São Paulo entrega cadeira estratégica da reforma tributária à União
Indicação feita por Secretário da Fazenda ao Comitê Gestor do IBS abre precedente perigoso e entrega voz do Estado a interesses externos

O governo de São Paulo abriu mão de um direito que nenhum outro ente da Federação ousou abdicar. O maior estado do país decidiu não indicar um auditor fiscal de carreira para o Conselho Superior do Comitê Gestor do IBS — órgão central do novo sistema tributário. Em vez disso, o secretário da Fazenda e Planejamento, Samuel Kinoshita, nomeou como suplente o secretário executivo, Rogério Campos, que é procurador da Fazenda Nacional — um servidor federal com vínculo direto com a União.
Essa decisão é inédita, grave e coloca o contribuinte paulista em risco. Nenhum outro estado permitiu interferência da União em um espaço constitucionalmente reservado aos entes subnacionais. São Paulo entregou sua voz a quem, por definição, defende outros interesses.
A Reforma Tributária aprovada em 2023 promoveu uma reestruturação profunda no sistema de tributos sobre o consumo, incluindo a criação da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de competência federal, e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), cuja gestão será compartilhada exclusivamente entre estados, municípios e o Distrito Federal.
Para garantir essa governança, a Constituição criou o Comitê Gestor do IBS, vedando expressamente qualquer participação da União nesse espaço. Trata-se de uma conquista do pacto federativo, essencial para assegurar que cada ente da Federação tenha voz própria nas decisões sobre a arrecadação e a distribuição dos recursos públicos.
Com a decisão de Kinoshita, São Paulo está abrindo mão da autonomia e permitindo que a União tenha influência indireta sobre um imposto que deveria ser gerido localmente.
A escolha do governo paulista não apenas ignora o espírito da Reforma Tributária, como rompe com a lógica constitucional da gestão federativa do IBS. É um precedente institucional perigoso, que enfraquece a autonomia dos estados e municípios — e, por consequência, coloca em risco os interesses do contribuinte paulista.
O Comitê Gestor do IBS será responsável por definir as regras de arrecadação, fiscalização e partilha do novo imposto. As decisões impactarão diretamente o financiamento de políticas públicas em saúde, educação, segurança, transporte e infraestrutura em todos os municípios e estados do país.
Como aceitar que São Paulo seja representado, mesmo que em suplência, por um procurador da União — cuja função institucional é litigar em defesa da Fazenda Nacional? A suspeição é automática. O conflito de interesses, inegável.
É o bolso do cidadão paulista que está em jogo. O contribuinte paulista precisa de garantias reais de que os recursos arrecadados aqui serão usados aqui, de forma justa, técnica e independente.
Entregar a cadeira de São Paulo a alguém com vínculos funcionais com a União é fragilizar essa garantia.
A própria Constituição Federal reforça a gravidade dessa escolha. No artigo 37, inciso XXII, está previsto que as administrações tributárias são atividades essenciais ao funcionamento do Estado e devem ser exercidas por servidores de carreiras específicas — ou seja, por auditores fiscais, com estabilidade e vínculo direto com o ente que representam.
O artigo 156-A, por sua vez, estabelece que a competência para instituir o IBS será compartilhada exclusivamente entre estados, Distrito Federal e municípios — deixando a União fora dessa governança. E mais: as funções do Comitê Gestor, como arrecadação, fiscalização e interpretação da legislação, são tarefas típicas da administração tributária e, portanto, devem ser conduzidas por quem tem formação, experiência técnica e compromisso institucional com o estado que representa.
O governo de São Paulo, que deveria liderar pelo exemplo, optou por liderar pelo erro. Mas, ainda há tempo para corrigir esse rumo. Indicar um auditor fiscal estadual — como fizeram todos os demais estados — é um dever legal, ético e constitucional. É um compromisso com os cidadãos paulistas e com os princípios constitucionais que sustentam a democracia fiscal no Brasil.
O secretário Samuel Kinoshita precisa rever a escolha. Defender os interesses de São Paulo no Comitê Gestor do IBS é garantir que os recursos públicos sejam geridos com autonomia, técnica e justiça. E isso diz respeito a todos nós, cidadãos paulistas.
Porque o que está em jogo não é uma cadeira. É o futuro da política tributária e da autonomia federativa no Brasil.
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* Por Devanir Zuliani – Auditor Fiscal da Receita Estadual de São Paulo e presidente do Sinafresp
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