Pode não ser a Segurança (por Mary Zaidan)
Temas que lideram a preocupação popular são tratados como ativo eleitoral, mas mudam muito e têm pouco impacto nas urnas
Segurança Pública dominará o debate e será decisiva nas eleições do ano que vem. Ou não. Pelo menos é o que indica a série histórica de pesquisas sobre as maiores preocupações dos brasileiros. Na última década, o primeiro lugar no ranking das aflições nacionais passou por corrupção, saúde, economia (inflação) e segurança, registrada em 2014 e novamente agora. Nada que não mude de uma hora para outra em um país com tantos males, no qual nenhuma das angústias populares foi solucionada.
Ações do PCC em São Paulo e crescimento do crime no Nordeste capitanearam o horror de 2014, ano em que os números alarmantes de homicídios, com destaque para jovens mortos, superaram os de muitas guerras pelo mundo. À época, a ONU chegou a dizer que o Brasil vivia uma “epidemia de violência”. Menos de um ano depois, as denúncias da Lava Jato reacenderam o repúdio à corrupção, que já havia sido o mal maior do país em 2005/2006 devido ao Mensalão. Sob a batuta do governo negacionista do ex Jair Bolsonaro, a Covid-19, com seus mais de 700 mil mortos, fez a saúde assumir o posto de problema número 1, posição que ocupou até 2022. No ano seguinte, e até abril de 2025, a inflação retornou à liderança que tivera em 2013, perdida de novo agora para a Segurança Pública depois da megaoperação nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio.
O histórico é didático. Fora a inflação, controlada a ferro e fogo pelo Banco Central na contramão da maioria dos políticos, tanto de esquerda quanto de direita, os demais problemas-campeões foram se revezando sem redução ou sequer algum esboço de solução. Não passaram de temas de exploração em campanhas eleitorais. O curioso é que, embora sempre presentes na ponta da língua dos candidatos nos anos em que eram a maior preocupação dos brasileiros, esses temas não marcaram muitos pontos no resultado das eleições majoritárias.
Em 2014, Dilma Rousseff venceu mesmo tendo contra si a Segurança Pública e a corrupção associada ao PT. Quatro anos mais tarde, com Lula preso em Curitiba e o agora ministro da Fazenda Fernando Haddad como candidato petista, Bolsonaro até usou o mote da corrupção, mas sua eleição é atribuída muito mais à campanha disruptiva, com bandeiras anti-sistema e o uso preciso das redes sociais. Em 2022, embora as questões relacionadas à saúde liderassem o ranking dos maiores problemas nacionais, Lula chegou ao terceiro mandato com o apelo pela democracia, questão que não estava em qualquer script, tampouco nas preocupações da população.
A angústia popular quanto a um tema ou outro se consolida pela farta exposição e espetacularização na mídia, há tempos fora do domínio dos canais tradicionais de jornalismo. Para além dos fatos, veem-se interpretações de uma infinidade de falsos “especialistas” para todos os temas, com opiniões que inadmitem contestações. Um ambiente no qual mentiras viram verdade, agora com o poderoso auxílio de imagem e voz da Inteligência Artificial.
Talvez por essa multiplicação de canais e pela qualificação das pessoas em caixinhas – direita, esquerda, bolsonaristas, lulistas, independentes … -, as pesquisas de opinião sobre preocupação nacional têm colhido resultados mais acelerados. Alguns, discutíveis.
Poucos dias depois da morte de 4 policiais e 117 “suspeitos” no Alemão e na Penha, a opinião da população pró-megaoperação estava formada e firme. Não só nas comunidades envolvidas, mas em todo o país. Na semana passada, desceu-se aos detalhes sobre como o brasileiro vê o Projeto Antifacção proposto pelo Governo Lula, em análise na Câmara, e até mesmo se a população era contra ou a favor de equiparar facções criminosas a terrorismo, como se a questão fosse de amplo domínio popular.
Aqui também os dados apurados são didáticos, e deveriam servir de norte aos candidatos que tentam transformar a insegurança da população em porto seguro de votos.
De acordo com a Quaest, 67% da população aprovaram a megaoperação do Rio, mas 55% não gostariam de ter experiência semelhante reproduzida em seus estados. Vale, portanto, a velha máxima: sou a favor da feira livre desde que não seja na minha rua.
Segurança Pública, sem dúvida, é o tema da vez. Há seis meses era inflação. Em eleições passadas, corrupção e saúde. Sabe-se lá o que será em abril ou setembro do ano que vem. Mas uma coisa é certa: as aferições das aflições populares que deveriam funcionar como indicadores para melhorar os serviços prestados só engordam discursos. Costumam não ter qualquer consequência, quanto mais solução, e serem completamente esquecidas quando substituídas pelo drama seguinte. Foi e continuará assim. Resta saber qual será a próxima.
Mary Zaidan é jornalista
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