Tortura: detento diz que agentes de presídio o coagiram a atacar juiz
Após inspeção, chefe do CV preso na Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino Leite afirma que foi ameaçado para que atacasse autoridades
A coluna obteve acesso ao vídeo do depoimento de um detento da Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino Leite Ferreira, conhecida como Ferrugem, em Sinop (MT), no qual ele relata supostos planos de policiais penais para atacar autoridades que coordenaram uma inspeção e apontaram a prática de tortura contra custodiados na unidade.
Na oitiva, o preso — apontado como um dos chefes do Comando Vermelho (CV) na região — afirmou que agentes, supostamente a mando da gestão do presídio, teriam solicitado que ele tentasse agredir um juiz e um promotor de Justiça durante uma audiência. Segundo o relato, os policiais penais teriam deixado propositalmente suas algemas folgadas para facilitar a ação.
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Em troca da agressão, o detento diz que seria beneficiado, em até seis meses, com autorização para deixar o presídio e trabalhar.
Ele cita Adalberto Dias de Oliveira, diretor da Penitenciária, e o subdiretor Antônio Carlos Negreiros dos Santos como os responsáveis por ordenar que os agentes penitenciários os ameaçassem.
No entanto, o homem revelou o plano durante o depoimento e exibiu as algemas soltas às autoridades. Diante da denúncia, os responsáveis pela oitiva procuraram os policiais penais que deveriam estar responsáveis pela segurança do corredor, mas nenhum deles foi localizado.
“Ele falou para eu agredir os meritíssimos que tivesse na mesa.Pra mim agredir e tá queimando a imagem do pessoal que ta vindo aqui e colocando nós como agressores e aí ele ia me dar uma oportunidade daqui seis meses, se eu fosse para a igreja ele ia me tirar pra trabalhar (sic)”.
Segundo o custodiado, a ausência dos agentes nas proximidades da sala de audiência teria ocorrido de forma orquestrada, justamente para permitir um eventual ataque às autoridades.
Após revelar o plano, porém, ele afirma que passou a ser ameaçado de morte. “Dois agentes citou o nome do Negreiros e ele também me ameaçou. Falou que vai dar um jeito, de qualquer forma, de sumir comigo (sic)”, contou.
O preso encerra o depoimento pedindo transferência urgente para outro presídio. “Eu nem tô comendo, eu tô com medo deles me envenenar aqui, eu não vou comer (sic)”, declarou.
A Secretaria de Estado de Justiça (Sejus) informou que recebeu, no dia 12 de dezembro, o relatório de inspeção realizado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT).
A pasta destacou que, ao longo de 2025, não houve registro de denúncia formal, em qualquer órgão fiscalizador, sobre supostos casos de tortura na referida penitenciária.
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A inspeção foi feita em outubro deste anoMaterial cedido ao Mterópoles
Imagens obtidas pela coluna reforçam as denúncias Material cedido ao Mterópoles
Em uma das gravações, um policial penal utiliza spray de pimenta como forma de puniçãoMaterial cedido ao Mterópoles
Além das denúncias de violência física e psicológica, a inspeção escancarou a omissão no atendimento à saúde dos presosMaterial cedido ao Mterópoles
Segundo os relatos, balas de borracha e cães também são empregados como instrumentos de torturaMaterial cedido ao Mterópoles
Indícios de tortura
Conforme noticiado pela coluna nessa terça-feira (16/12), a Corregedoria-Geral da Justiça realizou, entre os dias 29 e 30 de outubro deste ano, uma inspeção na cadeia.
O relatório, elaborado por integrantes do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Prisional e Socioeducativo (GMF), do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), descreve situações graves de violação de direitos humanos.
“Os custodiados são obrigados a permanecer sentados, sem camisa e sem chinelos, com as pernas dobradas e as mãos na nuca — por vezes apenas de cueca ou completamente nus — durante a entrada de policiais penais nas alas, sob xingamentos, humilhações e violência”, afirma um trecho do relatório.
Os vídeos
Em uma das gravações, um policial penal utiliza spray de pimenta como forma de punição. O agente esfrega a substância no rosto do detento e, em outro momento, usa as mãos para espalhá-la diretamente nos olhos do custodiado.
Segundo os relatos, balas de borracha e cães também são empregados como instrumentos de tortura. Em algumas imagens, os animais são posicionados diante dos presos, latindo de forma agressiva, enquanto os detentos tentam se proteger com os braços.
Um dos custodiados ouvidos pelos profissionais apresentava uma mordida profunda na região do glúteo. Outro detento tinha marcas de mordida em uma das mãos, indícios compatíveis com o uso de cães durante as ações relatadas.
As entrevistas
Durante a inspeção, as equipes ouviram 126 detentos. Desses, 48 apresentavam cicatrizes ou lesões recentes provocadas por disparos de balas de borracha.
Os inspetores também localizaram, no interior das celas, cápsulas de munição de borracha e uma granada já deflagrada, supostamente de efeito moral, reforçando as denúncias de uso excessivo da força dentro da unidade prisional.
O documento conclui que há, no presídio, a consolidação de um poder paralelo voltado ao exercício de uma “justiça própria”, em afronta direta ao Tribunal de Justiça, ao Grupo de Monitoramento e Fiscalização (GMF) e às demais instâncias de controle do sistema prisional.
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