O ALIENÍGENA (PARTE XXIII)
Clauder Arcanjo* Pintura Diógenes, de Jean-Léon Gérôme — Levantem-se! O dever nos espera. Licânia depende muito dos seus filhos. Não é hora de desmaios, mas, sim, de luta. Vamos à batalha! Que venha o Alienígena! Ou melhor, que venha um exército de alienígenas. — Meu povo, o que foi que o Cabo Jacinto […]


Clauder Arcanjo*
Pintura Diógenes, de Jean-Léon Gérôme
— Levantem-se! O dever nos espera. Licânia depende muito dos seus filhos. Não é hora de desmaios, mas, sim, de luta. Vamos à batalha! Que venha o Alienígena! Ou melhor, que venha um exército de alienígenas.
— Meu povo, o que foi que o Cabo Jacinto tomou?! Será que lhe serviram aquela pinga explosiva que estava sendo destilada no Bar do Paulo Amaro? — indagou Baltazar do Bozó.
A gaitada espocou com força entre os presentes.
Nada melhor do que uma boa risada coletiva para recobrar os ânimos de uma turma que já se entregava, de carne e espírito, ao medo; sem falar que se pressentia o achego da preguiça naquele esconderijo no alto do Serrote da Rola.
— Não seria o caso de nos rendermos e migrarmos para uma terra com menos aventuras, gente? Estou cansado! — defendeu Paulo Bodô. — Eu era feliz e não sabia. Tomava minha cachacinha sem bagunça. A aventura mais terrível que eu passava era uma carreira que recebia, de vez em quando, do vira-lata do Bedeu. Ou ouvir o discurso comprido, e muitas vezes sem sentido, do João Américo. Agora estou aqui: preso neste serrote, sem poder viver a minha vidinha besta. No entanto, diga-se, muito boa. Arriégua!…
— O pior disso tudo é ter que ouvir os lamentos descabidos deste cínico filho de uma porra! Safado que nunca conheceu as profundezas de Platão, a sapiência de Aristóteles, os aforismos de Nietzsche! — desabafou João Américo, dando as costas a todos e caminhando no rumo da província. — Fiquem aí, eu seguirei o meu próprio caminho. A solidão será minha companhia; e a filosofia, o meu vinho — arrematou.
— Se vai nos deixar, protofilósofo de Licânia, cuide então de nos entregar o litro de pinga que o senhor leva debaixo do braço — alertou Zé Aguiar, sempre atento ao estoque etílico.
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O primeiro latido do Goiaba anunciou a nova manhã. Foi o suficiente para que um dorminhoco empurrasse o companheiro mais próximo, exigindo que este se levantasse. E, cada qual cuidando de levantar o próximo, sem abrir o olho:
— Já é dia! Vai, se levanta!
— Pode ir na frente. Dou-lhe a preferência!
— O sol já vai alto. Bora?!
— Não tenho pressa, não sou seguidor de Sol. Aliás, sempre preferi a Lua.
Nesse empurra-empurra, ninguém arredava os pés do sono. Um reclamando do outro.
O segundo latido de Goiaba deixou mais do que evidente de que havia algo estranho naquele amanhecer.
— Auuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…!
Menino! Nunca se viu uma ligeireza tão grande. Em menos de segundo estavam todos de pé, em busca dum lugar mais alto e seguro.
Na sequência, o terceiro latido do Goiaba foi mais próximo de um riso canino.
O danado do cachorro aprendera, não se sabe como, a imitar o sinal do tal alienígena.
Até o João Américo, que já ia longe, voltou às pressas. Dizem as más-línguas que retornou mijando nas calças.
Você me indaga, caro leitor, se tal mijadeira originara-se do medo. Cá não me posicionarei, prefiro a versão do filósofo de que ela seria culpa da velha, sofista e sofrida próstata.
— Gente! Licânia nos espera. Vamos! O Alienígena vai ver com quantos paus…
Uma pedrada certeira derrubou Cabo Jacinto Gamão, o guerreiro orador.
— De onde veio tal ataque, Clauder Arcanjo?
— Nem eu sei, Lucas San. Saí-me com essa solução, a fim de encerrar logo este capítulo.
Que os deuses da literatura guiem a minha pena no próximo episódio.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.
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