no primeiro ano e no segundo ano ela não estava mais na turma, tinha desistido. Ela tinha decidido que não queria ser engenheira química, queria ser pesquisadora de química. E aí não havia alternativa a não ser desistir e prestar outro vestibular. Se a gente tivesse um mecanismo [mais flexível], ela poderia ter saído da vaga da Poli e ido para o Instituto de Química”.
Tanto a ideia de transformar o primeiro ano quanto a de flexibilizar as mudanças de cursos ainda serão debatidas nas diferentes instâncias da universidade e precisam de aprovação para serem implementadas.
Quem é Aluísio Segurado?
- Com 68 anos, Aluísio Segurado é graduado em Medicina pela USP, onde também recebeu os títulos de mestre, doutor e livre-docente em Doenças Infecciosas e Parasitárias.
- É professor titular da Faculdade de Medicina da USP desde 2012, com trajetória focada em pesquisar doenças infecciosas e determinantes sociais da saúde.
- É o atual pró-reitor de Graduação. No passado, foi diretor do Instituto Central do Hospital das Clínicas (HC) durante a pandemia da covid-19.
- Aluísio e a professora Liedi Légi Bariani Bernucci venceram as eleições para a reitoria da universidade com a chapa USP pelas Pessoas. Eles receberam 1.270 votos.
Cotas em pauta
O futuro reitor tem a posse marcada para o dia 25 de janeiro. Entre os desafios para a gestão, estão também as discussões sobre políticas afirmativas para pessoas trans e pessoas com deficiência (PCDs).
O debate sobre a criação de cotas para estudantes trans teve início neste ano e foi marcado por protestos do movimento estudantil em defesa da pauta.
“Certamente, esse tema voltará à discussão na futura gestão porque ele está em elaboração. Mas eu queria chamar a atenção para um ponto importante: o princípio basilar das políticas de ação afirmativa de ingresso é a detecção de uma sub-representatividade. […] Quais populações estão sub-representadas de fato? A partir desta constatação é que se justifica, penso eu, trabalhar uma política afirmativa de ingresso”, diz ele, sem declarar se é contra ou a favor da medida.
Já no caso das cotas para PCDs, o professor lembra que a USP terá que se adequar à lei nº 18.167, de 2025, que tornou obrigatória a reserva de vagas em universidades estaduais paulistas para PCDs.
“Como vai ser feita essa reserva? Nós vamos ter que pensar um pouco e também trocar ideias com outras instituições de ensino que, no sistema federal, já implementaram políticas afirmativas para pessoas com deficiências”, diz ele.
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Financiamento
No entanto, o maior desafio que Aluísio enfrentará nos próximos quatro anos não será, muito provavelmente, em nenhuma dessas pautas, mas sim em um tema que impactará todo e qualquer debate na USP daqui para frente: o financiamento da universidade.
Com a reforma tributária, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a principal fonte de renda das universidades paulistas deixará de existir: o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Assim, as três universidades paulistas que, juntas, são abastecidas por um repasse fixo de 9,57% do ICMS, precisarão debater seu financiamento com o governo estadual.
“O próprio governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) já garantiu publicamente aos nossos reitores, que não buscará afetar o financiamento das universidades. Agora, temos que estabelecer a base legal para que isso aconteça.”
Para Aluísio, o cálculo sobre a nova forma de financiamento precisa garantir a manutenção dos valores atuais para que as três universidades – USP, Unesp e Unicamp – continuem avançando.
O debate sobre o tema deve envolver o Executivo e também o Legislativo paulista, em um momento no qual as universidades vêm sendo alvo de ataques de grupos de extrema-direita.
Aluísio diz que os ataques sofridos pela USP não são apenas à universidade pública, mas sim à ciência como um todo, e fazem parte de um “fenômeno global de hiperpolarização política”.
Para ele, é preciso mostrar o trabalho das universidades para que a sociedade entenda cada vez mais a importância dessas instituições. Ele cita como exemplos o trabalho da USP durante a pandemia, com a abertura de leitos no Hospital das Clínicas e as várias pesquisas desenvolvidas pela instituição.
O médico diz que quer investir nessa aproximação com a sociedade. Inclusive, com aqueles que vêm a USP com resistência.
“Precisamos buscar o diálogo e buscar um entendimento de que aqui é um espaço da diversidade de opiniões, mas de forma respeitosa, democrática e tendo uma repulsa, efetivamente, de qualquer forma de violência e discriminação”, afirma.
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