TJSP muda nome de juiz Edward, que usou identidade falsa por 45 anos
Ato da presidência do TJSP publicado nesta quarta-feira (25/6) altera o nome do juiz de Edward Wickfield para José Eduardo Franco dos Reis

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) alterou o nome do juiz aposentado José Eduardo Franco dos Reis, de 67 anos, em um ato da presidência da Corte publicado nesta quarta-feira (25/6) no Diário da Justiça Eletrônico. O magistrado usou o nome falso Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield para assinar sentenças por 45 anos.
“No título de nomeação do Doutor EDWARD ALBERT LANCELOT DODD-CANTERBURY CATERHAM WICKFIELD, Juiz de Direito aposentado, alterando o nome de Sua Excelência para JOSÉ EDUARDO FRANCO DOS REIS”, determinou a presidência no documento.
Denunciado pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) por falsidade ideológica, José Eduardo Franco dos Reis foi juiz do Tribunal de Justiça paulista até 2018. A partir da denúncia, a Justiça instaurou um procedimento administrativo contra o juiz em 7 de abril deste ano. Antes disso, o tribunal já havia suspendido pagamentos de qualquer natureza ao magistrado.
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José Eduardo Franco dos Reis é o nome verdadeiro do juiz aposentado Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, segundo MPSPReprodução2 de 4
O documento com nome falso usado pelo juiz José Eduardo Franco dos ReisReprodução3 de 4
Tribunal de Justiça de São Paulo, no centro da capitalGetty Images4 de 4
Juiz aposentado é denunciado pelo MPSP por falsidade ideológicaArte Metrópoles
A farsa de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield
- Com a identidade falsa, José Eduardo Franco dos Reis se matriculou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e, em 1995, passou em um concurso para juiz.
- Em entrevista sobre a aprovação para o cargo naquela ocasião, ele, já atendendo como Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, afirmou ser descendente de nobres britânicos. Seu avô teria sido um juiz no Reino Unido, dizia.
- O acusado também conseguiu tirar habilitação e comprou um carro usando o nome de Edward.
- Como juiz, trabalhou até se aposentar em 2018. Em fevereiro deste ano, ele ganhou, com vencimentos brutos, o valor de R$ 166 mil. O valor líquido ficou em R$ 143 mil.
- Apesar da identidade falsa, a investigação cita que José Eduardo também manteve sua identidade verdadeira em uso e chegou a pegar segunda via do RG verdadeiro em 1993. Na ocasião, ele disse que trabalhava no centro da capital paulista como vendedor.
Segundo a Corte, uma apuração disciplinar foi aberta, mas o procedimento tramita em sigilo. Inicialmente, por se tratar de um magistrado aposentado, o TJSP disse que não havia providências administrativas a serem tomadas.
Defesa alega transtorno psiquiátrico
A defesa do juiz José Eduardo Franco dos Reis afirmou à Justiça que o homem apresenta características que podem ser associadas ao diagnóstico de Transtorno de Personalidade Esquizóide (TPE).
Os advogados Alberto Toron e Renato Marques Martins anexaram um laudo médico em resposta à acusação apresentada na ação penal em que José Eduardo é réu. Eles pedem que a Justiça instaure um incidente de insanidade mental, para que o estado psicológico de José Eduardo seja avaliado.
Segundo o laudo, Reis desenvolveu o TPE após uma decepção com a vida no exterior e a frustração por não ter conseguido realizar o sonho de viver em um país de língua inglesa. Ele teria criado o novo nome como uma forma de renascer como outra pessoa.
Em entrevista ao Metrópoles, o advogado Alberto Toron, que está à frente do caso, afirmou que o homem não pode ser condenado pelo crime, pois não obteve vantagens com a farsa.
“É um homem que teve uma vida irrepreensível, tanto privada como pública. Quanto à questão da falsidade ideológica, ela só se caracteriza quando você falseia a verdade com o fim de obter uma vantagem indevida. Ele nunca obteve nenhuma vantagem indevida trocando o nome”, afirmou Toron.
O advogado disse que não poderia falar sobre os motivos que levaram o cliente a usar outro nome, mas descreveu a história como “triste” e de “caráter existencial”.
Como surgiu a suspeita?
O MPSP denunciou José Eduardo por falsidade ideológica e uso de documento falso. O órgão pediu que os documentos feitos em nome de Edward fossem cancelados, além de solicitar a entrega do passaporte do suspeito e pedir que a Justiça o proíba de deixar a cidade.
Segundo a denúncia oferecida à Justiça em 27 de fevereiro, no dia 3 de outubro de 2024, José Eduardo compareceu ao Poupatempo Sé para solicitar a segunda via do RG, afirmando ser Edward Albert. Na ocasião, ele apresentou uma certidão de nascimento falsificada com o nome de origem inglesa.
O Poupatempo colheu, então, as impressões digitais do suposto Edward para fazer a nova via do RG. Quando as digitais entraram nos sistemas de identificação automatizados, no entanto, o computador apontou que elas pertenciam, na verdade, a um homem chamado José Eduardo Franco dos Reis.
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Por causa das inconsistências, a Polícia Civil abriu uma investigação contra o suspeito, que terminou apontando uma duplicidade de registros. José Eduardo tinha conseguido não apenas fazer um documento de identidade em nome de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, como também tinha título de eleitor, CPF e passaporte com a identidade falsa, de acordo com a denúncia.
Quem é José Eduardo?
Nascido em Águas da Prata, no interior paulista, José Eduardo tem 67 anos e afirmou à polícia ser um artesão. Segundo a investigação, ele é filho de pais brasileiros. O MPSP afirma que o homem criou um personagem fictício, Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, em 1980.
Em 19 de setembro daquele ano, o paulista foi ao Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD) e afirmou ser filho de Richard Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield e de Anne Marie Dubois Vicent Wickfield para conseguir uma identidade.
O MPSP diz que ele apresentou cópias falsas de um certificado de dispensa do Exército, uma carteira de servidor do Ministério Público do Trabalho e uma carteira de trabalho, além de um título de eleitor com o nome de Edward, para conseguir a identidade. A Promotoria afirma que, naquela época, o IIRGD ainda não estava aparelhado para identificar a fraude.
Nome com referências à literatura
Como mostrou o Metrópoles, a alcunha escolhida pelo juiz aposentado tem referências na literatura inglesa, em clássicos de Charles Dickens e Geoffrey Chaucer. Partes do sobrenome também podem ser conectadas a uma cidade da Inglaterra e à história do Rei Artur, da cultura medieval da região.
Os dois primeiros nomes, Edward Albert, são os mesmos do autor do livro “História da Literatura Inglesa”, publicado pela primeira vez em 1923, na Grã-Bretanha. Lancelot, por sua vez, é o nome do homem que tem um caso com a esposa do Rei Artur, na famosa história medieval europeia.
Já Canterbury lembra “The Canterbury Tales”, a coleção de histórias de Geoffrey Chaucer, enquanto Caterham é o nome de uma cidade inglesa. Wickfield, por fim, é o sobrenome da personagem Agnes Wickfield, do romance David Copperfield, de Charles Dickens.
O que o denunciado disse à Polícia?
Em depoimento à Polícia Civil em dezembro de 2024, José Eduardo afirmou que, após a morte de seu pai, sua mãe contou que ele tinha um irmão gêmeo. A criança teria sido doada a outra família e seria Edward Albert.
O acusado disse que conheceu o suposto irmão no início da década de 1980, quando Edward “veio ao Brasil”. Segundo ele, o irmão teria vivido aqui até se aposentar, mudando depois para Londres, na Inglaterra.
José Eduardo contou que foi ao Poupatempo da Sé para fazer uma segunda via do RG do irmão, a pedido dele. A versão não convenceu os investigadores.
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