O alienígena (Parte XVI)

Clauder Arcanjo* Pintura Retrato de Leon Tolstói, de Nikolay Nikolayvich.   Após a urdidura do capítulo anterior, leitor arisco, resolvi dar uma pausa nos meus escritos. — Nem só de verbo vive o homem! — filosofei. Companheiro Acácio me olhou de esguelha. Com seu ar casmurro, e, contrafeito, me aconselhou: — Que tal uma semana […]

May 4, 2025 - 01:00
 0  0
O alienígena  (Parte XVI)

Clauder Arcanjo*

Pintura Retrato de Leon Tolstói, de Nikolay Nikolayvich.

 

Após a urdidura do capítulo anterior, leitor arisco, resolvi dar uma pausa nos meus escritos.

— Nem só de verbo vive o homem! — filosofei.

Companheiro Acácio me olhou de esguelha. Com seu ar casmurro, e, contrafeito, me aconselhou:

— Que tal uma semana sabática, Clauder Arcanjo? Você já mostra sinais evidentes de canseira, sem falar na malfazeja incursão pelo campo dos ditos filosóficos. Licânia não será terra para um novo Voltaire. Aquiete-se, repouse, leia… e volte, quem sabe, revigorado para a peleja com a palavra. Esta novela está mais para pastiche do que para…

Não o deixei complementar, interrompi-o com as tintas da fúria:

— Vá cuidar da sua rabugice em outras plagas, Acácio, companheiro de uma figa! Pensei até que você não estava acompanhando meus capítulos! Você nada escreve, no entanto se revela um mestre quando o assunto é baixar o cacete no lombo dos escritores.

Acácio coçou a ponta do queixo, cheirou o alto do bigode, com a sua característica careta de quando se vê invadido pelos ventos da raiva.

Dei-lhe as costas e entrei no escritório. Bati a porta, trancando-a à chave, e sentei-me à escrivaninha.

— Ora, ora!… Acácio me orientando férias. Eu lá sou escritor de tirar férias!

 

& & &

 

Duas horas depois, a folha permanecia branquinha, branquinha. Como veio ao mundo. Melhor, como entrou em minha casa. O lápis vinha à boca vezes sem conta. Eu mastigava-o, ansioso; no entanto, o verbo permanecia calado, apesar de eu roer-lhe as canelas. Digo, a madeira e o grafite do lápis de onde eu, já nervoso, clamava que ele me acudisse.

— Verbo, ó Verbo!, onde estás que não respondes!? Em que mundo, em que estrela…

Lá de fora, o protesto acaciano surgiu incontinenti:

— Isto é plágio, sabia?! Castro Alves vai lhe cobrar satisfação. “Vozes d’África”, plagiador barato!

— Vá para a puta que o… carregue, seu bosta! Me deixe em paz com a minha literatura. Ponha-se daqui para fora! — protestei, saindo em direção à saleta, de chinelo em punho.

Acácio fugiu sem deixar vestígios. Tranquei a porta e retornei para a minha labuta.

Antes, resolvi tomar um banho frio. Em seguida, preparei uma garrafa de café. Mais animado, dei asas à fabulação.

Qual nada! Uma meia frase se revelava para, tal qual mariposa natimorta, cair no silêncio sem fim duas sílabas adiante.

— Lutar com as palavras é a luta mais vã.

— Você ainda está aí, Companheiro do cão?! E sob os auspícios dos versos de Drummond, hein! — gritei com fogo nos olhos.

Silêncio. Um vento estranho entrou de porta adentro. Pouco depois, escutei um…

— …uuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…

— Acácio, me acuda! — roguei, desesperado.

Um redemoinho diante de mim; e, ainda mais de perto, ouvia-se:

— …uuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…

— Ó, Pai, guardião dos escritores que penam com a prisão de ventre literária, valei-me!

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

What's Your Reaction?

like

dislike

love

funny

angry

sad

wow

tibauemacao. Eu sou a senhora Rosa Alves este e o nosso Web Portal Noticias Atualizadas Diariamente