PF apura se Sindnapi lavou dinheiro de aposentados em empresas de fachada
Investigação sobre desvios no INSS aponta para transações suspeitas de membros da cúpula do sindicato

Documentos da operação Sem Desconto mostram que a Polícia Federal (PF) investiga se o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical (Sindnapi), entidade que tem como vice-presidente José Ferreira da Silva, irmão do presidente Lula (PT), usou empresas de fachada e dirigentes para lavar dinheiro desviado de aposentados.
A representação da PF que resultou nas ações de busca e apreensão contra Sindnapi última quinta-feira (9/10) cita uma série de transações de pessoas ligadas à cúpula da entidade, parentes dos dirigentes e empresas, como forma de “pulverizar” grandes valores.
Segundo a PF, esse tipo de operação, que usa do fracionamento de valores em diversas transferências e se vale de diversos indivíduos e “criando diversas empresas”, é “bem comum quando se movimenta tamanha quantidade de dinheiro, caracterizando a própria lavagem do capital e dificultando investigações”.
As análises vieram a partir de um Relatório de Inteligência Financeira (RIF), do Conselho de Controle de Atividade Financeiras (Coaf).
“Por fim, todo o modus operandi praticado com o dinheiro decorrente dos descontos fraudados pela Sindnapi que, supostamente, prestaria serviços solicitados pelos segurados do INSS, envolvendo diferentes pessoas, físicas e jurídicas, mediante diversas transferências bancárias, demonstram a existência da ocultação e dissimulação da natureza, movimentação e a propriedade dos valores decorrentes dos crimes supracitados, caracterizando o delito de lavagem de dinheiro”, diz a PF.
O Sindnapi é uma das entidades investigadas pela PF na operação Sem Desconto, que apura o esquema de descontos indevidos de aposentados e pensionistas, revelado pelo Metrópoles.
Da direção do Sindnapi à época dos fatos, constam no documento o ex-presidente do Sindnapi, João Batista Inocentini, o João Feio (falecido em 2023); o vice-presidente Milton Batista de Souza Filho (atual presidente); o diretor secretário-geral Luiz Antonio Adriano da Silva; o diretor nacional tesoureiro, Anísio Ferreira de Sousa; e o diretor nacional de assuntos previdenciários, Carlos Cavalcante de Lacerda.
Segundo manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR), que consta na decisão do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizando as ações da PF, “esses agentes, bem como familiares e interlocutores próximos, figuram em quadro expressivo de movimentações financeiras atípicas mapeadas pelo Coaf e pela Polícia Federal”.
Ainda segundo a PGR, o material revela um “encadeamento de transações que se estende do núcleo diretivo do sindicato a empresas de fachada e parentes dos dirigentes”. O órgão se manifestou favorável às medidas solicitadas pela PF.
São citadas, por exemplo, transferências que somam R$ 50 mil de Júlio Quaresma Filho, presidente do Conselho Administrativo da cooperativa de crédito do próprio sindicato (Coopernapi), para João Batista Inocentini.
Consta no documento que Quaresma Filho também foi o sacador de um total de R$ 110 mil provenientes de conta bancária vinculada ao Sindnapi, em transações realizadas em 19 de março de 2020 e 8 de julho de 2021.
Inocentini também repassou, segundo o Coaf, R$ 188,2 mil para Erik Lima de Santana, sócio administrador da Santmax Engenharia e Serviços, empresa de construção de edifícios. A empresa recebeu outros R$ 57,5 mil de Inocentini.
Além dos montantes repassado por Incentini, a Santmax também recebeu R$ 1,1 milhão do Sindnapi, embora esteja registrada em endereço residencial e não apresente funcionários no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) desde 2018.
Segundo a investigação, operações “igualmente suspeitas” também alcançaram os familiares de Inocentini, como o repasse de R$ 308,9 mil ao escritório de advocacia do genro e uma transação imobiliária realizada pela viúva por valor cinco cinco vezes maior que o estimado.
Outro membro da diretoria do sindicato, o atual presidente Milton Baptista de Souza Filho, também é citado nas transações suspeitas, tendo recebido R$ 231,4 mil de Leonardo Cerquinho Monteiro, ligado à entidade.
Milton Cavalo, segundo os documentos, também movimentou cerca de R$ 1,1 milhão por meio da cooperativa Sicoob Credmetal, incluindo R$ 510 mil em saques em espécie.
Ainda, são apontadas como movimentações suspeitas aportes e resgates em previdência privada realizados por Luiz Antônio Adriano da Silva nos montantes de R$ 220 mil, R$ 40 mil e R$ 52 mil.
Também é citado pelo Coaf que o diretor nacional tesoureiro, Anísio Ferreira de Souza, efetuou saque de R$ 57,3 mil e remeteu outros R$ 66 mil à Hengeserv Facilities. Já Carlos Cavalcante de Lacerda, diretor nacional de assuntos previdenciários, aparece como recipiente de R$ 122,3 mil vindos do Star Bank S/A.
Os investigados poderão responder pelos crimes de corrupção ativa, passiva, violação de sigilo funcional, falsificação de documento, organização criminosa e lavagem de capitais
Operações suspeitas com empresas
Outras comunicações financeiras obtidas no âmbito das investigações detalham operações envolvendo terceiros e empresas recém constituídas, que, segundo a PF, “ reproduziram o mesmo padrão de dissimulação patrimonial”.
Dentre elas, a corporação destaca a transferência de R$ 5 mil, do Sindnapi para um morador de Lagarto (SE), local onde foi deflagrada a primeira fase da operação Sem Desconto. A movimentação, de acordo com a PF, ocorreu “sem justificativa aparente”.
Também consta na informação do Coaf o repasse de R$ 16, 9 mil de Leonardo Cerquinho Monteiro à uma ex-sócia de empresa ligada ao genro do ex-presidente do sindicato. Monteiro também teria recebido R$ 28 mil de uma servidora federal e sócia da Ragulu Consultoria.
Já a cônjuge do Luiz Antônio Adriano da Silva, diretor secretário-geral, apareceu em aplicações e remessas cruzadas que somaram R$ 240 mil, R$ 137 mil e R$ 28 mil, respectivamente, “sugerindo movimentação circular de recursos entre cônjuges”.
A corporação também cita um servidor da Procuradoria-Geral de Recipe (PE), que aparece como remetente de R$ 81 mil para Leonardo Cerquinho Monteiro.
Constam igualmente nos documentos transações entre duas empresas suspeitas. Segundo a PF, uma delas, uma construtora constituída em janeiro de 2022 e sem qualquer funcionário registrado, recebeu R$ 363 mil da Santmax Engenharia.
Por fim, a PF destaca a suposta atuação de diretoras e gestoras vinculadas ao sindicato, como Sonia Maria Pereira, titular de movimentação imobiliária de R$ 2,3 milhões por meio da SMP Empreendimentos, e Maria Antônia Rodrigues Magalhães, com transação de R$ 95 mil “igualmente suspeita”.
“Esse conjunto revela fluxo sistemático de recursos, desprovido de justificativa econômica plausível, reproduzindo padrão típico de lavagem de dinheiro e desvio de ativos sindicais”, conclui a PF.
Crescimento do Sindnapi
Como mostrou a coluna, a investigação aponta que o Sindnapi foi uma das entidades que mais desviou dinheiro dos aposentados
Na decisão autorizando as ações da PF, o ministro André Mendonça se valeu de dados da corporação para mostrar o crescimento da arrecadação da entidade com descontos de aposentados.
O sindicato efetuava, em 2021, 237.699 mil descontos. Em 2022, esse número subiu para 325.603 e, em 2023, alcançou 366.207.
Em relação aos valores recebidos dos descontos, a decisão aponta que foram R$ 41 milhões em 2021. No ano seguinte, o valor chegou a R$ 88 milhões e, em 2023, foram R$ 149 milhões.
“Entre 2023 e 2024, o Sindinapi seguiu trajetória expansiva: 67.255 adesões somente em julho de 2023 e 63.133 em junho de 2024 (números constantes do Relatório de Avaliação n. 1.680.913 da Controladoria-Geral da União). A maior parte desses filiados, no entanto, não haviam legitimamente se associado à instituição: entre 2023 e 2024, registraram-se 47.650 pedidos de exclusão de filiação mantida junto à Sindinapi”, diz trecho da decisão.
Defesa
A coluna questionou o Sindnapi sobre o teor das informações da PF. Em nota, o sindicato afirma que desconhece o teor da investigação da corporação que serviu de base para a decisão do ministro André Mendonça e, portanto, a entidade pode apenas responder “pelos nossos atos, amparados em uma contabilidade verificável e pela transparência administrativa e jurídica”.
Sobre o crescimento do número de associados, o Sindnapi afirma que isso se deu em função dos serviços efetivos que prestamos como assistência jurídica e previdenciária, descontos em farmácias, auxílio funeral, cursos diversos para socialização, cultura e saúde e colônia de férias, entre outras atividades.
“Repetitivo dizer ainda que o Sindnapi é uma entidade de caráter sindical que atua em defesa dos direitos dos aposentados e pensionistas desde a sua fundação, em 2000. Vale dizer que o número de associados cresceu na época da pandemia pela própria característica dos associados que tem e pelo fato de oferecer benefícios como descontos nos preços dos remédios e auxílio funeral”, ressalta a entidade.
Por fim, o Sindnapi também diz que o bloqueio judicial da entidade é “abusivo” e está sendo objeto de recurso para que se obtenha a sua imediata suspensão.
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