Veja os 3 operadores da fraude do INSS identificados pela PF
Careca do INSS, advogada e assessor de entidade investigada são investigados na operação Sem Desconto como supostos operadores

A investigação da Polícia Federal (PF) sobre descontos irregulares de beneficiários do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) apontou pelo menos três pessoas como operadoras do esquema que levou a um prejuízo bilionário a aposentados e pensionistas nos últimos anos.
Dentre eles, estão Antonio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “careca do INSS”, uma advogada e Cícero Marcelino, assessor do presidente da Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer), uma das entidades investigadas.
Os três estão na mira da PF porque, segundo as apurações, faziam intermediações entre as entidades investigadas e servidores do INSS. O esquema foi revelado pelo Metrópoles.
Careca do INSS
Ex-superintendente de marketing de uma gigante do ramo de planos de saúde, ele é tido como principal operador do esquema, e seria o responsável por obter, por meio do INSS, dados cadastrais de beneficiários, repassando as informações para as entidades acusadas de fraudar filiações para cobrar mensalidades indevidas.
Ele é suspeito de pagar propina para diretores do órgão para favorecer as entidades envolvidas. Como mostrou o Metrópoles, ele recebia uma comissão de 27,5% sobre cada valor descontado de aposentados pelas associações para as quais atuou.
Em representação, a PF destaca que o “careca do INSS” teria sido o responsável por pagamentos suspeitos a empresas e parentes de dois ex-diretores e do procurador-geral afastado do INSS.
A coluna mostrou, por exemplo, que o ex-diretor de Benefícios do órgão recebeu R$ 1,4 milhão diretamente do lobista. Já o procurador afastado do órgão teria recebido R$ 7,5 milhões.
Alexandre Guimarães, ex-diretor de governança do INSS, também teria recebido valores do “careca do INSS”, conforme relatou a coluna. Segundo a PF, o valor foi de cerca de R$ 313 mil. A defesa nega irregularidades envolvendo Guimarães.
Segundo a PF, ele é sócio de uma “miríade de empresas”, muitas das quais estariam envolvidas na “farra do INSS”, em especial a Prospect Consultoria.
“Verificou-se que as empresas de Antonio Carlos Camilo Antunes operaram como intermediárias financeiras para as entidades associativas e, em razão disso, receberam recursos de diversas associações que, em parte, foram destinados a servidores do INSS”, diz trecho de representação da PF.
Outra suspeita que recai sobre Antunes e apontada na apuração é a discrepância entre sua renda mensal declarada -de cerca de R$ 24 mil mensais- e suas movimentações financeiras, que seriam muito superiores, totalizando milhões de reais.
Em fluxograma incluído na representação da PF, a corporação aponta que o “creca do INSS” teria ligação com entidades como a Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), a Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (CBPA), a Associação de Suporte Assistencial e Beneficente para Aposentados, Servidores e Pensionistas do Brasil (Asabasp), a Associação no Braisl de Aposentados e Pensionistas da Previdência Social, o Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (Cebap) e a União Nacional de Auxílio aos Servidores Público (Unaspub).
Os valores recebidos dessa entidades teriam sido por meio da Prospect, uma de suas empresas.
“Ao todo, portanto, pessoas físicas e jurídicas relacionadas a Antonio Carlos Camilo Antunes receberam R$48.133.789,76 diretamente de entidades associativas e R$5.452.899,34 de empresas intermediárias relacionadas às entidades associativas, totalizando R$53.586.689,10. Antonio Carlos Camilo Antunes, por sua vez, enviou R$9.329.550,53 para pessoas físicas e jurídicas relacionadas a servidores do INSS”, diz o documento.
Como mostrou o Metrópoles, o careca do INSS recebeu, por exemplo, procuração para atuar pela Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec) perante o INSS, uma das entidades que mais cresceu durante o período de descontos sobre aposentadorias.
Somente da entidade, a investigação aponta que Antonio Carlos recebeu R$ 11 milhões por meio da Prospect.
Por meio da defesa, a Ambec nega praticar “atividade ostensiva de captação, prospecção e afiliação de seus associados, sendo tais atividades praticadas por empresas privadas diversas, de forma que, se qualquer fraude ocorreu, a associação é tão vítima quanto seus associados”.
No último sábado (26/4), Antonio teve seu passaporte retido depois de voltar da Europa. Ele também foi informado sobre as outras medidas judiciais que recaem sobre ele, como proibição de manter contato com outros investigados e testemunhas, assim como com dirigentes e funcionários de entidades com acordos de descontos associativos.
Cecília Mota
Além de advogada, Cecília também é servidora pública federal aposentada. Segundo a apuração, seu escritório recebeu valores de associações investigadas e remeteu-os a pessoas jurídicas pertencentes a familiares de servidores do INSS.
Um relatório produzido no âmbito da Operação Sem Desconto mostra a existência de “relações financeiras entre as entidades associativas e pessoas físicas e jurídicas ligadas” à advogada.
Como mostrou a coluna, a PF afirma que “pessoas físicas e jurídicas relacionadas a Cecilia Rodrigues Mota receberam R$ 14.081.937,35 das entidades associativas e das empresas intermediárias relacionadas às entidades associativas”.
Duas entidades são citadas como tendo ligação com Cecília: a Associação dos Aposentados e Pensionistas Nacional (Aapen), anteriormente denominada de Associação Brasileira dos Servidores Públicos (ABSP) e a Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (AAPB). A PF indica que ela foi presidente das associações, que estão ligadas à “farra do INSS”.
Ela também teria presidido a Associação Civil Beneficente de Assistência Mútua aos Servidores Públicos (Asbampa), que consta em fluxograma da Polícia Federal que mostra as ligações de Cecília.
Cecília também é responsável pelo “Cecília Rodrigues Mota – Sociedade Individual de Advocacia”. Segundo a PF, além das transações que desaguaram nos servidores do INSS, “a pessoa jurídica movimentou recursos incompatíveis com seu faturamento mensal de microempresa”.
A corporação também narra que a Rodrigues & Lima Advogados enviou R$ 630 mil à Xavier Fonseca consultoria, por meio de em 4 TEDs, entre novembro de 2023 e abril de 2024.
A empresa é da irmã de Virgílio Antônio Filho, então procurador-geral do INSS que foi afastado do cargo pela operação Sem Desconto.
Outra sociedade da advogada também teria enviado R$ 520 mil para Eric Fidelis, filho de André Fidelis, ex-diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão do INSS, setor responsável pela celebração dos ACTs com as entidades associativas – precisamente o que está sob investigação das autoridades.
Ainda, a Highway Comércio e Serviços de Informática, outra empresa de Cecília, foi beneficiária de R$ 1,7 milhão. Foi também a remetente de outros R$ 2,8 milhões, cujo principal destino, diz a PF, foi a própria Cecília e seu escritório.
Por fim, a corporação também aponta um “volume atípico” de viagens nacionais e internacionais realizadas por Cecília em menos de um ano. Segundo a apuração, ela viajou 33 vezes entre janeiro e novembro daquele ano, incluindo destinos como Dubai, Paris e Lisboa. No ano de 2023, Cecília viajou oito vezes.
Cícero Marcelino
Cícero Marcelino é outro dos citados pela Polícia Federal como ligado a uma entidade, com transações suspeitas que poderiam indicar possível lavagem de dinheiro.
A PF aponta Cícero, assessor de Carlos Ferreira Lopes, presidente da Conafer, como possível operador da entidade, que também é investigada na operação.
Na Operação Sem Desconto, a PF aponta para uma “trilha financeira” envolvendo a Conafer com indícios de fluxo irregular de recursos.
Um relatório de inteligência Financeira citado pela PF também mostra que a cunhada de um funcionário do INSS, identificado como Jobson de Paiva Sales, teria transacionado com Cícero.
A PF esclarece que, apesar de Jobson não ter recebido diretamente valores de intermediários, a irmã de sua companheira, ou seja, sua cunhada, teria recebido do assessor da Conafer. A cunhada, mostra a investigação, também teria trabalhado na confederação entre 2020 e 2021.
“A ligação entre Cícero Marcelino e a rede de associações sugere que este indivíduo e suas empresas possam ser mais uma peça no esquema de desvios de recursos do INSS. Além do mais, a movimentação de recursos de volta ao remetente sugere um possível ciclo de lavagem de dinheiro, no qual os valores recebidos podem estar sendo redirecionados para camuflar a verdadeira origem dos recursos”, diz a PF.
Como mostrou a coluna, Cícero aparece em transações suspeitas com José Laudenor, que é sócio do ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL), José Carlos Oliveira, em uma empresa. A PF cita que Oliveira mudou seu nome para Ahmed Mohamad Oliveira Andrade.
Com base nos dados financeiros, a PF afirma que José Laudenor “manteve vínculos financeiros com Cícero Marcelino (que, por sua vez, operou milhões de reais da Conafer) e também com Ahmed Mohamad (ex-Presidente do INSS e ex-Ministro do Trabalho e Previdência)”
Farra no INSS
A PF deflagrou a operação Sem Desconto para avançar na apuração sobre descontos irregulares de beneficiários do INSS que chegaram a R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024.
A operação cumpriu mais de 200 mandados de busca e apreensão e a cúpula do INSS foi afastada. No mesmo dia, o presidente do órgão, Alessando Stefanutto, foi demitido pelo governo Lula (PT).
As cobranças indevidas se davam por meio de desconto direto na folha de pagamento da aposentadoria. O argumento da cobrança era sobre vantagens em serviços como plano de saúde, seguro e auxílio-funeral.
As cobranças, no entanto, não eram autorizadas pelos pensionistas, que acionaram a Justiça após perceberem os débitos em suas aposentadorias.
Defesa
Em nota, a Conafer e Carlos Ferreira Lopes, presidente da entidade, afirmam que ainda não foram intimados ou informados pelas autoridades sobre as questões citadas pela reportagem. “A entidade, até o presente momento, não teve acesso aos autos”, diz a nota.
Ainda, dizem que a entidade está contratando uma auditoria completa nos seus sistemas de pagamentos e financeiros para poder atender e esclarecer todas as eventuais dúvidas trazidas neste inquérito.
“Os vários anos de atividades da Conafer demonstram os inúmeros e bons serviços prestados aos seus associados, sendo que todos os questionamentos provenientes das autoridades constituídas serão objeto de diligências internas, hábeis a esclarecer todos os fatos, inclusive os que dizem respeito aos seus colaboradores, direção e também de terceiros”, conclui a nota.
Já a defesa de André e Eric Fidelis afirmou que ainda não teve acesso aos autos do processo e, portanto, não irá se manifestar sobre o mérito das investigações neste momento.
“Reafirmamos o compromisso com a transparência, o respeito às instituições e o esclarecimento integral dos fatos”, diz a nota enviada à coluna.
Cecília Mota, Antonio Camilo, Jobson Sales não responderam aos contatos. A coluna não encontrou o contato de Cícero Marcelino.
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