Polêmicas com teatros e recursos incendeiam guerra cultural em SP

Setor cultural na cidade de São Paulo tem sido alvo de pressões da esquerda e da direita. Polêmicas vão de gestão de teatros a orçamento

Oct 11, 2025 - 04:30
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Polêmicas com teatros e recursos incendeiam guerra cultural em SP

Polêmicas envolvendo o setor teatral, críticas sobre repasses a programas de fomento à cultura e pressões políticas de grupos de direita e de esquerda desencadearam uma verdadeira guerra cultural na cidade de São Paulo que tem escalado nos últimos meses.

De um lado, a Prefeitura paulistana tem sido acusada por produtores culturais e políticos de oposição de desidratar projetos da área e eliminar espaços como teatros populares.

Em outra frente, vereadores mais conservadores da base aliada do prefeito Ricardo Nunes (MDB) seguem pressionando a gestão contra o que acreditam ser um aparelhamento da área cultural na cidade por grupos de esquerda.

A gestão emedebista refuta as críticas e afirma ser “irresponsável e leviana a tentativa de politizar, com uma série de equívocos, um tema tão importante como a cultura” (leia mais abaixo).

A política, no entanto, está no cerne de uma série de polêmicas no setor que viraram munição para a oposição e até alvo de investigação.

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Teatros desalojados

Em fevereiro deste ano, a gestão demoliu o Teatro Vento Forte, no Parque do Povo, um local tombado na zona oeste da cidade, sem autorização do Condephaat, órgão de defesa do patrimônio histórico.

A administração acabou virando alvo de investigação do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e prometeu reconstruir o espaço — está em curso o projeto de um novo espaço cultural e esportivo no parque, com participação dos fundadores do Teatro Vento Forte.

Segundo a prefeitura, a estrutura de alvenaria havia sido construída irregularmente em 2012, sem autorização do Condephaat, e encontrava-se em condições precárias.

A gestão afirma que a demolição foi avisada previamente e que ofereceu um espaço no Centro Cultural da Diversidade, a cerca de 400 metros do local, para que a companhia pudesse retomar suas atividades.

Depois disso, foi alvo de protestos pelo processo de despejo da Companhia Munguzá de Teatro do endereço onde funciona o Teatro de Contêiner, na rua dos Gusmões, e no espaço de um prédio da rua General Couto Magalhães, ambas na Luz, onde a gestão pretende construir unidades habitacionais.

O episódio chegou a gerar confronto entre artistas e a Guarda Civil Metropolitana (GCM), durante uma manifestação organizada pelos ocupantes da área às vésperas do prazo para o grupo deixar o espaço.

Segundo a gestão municipal, em um ano, o Mungunzá recebeu quatro ofertas de terrenos da prefeitura, todos na região central e maiores que a atual área onde o teatro está instalado. As negociações, afirma, seguem em curso.

“Após a desocupação, a área passará por um processo de revitalização da região, com a construção de unidades habitacionais e espaços de lazer”, diz a gestão.

Polêmica do Theatro Municipal

Mais recentemente, a prefeitura pediu o cancelamento do contrato de gestão do Theatro Municipal com a ONG Sustenidos, após manifestação de um funcionário da entidade sobre o assassinato do ativista conservador norte-americano Charlie Kirk.

A postagem foi alvo de uma enxurrada de críticas de políticos de direita nas redes sociais, puxadas por um post do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG). O movimento fez parte de uma onda no meio digital promovida por bolsonaristas, que passaram a expor e a rebater posts e comentários críticos sobre a figura de Kirk.

Após o episódio, o vereador Adrilles Jorge (União Brasil) protocolou um ofício pedindo o afastamento da Sustenidos do Theatro Municipal, chamando a entidade de uma “organização pseudo artística que endossou a comemoração do assassinato de Charlie Kirk”.

“Esta organização usava a arte no Theatro Municipal, o maior patrimônio artístico da América Latina, para promover ideia de esquerda e agora celebrar assassinato de conservadores. Assim que a esquerda age: aparelhando toda a cultura e a educação para manipular a cabeça das pessoas. Chega! Esta gente tem que ser expulsa, expurgada”, escreveu o parlamentar bolsonarista nas redes sociais, em 20 de setembro.

Segundo a prefeitura, “o pedido de cancelamento do contrato com a atual gestora do Theatro Municipal seguiu rigorosamente a legislação e as normas administrativas, após apontamentos de irregularidades do Tribunal de Contas do Município”.

“A consulta pública sobre o chamamento para o novo contrato de gestão está em fase final, e o edital para a contratação da nova organização será lançado em breve. Qualquer análise que fuja desse propósito, seja dos movimentos como do próprio portal, é leviana e não encontra qualquer respaldo na realidade”, afirma.

Batalha cultural

  • Em fevereiro deste ano, no início do segundo mandato de Ricardo Nunes, o Metrópoles mostrou que, sob o comando de Totó Parente (MDB), ex-vereador de Cuiabá (MT) que já exerceu cargos nos governos petistas de Dilma Rousseff e Lula, a Secretaria Municipal da Cultura vinha sendo pressionada por movimentos de direita e de esquerda, que cobravam mudanças na área e criticavam ações do mandato anterior do prefeito.
  • Se por um lado artistas que apoiaram o prefeito na campanha pela reeleição falavam que a pasta foi “aparelhada” nos últimos anos pelo que chamam de “cultura woke” – expressão usada para identificar pautas identitárias, ligadas à defesa das minorias, por outro lado, movimentos culturais progressistas também cobravam mudanças na área.
  • As críticas da esquerda diziam respeito à falta de participação popular na gestão das Casas de Cultura — ameaçadas de privatização no primeiro mandato de Nunes —, e aos atrasos na publicação de editais e no pagamento a produtores culturais, que teriam acontecido nos últimos anos.

Verba para cultura

Um dos pontos que mais tem mobilizado movimentos culturais, porém, é o repasse de dinheiro para projetos culturais. O programa de fomento ao forró, por exemplo, teve o orçamento de R$ 3,2 milhões reduzido para R$ 254 mil (queda de 92%). Segundo dados oficiais, a Lei de Fomento ao Teatro teve, até agora, 32% dos R$ 26,1 milhões previstos em orçamento executados.

Para o produtor cultural José Renato, um dos organizadores da Festa Literária Internacional Pirata das Editoras Independentes (Flipei), “há um viés ideológico de perseguição aos movimentos culturais que, na sua base, são oposição a esse governo”.

A Flipei foi proibida de usar a Praça das Artes, no centro, pela Fundação Theatro Municipal, sob a alegação de que a decisão foi baseada em razão do “uso político do evento por parte dos organizadores”. Na ocasião, a decisão foi acusada de censura.

Segundo a prefeitura, “no lugar de um festival para promover a literatura independente, de grande valia, a feira tinha na programação conteúdo exclusivamente de apelo ideológico, com indisfarçável viés eleitoral”.

Para o vereador Dheison Silva (PT), presidente da Subcomissão de Cultura da Câmara Municipal, “a Secretaria de Cultura está virando uma grande produtora de eventos” e tem “dificuldade orçamentária” porque “apostou muito na Virada Cultural”, realizada em maio.

De acordo com dados da transparência do município, o orçamento inicial previsto para a Virada Cultural, classificada pela gestão Nunes como a maior da história, era de R$ 11 milhões. O recurso empenhado, no entanto, chegou a quase R$ 57 milhões.

No total, o orçamento da cultura subiu de R$ 848 milhões para R$ 1 bilhão. Até a sexta-feira (10/10), R$ 584 milhões haviam sido liquidados.

Segundo a prefeitura, “não há qualquer alteração na execução orçamentária dos programas mencionados, em relação a anos anteriores”. A gestão afirma que “os valores orçamentários empenhados para o fomento ao teatro chegam a 65% do valor orçado”. De um total de R$ 24 milhões, diz, R$ 15,8 milhões já foram reservados.

“A atual gestão investe e fomenta ações culturais em toda a cidade, tanto que é responsável por iniciativas inéditas como a inauguração, no mês passado, da maior Casa de Cultura da capital, em Cidade Ademar, na zona sul, e a entrega de quatro teatros instalados em CEUs da periferia”, afirma a prefeitura.

Direita quer mais

Além de movimentos culturais e grupos de oposição, uma ala da direita também demonstra insatisfação com o que seria um controle ideológico das produções. O vereador Adrilles Jorge, por exemplo, aponta um suposto domínio dos equipamentos culturais pela esquerda.

“A esquerda domina a cultura aqui na prefeitura. O próprio exemplo da Sustenidos é assim. Eles recusaram a afastar os caras. Infelizmente, a direita age como se a cultura e a educação fossem praticamente nichos da esquerda”, disse.

Adrilles afirma que há restrições a suas emendas e criticou o patrocínio a shows de funk e hip-hop.

“Esse negócio de fazer show de funk, de hip-hop, isso a iniciativa privada já faz a torto e a direito. Você tem que dar um princípio de grau de cultura de excelência, de alta cultura. Você fazer uma produção de ópera, você fazer uma produção de música clássica, uma produção de grande teatro. Dar à população aquilo que ela não tem”, disse.

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