Prefeitura apura suposto desvio de R$ 62 milhões em obras do Jockey
Prefeitura irá investigar o destino de R$ 62 milhões que deveriam ter sido usados em obras de restauro do Jockey Clube de SP
A Prefeitura de São Paulo abriu uma auditoria para apurar qual foi o destino dos R$ 62 milhões arrecadados pelo Jockey Club na venda da chamada Transferência do Direito de Construir (TDC). O valor deveria ter sido aplicado para a restauração da infraestrutura da instituição, mas o Jockey ainda não conseguiu comprovar a sua aplicação, segundo a gestão municipal.
A TDC é um instrumento administrativo que consiste na comercialização do chamado potencial construtivo entre imóveis. É uma forma de compensar proprietários que não podem construir em seus terrenos, permitindo que vendam esse direito para quem quer construir em outro lugar da cidade. No caso de edificações tombadas, os proprietários perdem esse direito de aproveitar a totalidade de seus imóveis, por isso, comercializam uma área hipotética.
O critério para ter direito à comercialização de TDC é a preservação do patrimônio. No caso do Jockey, como a infraestrutura se encontrava comprometida, a instituição firmou um Termo de Compromisso com a Prefeitura em 2016, no qual ela se comprometeu a usar no restauro a verba adquirida com a venda do potencial construtivo.
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Desse período para cá, seis compradores se interessaram pelas TDCs do Jockey — cuja venda somam R$ 62 milhões. Como o Jockey fica em uma área ampla e está localizado em uma das regiões mais caras da cidade, a instituição solicitou a renovação do Temos de Compromisso do restauro com a Prefeitura. Pedido que também ocorre no contexto do pedido de recuperação judicial da entidade, que acumula débito de quase R$ 1 bilhão em de tributos municipais.
Prestação de contas do Jockey Clube de São Paulo
Para a renovação do termo, o Departamento do Patrimônio Histórico solicitou que a instituição prestasse contas da aplicação do recurso das primeiras vendas de TDCs. Em resposta, a instituição enviou uma série de notas fiscais relativas ao destino da verba captada por meio da Lei Rouanet.
Os documentos indicam, no entanto, que esse dinheiro foi usado em gastos da empresa responsável por gerir os recursos captados via Rouanet, incluindo almoço regados a vinho, aluguel de apartamento no Itaim Bibi no valor de R$ 5 mil, contas de água da gestora contratada, condomínio entre outros gastos.
Diante do exposto, a Secretaria Municipal de Cultura acionou a Auditoria Geral do Município para que seguisse o caminho dos R$ 62 milhões arrecadados pelo Jockey com a venda das TDCs.
Em sua defesa, o Jockey Clube argumenta que o envio de informações sobre a prestação de contas da Lei Rouanet foi feito “em razão de um equívoco no preenchimento da planilha” e que “a juntada inicial de documentos variados teve como único objetivo oferecer um panorama amplo das ações preservacionistas realizadas, muitas delas complementadas por recursos provenientes de outras fontes (como a Lei Rouanet/Pronac), sem qualquer intenção de procrastinação ou confusão processual” e que “todas as informações solicitadas sobre as despesas’ foram enviadas à gestão municipal (ver nota completa abaixo).
Briga política
Na semana passada, o Jockey Clube se tornou alvo de uma CPI na Câmara Municipal da cidade, que mudou o seu regulamento interno para investigar os gastos irregulares.
A instalação da CPI ocorre pouco tempo depois de o ex-presidente da Casa Milton Leite (União Brasil) entrar com notícia-crime contra advogados do clube por racismo. Político influente, Milton foi chamado de “antropoide desvairado” no pedido de recuperação judicial da entidade.
No documento de março de 2025, o Jockey questiona a atuação de Leite e da Prefeitura de São Paulo contra a manutenção da entidade. Os advogados Hoanes Koutoudjian, João Boyadjian, Vicente Paolillo e José Mauro Marques afirmam que a instituição foi alvo de “terrorismo estatal” e de um golpe que tentou ocupar o hipódromo à força. “Valendo reproduzir a advertência jornalística promovida pelo vereador citado, qual antropoide desvairado, verberava: ‘proprietários de cavalos, tirem seus cavalos de lá, porque serão presos’”, diz a peça.
Em nota, Leite afirmou que, passada a discussão sobre os méritos da ação judicial, reavaliou a maneira como foi citado. Além da ação criminal por racismo, ele disse que vai representar os profissionais na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
“Como homem negro que lutou a vida toda contra a discriminação, e que na função de presidente da Câmara Municipal de São Paulo cassou um vereador por racismo pela primeira vez na história, jamais me calarei diante de tamanho crime e absurdo”, disse Leite. “Lamento que, na intenção de defender seu cliente, tais advogados tenham ultrapassado os limites da ética, do respeito e da legalidade”, concluiu.
O que diz o Jockey
Em nota ao Metrópoles, o Jockey Clube escreveu que:
O Jockey Club de São Paulo esclarece que todas as informações solicitadas sobre as despesas com preservação, manutenção e conservação do conjunto tombado do Hipódromo Cidade Jardim já foram devidamente prestadas ao Departamento do Patrimônio Histórico (DPH) da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura da capital.Em razão de um equívoco no preenchimento da planilha, dados sobre a prestação de contas referente a verbas captadas via Lei Rouanet, que envolve obras de restauração do patrimônio histórico do Jockey com mais de 600 mil metros quadrados de área tombada, foram indevidamente incluídos. A juntada inicial de documentos variados teve como único objetivo oferecer um panorama amplo das ações preservacionistas realizadas, muitas delas complementadas por recursos provenientes de outras fontes (como a Lei Rouanet/Pronac), sem qualquer intenção de procrastinação ou confusão processual.
Com relação aos documentos pertinentes à destinação dos recursos oriundos da Transferência do Direito de Construir (TDC), o Relatório de Despesas de Manutenção e Preservação do Patrimônio (2019 a 2024) apresenta os valores que foram aplicados exclusivamente na preservação, conservação e manutenção das áreas tombadas ao longo de seis anos. Os números foram auditados por empresas de auditoria independentes, garantindo fidedignidade e transparência.
O montante abrange contratos e comprovantes de pagamento relacionados diretamente à manutenção de elementos protegidos pela Resolução CONPRESP nº 05/2013, excluindo despesas custeadas por outras legislações de incentivo. Importante frisar que os gastos com pessoal técnico, insumos, serviços de limpeza, máquinas, equipamentos, reparos, monitoramento, dentre outros, são indispensáveis e indissociáveis para preservação e conservação patrimonial, evitando danos estruturais e maiores custos de restauração futura.
O Jockey Club ressalta que o restauro vem ocorrendo a portas abertas, com o público tendo acesso aos progressos e resultados das obras já realizadas ou em andamento, reforçando o compromisso com a total transparência. A entidade reitera o compromisso com a boa-fé processual, conforme demonstrado em todas as manifestações anteriores, e reafirma a plena disposição para eventuais vistorias e esclarecimentos adicionais.
Por fim, o Jockey destaca que a preservação desse patrimônio centenário de extrema relevância nacional é indissociável da manutenção de suas atividades sociais, culturais e esportivas.
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