Oposição radicalizada só ajuda Trump (por Marcos Magalhães)
Atribuir a anunciada tarifa de 50% a excessos antiamericanos passa longe da verdade

Antes de sair de casa, era sempre bom verificar como andava o tempo. Agora há mais uma cautela necessária: saber quão ruim está o humor do homem que se alojou na Casa Branca com jeito de quem quer ser imperador de todo o mundo.
Sua última ameaça é a de impor uma sobretaxa sobre as vendas aos Estados Unidos de produtos de países que, por algum motivo, tenham comprado petróleo da Rússia.
A anterior foi a imposição de 30% sobre as exportações do México e da União Europeia, tradicionais parceiros com quem Washington estava em negociações.
Antes disso, como não será difícil lembrar, ameaçou impor tarifas de 50% sobre as importações do Brasil, pois andava muito frustrado – nas palavras de seus assessores – com o andamento do processo na Justiça contra seu fiel escudeiro, Jair Bolsonaro.
Não serão as últimas ameaças.
Donald Trump já declarou várias vezes seu amor pelo uso das tarifas para fazer valer o peso da economia de seu próprio país. Ao assinar seus decretos de elevação de tarifas, o presidente americano também reescreve as leis do comércio internacional.
Ou melhor, indica que não há mais leis. Se os Estados Unidos sempre dedicaram certo desprezo à Organização Mundial do Comércio, agora ignoram quaisquer regras que possam impor freios a seus interesses.
Passa a valer a lei do mais forte. Que também pode mudar. Trump pode substituir um acordo de livre comércio com seus vizinhos por um novo, como fez em 2020, ao criar o Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA). E agora dizer que precisa de mais concessões.
A volatilidade do presidente dos Estados Unidos o tornou onipresente nos programas de notícias da televisão e nas páginas de notícias na internet. Os habitantes do resto do planeta já se acostumaram a seus cabelos alaranjados e sua cara de zangado.
Nenhum outro país, contudo, foi atingido como o Brasil. Suas sanções a produtos brasileiros não nasceram de ameaças à economia americana. Mas sim da pressão de políticos da extrema-direita brasileira – especialmente o deputado Eduardo Bolsonaro.
A sanção ao Brasil, imaginaram esses políticos, facilitaria a concessão de anistia aos envolvidos na tentativa de golpe de Estado de 2023. E abriria caminho a uma volta triunfal à política do ex-presidente Jair Bolsonaro, a tempo de concorrer às eleições de 2026.
Agora que já ficou claro que a anistia não virá a galope e que Bolsonaro permanece distante da possibilidade de concorrer, os mesmos círculos políticos passaram a argumentar – como fez o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas – que a tarifa de 50% só foi anunciada em consequência de uma postura antiamericana do governo brasileiro.
De tão dedicada a atacar os Estados Unidos, argumentaram, a política externa brasileira teria atraído a ira de Trump. E este não teria outra alternativa senão punir o Brasil.
Será? Enquanto buscam melhores argumentos, os bolsonaristas, especialmente do meio rural, poderiam ler pesquisa do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas, segundo o qual a prometida tarifa de 50% pode reduzir em até 0,41% do PIB brasileiro.
A tarifa americana também poderá provocar redução de 75% nas exportações do agronegócio para os EUA. Se a decisão de Trump, como ele mesmo admite, foi motivada pelo processo contra Bolsonaro, e se o processo corre no Judiciário, como culpar o Executivo brasileiro?
Sempre haverá um novo malabarismo verbal. Ou a criação daquilo que o país já se acostumou a chamar de narrativa. Mas as dores econômicas, no campo ou na cidade, vão se encarregar de levantar algumas interrogações.
Em momento tão incerto, algumas constatações já aparecem no horizonte. Trump é um fato da vida, assim como a sua instabilidade.
Há poucos meses ele nem disfarçava sua simpatia pela Rússia de Vladimir Putin, na guerra contra a Ucrânia. Agora ameaça quem comprar petróleo dos russos, por causa da mesma guerra.
Mesmo que alguns países ou blocos consigam chegar a acordos comerciais com Washington, nada garante que esses acordos serão duráveis. A instabilidade agora é a regra.
E vai demorar algum tempo até que se consiga desenhar algum tipo de nova ordem global, que seja mesmo baseada em regras – e não em humores dos líderes mais poderosos.
Pois, no meio dessa confusão, países menos decisivos, como o Brasil, devem se manter, ao mesmo tempo, atentos à manutenção de sua soberania e pragmáticos nas negociações.
Uma oposição radicalizada, nesse momento, enfraquece o país – e não o seu presidente, como parecem acreditar os aliados de Bolsonaro. A política externa sempre pode ser questionada. Isso faz parte de qualquer regime democrático.
Atribuir a anunciada tarifa de 50% a excessos antiamericanos, porém, passa longe da verdade. E só ajuda quem estará sentado do outro lado de uma futura mesa de negociações.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.
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