Vanessa Marques: Quando o prefeito usa a prefeitura para se promover: a confusão entre mandato e marca pessoal
Mais um episódio levanta suspeitas sobre o uso de recursos públicos para fins de promoção pessoal. O fato é que essa prática é rotineira, especialmente no interior do país, onde a fiscalização é quase inexistente. De tempos em tempos, surgem casos como o atual, em que o Ministério Público de Minas Gerais recomendou ao […]

Mais um episódio levanta suspeitas sobre o uso de recursos públicos para fins de promoção pessoal. O fato é que essa prática é rotineira, especialmente no interior do país, onde a fiscalização é quase inexistente. De tempos em tempos, surgem casos como o atual, em que o Ministério Público de Minas Gerais recomendou ao prefeito de Passos que deixe de utilizar servidores e recursos da prefeitura na produção de conteúdo para suas redes sociais pessoais. O episódio evidencia uma distorção cada vez mais recorrente e preocupante na política contemporânea: a confusão entre o interesse público e o interesse privado na comunicação institucional.
O básico segue precisando ser dito: a comunicação governamental deve servir ao cidadão, e não ao governante. Quando um agente político utiliza profissionais contratados pelo poder público para promover sua imagem pessoal, comete um desvio ético e administrativo. O servidor público, concursado ou terceirizado, é remunerado com recursos coletivos e, portanto, deve atuar em favor da transparência, da prestação de contas e da difusão de políticas públicas, jamais como assessor de marketing pessoal do mandatário.
Esse tipo de apropriação simbólica do espaço público transforma a máquina estatal em instrumento de autopromoção, afrontando os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa previstos no artigo 37 da Constituição Federal. Mais do que um erro técnico, trata-se de um comportamento que reforça o personalismo político e corrói a legitimidade das instituições democráticas.
Trata-se de um fenômeno recorrente Brasil afora, potencializado pela obsessão contemporânea pela visibilidade na internet. Vivemos um tempo em que a visibilidade se converteu em capital político. Inspirados pelas lógicas da influência e da performance, muitos gestores públicos passaram a enxergar o cargo como um palco digital, medindo o sucesso por curtidas e visualizações. Essa estetização da política, aqui é pertinente recuperar os conceitos de Guy Debord e Pierre Bourdieu, converte a gestão pública em espetáculo, no qual a narrativa pessoal suplanta o compromisso coletivo.
O caso de Passos é emblemático justamente por mostrar como essa dinâmica banaliza o uso da estrutura estatal. O servidor terceirizado, ao ser deslocado para funções de produção audiovisual de conteúdo pessoal, exemplifica o que Manuel Castells analisa como a crescente subordinação da comunicação pública à lógica da autoimagem nas redes. Não se trata apenas de desvio funcional, mas do sintoma de uma cultura política que confunde mandato com marca pessoal.
A recorrência desses episódios revela outro elemento corrosivo: a sensação de impunidade que sustenta práticas de autopromoção financiadas pelo erário. A ausência de responsabilização efetiva faz com que muitos políticos tratem a fronteira entre público e privado como um detalhe operacional.
O discurso do “não vejo problema” ou do “todo mundo faz” naturaliza o desvio e deseduca o eleitor, fragilizando a cultura republicana. O episódio deveria servir de alerta não apenas ao prefeito envolvido, mas a todos os gestores e comunicadores públicos. A comunicação institucional é, e deve permanecer, uma ferramenta estratégica de transparência e cidadania, não de vaidade política.
A comunicação personalista pode até ser legítima, desde que financiada e executada por profissionais contratados para esse fim, jamais com recursos públicos.
Por Vanessa Marques- jornalista
Prefeitura Municipal de Passos (MG), no Sul do estado
crédito: Google Street View/Reprodução
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