Zona Franca: o milagre e sua reinvenção (por Roberto Caminha Filho)

Entre motos, chips, plásticos, ar-condicionados e promessas verdes, Manaus prova que a Amazônia pode fabricar o seu próprio futuro

Oct 27, 2025 - 10:30
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Zona Franca: o milagre e sua reinvenção (por Roberto Caminha Filho)

A Zona Franca de Manaus nasceu em 1967 como um sonho de integração e progresso no coração da floresta. Antes era uma cópia de uma zona franca peruana, bem apresentada por amazonenses de bom caráter e ficou dormindo na capital federal por um bom tempo.

Seu criador foi o Deputado Pereirinha. A concepção do atual projeto foi do Ministro Roberto Campos, com a genial idéia de ser a concorrente ocidental da gigantesca Zona Franca do Oriente. Era a Zona Franca da Guanabara, sonho barrado pelo Presidente Castelo Branco, que indicou a Zona Franca de Manaus, com medo de perder a Amazônia.

Meio século depois, continua sendo o maior polo industrial da Amazônia e o último grande experimento de desenvolvimento regional do Brasil. Mas o modelo está envelhecendo: ainda fabrica produtos do século XX, com incentivos fiscais do século passado e expectativas do século retrasado. O desafio agora é sobreviver à transição ecológica e digital — sem perder o rumo nem o incentivo.

Todos os sulistas querem mexer para torná-la igual ao produtivo Vale do Jequitinhonha, um deserto de idéias, alí, bem pertinho dos inventores e longe da Avenida Faria Lima, o local ideal para uma Zona Franca, no quadragésimo nono andar de qualquer edifício a ser erguido em três meses.

Poucos lugares do mundo abrigam fábricas de motocicletas, televisores e climatizadores ao lado de igarapés, barrancos e selva com samaumeiras, pupunheiras e várzeas com camu camu. Hoje, são cerca de 500 empresas e mais de 100 mil empregos diretos — mas o modelo sofre erosão tributária e tecnológica. O país inteiro muda, e a ZFM continua refém do velho mantra: “incentivo é vida”. E a Zona

Franca de São Paulo dá alguma coisa para os fabricantes de automóveis e medicamentos? Dizem, dizem: a Z.F.SP é muito maior que a de Manaus. E não tem água. Uma vergonha, visitar São Paulo e acompanhar o Rio Tietê, onde João Havelange e Maria Lenk, disputavam concorridas competições.

Enquanto Brasília discute a Reforma Tributária, para aumentar acarga de impostos, o mundo fala de descarbonização, biotecnologia e inteligência artificial com redução da carga dos impostos. A ZFM ainda concentra 90% de sua produção em eletroeletrônicos e veículos, segmentos com muito pouca pesquisa local e alta dependência de matrizes estrangeiras. O incentivo fiscal, que deveria ser “muleta temporária”, virou bengala vitalícia. E agora, a pressão é global: ou o polo se torna bioindustrial, com foco em química verde e biotecnologia amazônica, ou se tornará irrelevante até 2030.

Quem ousa mexer na muleta e deslocar, direto para São Paulo, em dez meses, dois milhões de desempregados? São Paulo já está falando, de novo, em “falta de água”. Já imaginaram o transtorno que criará, mais de dois novos milhões de respirantes, querendo água tratada e sabão para beber e tomar banho? Só os caboclos, das beiras de rios, podem resolver esse problema que chega e nos abraça com: venezuelanos, colombianos, peruanos, haitianos, cubanos, africanos, barbadianos, paraenses, maranhenses e outros povos do Caribe e dos Andes. O primeiro pit-stop, de todos esses irmãos e “cumpañeros”, é Manaus.

É muito comum você conviver com uma doutora de Berkeley e uma vassoura nas mãos, porque o libertador Madurito, a expulsou, sem avisar. A Carmencita viu o Grego com um soluço diferente e falou-me: o seu amigo está com um problema cardíaco gravíssimo. Eu perguntei: Como viste isso? Sou doutora por Berkeley. Desmaiei! No outro dia ela estava em uma Clínica amiga, segurando e melhorando as broncas de um amigo nosso.

A palavra mágica é “bioeconomia”, mas sua tradução prática ainda engatinha. O governo federal acena com o Programa de Desenvolvimento da Bioindústria Amazônica (BioAmazônia), e a SUFRAMA tenta atrair empresas que unam biotecnologia, fármacos naturais e cosméticos verdes. Enquanto isso, São Paulo já tem startups de DNA vegetal e bioplástico… usando insumos amazônicos. Brasília olha para a ZFM com desconfiança: “subsídio caro”, sem subsídio, “benefício desigual”, “pouco retorno”. Manaus responde: “sem o incentivo, viramos um deserto de empregos e floresta em cinzas e entreposto de cocaína”. A verdade é que o modelo precisa de um novo contrato social. Nem o privilégio eterno, nem o desmonte súbito. Talvez a saída esteja em atrelar cada ponto de isenção a metas de inovação, pesquisa e sustentabilidade, medindo quem realmente investe na Amazônia e quem apenas imprime etiqueta.

A Zona Franca não precisa ser extinta — precisa ser reinventada. Imagine uma nova geração de indústrias: fábricas de bioplásticos derivados da castanha e do tucumã; fármacos e cosméticos oriundos de pesquisas locais; centros de energia solar e hidrogênio verde voltados à floresta; startups de tecnologia indígena e bioengenharia amazônica. Esse é o futuro possível — e rentável. Mas requer coragem política e investimento real em ciência. É uma nova Zona, talvez depois da ponte, 5 km depois dela.

A Zona Franca sobreviveu a crises, decretos e dilúvios fiscais. Agora, precisa sobreviver a algo pior: a indiferença. Enquanto Brasília conta impostos e o mundo conta carbono, Manaus tenta contar histórias novas. Se conseguir transformar incentivos em inovação, e floresta em conhecimento, talvez ainda fabrique o produto mais precioso da Amazônia: futuro sustentável. Vale um olhar sobre as várzeas. E nunca esquecer as palavras do amazonólogo Samuel Benchimol:

“A Zona Franca de Manaus não é um Paraíso Fiscal e sim o Paraíso do Fisco”

Roberto Caminha Filho, economista, espera ver seus netos e bisnetos, pagando as altas despesas dos governos com dinheiro da Zona Franca de Manaus.

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