“Pra que denunciar?”: vítima de pastor critica arquivamento do caso
Mulher que acusa pastor de assédio sexual questiona efetividade das denúncias após Ministério Público arquivar inquérito sobre o caso

Uma das mulheres que denunciaram o pastor evangélico Humberto Lima Miguez por assédio e importunação sexual à polícia, disse ao Metrópoles estar “em choque” com o arquivamento do inquérito pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP). O caso foi arquivado a pedido da promotoria nessa segunda (16/6), com anuência da Justiça.
“Sem justiça, sem punição, pra que denunciar?”, questiona aquela que seria a vítima mais recente do pastor, e que reuniu um grupo de mulheres para levar o caso à polícia.
Assim como nas outras matérias sobre o caso, as mulheres não serão identificadas. As denunciantes preferem manter o anonimato para evitar represálias.
“A gente queria a justiça pelo que ele fez. Porque senão vai ficar muito fácil pra ele, né? E a gente vai tentar recorrer, vai fazer o que pode, o que estiver no nosso alcance”, destacou uma das religiosas. As vítimas pretendem entrar com um recurso contra o arquivamento, ou acionar a Justiça através da esfera cível.
Conforme revelado pelo Metrópoles, o líder religioso falava em “ungir as partes íntimas” das mulheres que frequentavam a Igreja Evangélica Crescendo em Cristo (IECC), na zona leste de São Paulo. Pelo menos sete fiéis registraram boletins de ocorrência contra o pastor, que teria feito entre 25 e 40 vítimas, segundo os relatos.
O pastor abordava as mulheres principalmente por mensagens, com insinuações sexuais. Ele também já se aproximou das fiéis na igreja com toques sugestivos e comentando sobre as roupas íntimas que elas vestiam, disseram as religiosas à reportagem.
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Padre pediu a vítima de assédio desculpas por "ousadia".2 de 5
Pastor acusado de assédia pedia para vítimas apagarem mensagens.3 de 5
Esposa do pastor abordou vítimas.Reprodução4 de 5
Esposa de pastor acusado de assédio afirmou que ele estaria 5 de 5
Pastor Humberto Miguez, da Igreja Evangélica Crescendo em Cristo (IECC), na zona leste de São Paulo, acusado de assediar ao menos 25 mulheres. - MetrópolesReprodução/Instagram
Justificativa do arquivamento
Na promoção de arquivamento, a promotora Cristiane Yoko Shida justificou que, embora as insinuações do pastor sejam “invasivas e reprováveis”, elas não configuram os crimes de importunação e assédio sexual, conforme descrevem os artigos 215 e 216 do Código Penal.
“As vítimas relatam, sim, um profundo desconforto e o sentimento de terem sido violadas em sua privacidade e dignidade. Contudo, a materialidade típica do assédio sexual, que se manifesta na busca por um benefício sexual derivado da posição de poder, não se mostra suficientemente delineada na forma exigida para a propositura de uma ação penal”, escreveu a promotora.
Segundo ela, as condutas do pastor, embora claramente abusivas do ponto de vista ético e moral, “não revelam a exigência de uma vantagem ou favorecimento sexual por meio de constrangimento decorrente da hierarquia, mas sim um padrão de comunicação e abordagem de caráter excessivamente íntimo e inadequado”.
Shida destacou ainda que, embora as ações do pastor sejam reprováveis e demonstrem “profundo desrespeito pela dignidade da vítima”, a ausência de um “ato libidinoso” ou ainda outros elementos que reflitam a materialidade do assédio e da importunação impedem o avanço da persecução criminal.
A promotora usou de exemplo o caso de “ungir as partes íntimas” das fiéis, justificando que, na denúncia formalizada, a vítima menciona apenas uma sugestão do religioso, mas não o ato em si. Conforme apurado pelo Metrópoles, a mulher que diz ter sofrido um toque físico do pastor nesse sentido não registrou boletim de ocorrência.
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O que o pastor disse em depoimento
- Em depoimento à Polícia Civil, Humberto afirmou que “pode ter se excedido em algumas palavras” e que “acredita que fez isso por uma liberdade que era dada a ele pelo fato de ser uma autoridade espiritual”.
- O pastor reconheceu que algumas das insinuações que fez eram desnecessárias, mas negou que tenha feito qualquer comentário com conotação sexual.
- Ele também afirmou que chegou a se interessar por uma das vítimas “como mulher”, mas não a assediou sexualmente.
- Questionado do porquê teria pedido para uma das mulheres apagar as mensagens que enviou, Humberto afirmou que era pelo histórico de agressividade do marido dela.
- Questionado também sobre o episódio em que elogiou a calcinha de uma fiel, o pastor disse ter pedido à mulher que ela evitasse usar “aqueles trajes” [que marcavam a peça íntima] na igreja.
- O pastor e a IECC foram procurados pela reportagem, mas não responderam até a última atualização deste texto.
Retaliações
As vítimas de assédio sexual dizem que vêm sofrendo retaliações por membros da igreja desde que o caso veio à tona – primeiro, para a comunidade religiosa, e depois para a imprensa.
Segundo as mulheres, os membros da igreja vão às redes sociais comentar o caso de forma jocosa, colocando em dúvida o teor dos episódios de assédio sexual. A filha de uma das vítimas, que está na faculdade, também teria sido intimidada por conta do tema no ambiente acadêmico.
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A filha de uma das vítimas, que está na faculdade, também teria sido intimidada por conta do tema no ambiente acadêmicoMaterial cedido ao Metrópoles2 de 2
Segundo as mulheres, os membros da igreja vão às redes sociais comentar o caso de forma jocosa, colocando em dúvida o teor dos episódios de assédio sexual
“A gente sofre essa retaliação toda, para no final dar isso. É muito triste”, disse uma das fiéis, se referindo ao arquivamento. “E o que a gente faz em um caso desse, então? A gente não denuncia?”, indaga a mulher.
Segundo ela, a posição do MPSP escancarou o que fez com que outras vítimas não denunciassem o pastor.
“As mulheres não queriam denunciar por isso, sabia? Muitas não queriam denunciar por isso. Tipo, eu tenho medo dele reverter a situação, ele tem dinheiro, e hoje eu fico abismada”, afirmou.
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Outra razão para denunciarem, de acordo com a vítima, é o medo que sentem de manchar a imagem da igreja. “Não é a gente, é ele que tá manchando”, destacou a vítima.
Sem chance de mostrar as provas e sem prestar depoimento
As mulheres que registraram, em conjunto, o boletim de ocorrência que resultou na instauração do inquérito, mais tarde arquivado a pedido do MPSP, dizem que não foram ouvidas pela promotoria. Segundo os relatos, elas também não tiveram chance de anexar as provas dos assédios no registro policial.
Segundo uma das vítimas, elas só tiveram oportunidade de relatar os episódios de assédio quando registraram os boletins de ocorrência (BOs), no espaço designado para detalhar o histórico da denúncia.
Apesar disso, o escrivão responsável por um dos registros, feito em conjunto por quatro vítimas, teria dispensado as provas que elas pretendiam anexar no BO.
“O escrivão falou ‘não, não tem problema’”, disse. “Fizemos tudo como foi mandado, certinho”, relatou a mulher.
O escrivão também teria incentivado fiéis que dizem ter sido assediadas há 15 anos, o que poderia enquadrá-las como testemunhas e não como vítimas pelo tempo decorrido, mas contribuiria com a força da denúncia.
Em nota, o MPSP afirmou que “o inquérito policial foi arquivado após a promotora de Justiça Cristiane Yoko Shida ter ouvido todas as vítimas”. O caso, ressaltou o órgão, está sob segredo de justiça.
O Metrópoles questionou a Secretaria da Segurança Pública (SSP) sobre a conduta do escrivão em não anexar as provas aos BOs. Não houve nenhum retorno até a última atualização desta reportagem.
Mais 3 BOs contra o pastor
Além do BO registrado em conjunto por quatro vítimas, que resultou na instauração de um inquérito policial mais tarde arquivado, outros três boletins de ocorrência foram feitos com denúncias de assédio e importunação sexual contra o pastor.
A reportagem também questionou a SSP se algum desses registros também levou à instauração de um inquérito e aguarda um posicionamento.
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