Preço de referência: escolha entre Brasil e investidores mundiais
Sanção sem vetos do artigo 15 da MP 1304 traz quase R$ 100 bilhões para estados e municípios investirem em educação, saúde e segurança
As recentes negociações em torno do tarifaço imposto pelo governo norte-americano ao Brasil levantou a questão da importância do governo federal de defender a soberania nacional diante de pressões internacionais. O tema volta à tona neste momento em que o presidente precisa decidir se sanciona ou veta o artigo 15 da MP 1304 aprovada pelo Congresso na semana passada.
Isso porque esse artigo, que cria uma norma para definição do preço de referência, também se trata de uma questão de soberania: vamos destinar quase R$ 100 bilhões em uma década para estados ou munícipios ou deixar que esses valores enriqueçam investidores em bolsas espalhadas por Nova York, Xangai, Londres e tantas outras espalhadas pelo mundo?
Hoje, o preço de referência do petróleo — base do cálculo de royalties e participações especiais — é definido mensalmente pela Agência Nacional de Petróleo (ANP).
A agência usa uma tabela própria, criada para estimar o valor do barril nacional. O problema é que essa tabela, segundo estudos independentes apresentados pela Refina Brasil, associação que reúne as refinarias independentes, ficou sistematicamente abaixo das cotações internacionais e provocou perdas superiores até R$ 100 bilhões em dez anos para União, estados e municípios.
O que isso significa na prática? Que a União e os entes federados têm menos recursos para investir em saúde, educação e segurança pública, setores diretamente beneficiados pela arrecadação de royalties e participações especiais e áreas que preocupam diariamente os brasileiros.
O artigo 15 da MP 1304 estabeleceu um novo parâmetro para o preço de referência. O cálculo passaria a considerar a média das cotações divulgadas por agências internacionais reconhecidas, como Argus e S&P Platts.
Se essas publicações não existirem para um determinado tipo de petróleo, o governo aplicaria critérios da OCDE já previstos na legislação tributária. E, em último caso, usaria uma fórmula definida por decreto presidencial.
O modelo atual, definido pela ANP, utiliza uma fórmula errada – pois despreza parâmetros de pureza do nosso óleo em comparação com o brand internacional, por exemplo.
Ela até foi corrigida recentemente, mas de maneira insuficiente para corrigir a diferença de 5% entre o preço de mercado e o de referência. O que impacta também no chamado preço de transferência.
O petróleo produzido aqui é vendido, no papel, para filiais da própria empresa em paraísos fiscais, usando o PRP como referência. Assim, diminui-se a base de cálculo de IR e CSLL.
Só depois, já fora da jurisdição brasileira, o mesmo petróleo é revendido ao destino final pelo preço real de mercado — garantindo às empresas a diferença econômica que deixou de ser tributada no país. Na prática, isso significa que exportar petróleo torna-se mais vantajoso do que vender internamente.
O Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) afirma que substituir o modelo de cálculo dos royalties vigente desde os anos 2000 pode fragilizar a eficiência do regime fiscal. Para a entidade, a alteração cria insegurança jurídica e ameaça investimentos no setor de óleo e gás.
Mas, a correção do cálculo do preço de referência tem efeitos profundos. Para grandes produtoras, significa recolher 4% a mais em média do que já pagam, com impacto menor do que 1% nas margens de lucro. Para o Brasil, implica arrecadação adicional de R$ 11 bi por ano e a operar unidade de se tornar autossuficiente no refino.
Para o setor de refino, trata-se de fortalecer a industrialização do país. Somos autossuficientes na exploração, mas não no refino de petróleo.
Em 2024, o país importou cerca de 600 mil barris por dia de derivados, mesmo sendo um dos maiores produtores de petróleo do mundo. O Brasil extrai hoje cerca de 5 milhões de barris de óleo e gás, segundo a ANP, e figura entre os três países mais atrativos do planeta para exploração, ao lado de EUA e Guiana.
Caso a nova metodologia do preço de referência seja sancionada, o setor passaria por uma transformação estrutural significativa. A justa precificação representaria maior oferta, menor necessidade de importação, maior rentabilidade, expansão do parque de refino, e geração de emprego e renda.
No caso de estados e municípios, a XP Investimentos calcula que a nova regra pode gerar até R$ 7,5 bilhões por ano em arrecadação adicional — sem aumentar impostos.
A Ompetro, entidade que representa os municípios produtores de petróleo, estima que só em 2024 a distorção retirou R$ 1,6 bilhão das cidades da região da Bacia de Campos.
A Ompetro, organização que representa os municípios produtores de petróleo, chamou a sanção de “medida de responsabilidade fiscal e soberania energética” em carta enviada ao Planalto, argumentando que o Brasil não pode continuar transferindo riqueza nacional a acionistas estrangeiros enquanto municípios produtores lidam com queda de arrecadação e aumento de custos sociais.
A sanção sem vetos também foi apoiada em uma carta aberta assinada pelo presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski.
A Refina Brasil, associação que reúne as refinarias independentes, declarou, em nota pública, que a correção do PRP é essencial para encerrar “uma lógica extrativista primária” que impede a expansão da capacidade de refino no país.
O parecer jurídico entregue pela Barral Parente Pinheiro Advogados a diversos ministérios afirma que esse cenário não é apenas economicamente problemático — é juridicamente insustentável.
A Lei do Petróleo determina, desde 1997, que royalties devem ser calculados com base em “preços de mercado”.
Como o PRP publicado pela ANP não segue esse critério, os atos podem ser considerados “eivados de vício” e passíveis de questionamento no Judiciário, inclusive com risco de ações retroativas por perdas federativas.
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