A história que se repete (Por Miguel Esteves Cardoso)
A ideia de que isto vai de mal a pior é a ideia dominante da cultura. Quem é que se safa desta desgraça multifacetada?

Se há duas coisas que se repetem na História, uma é a ideia de que os tempos presentes são importantíssimos para o futuro. A outra é de que isto nunca esteve tão mau.
O resto são acrescentos. Pensávamos há uns anos que tínhamos batido no fundo, mas mal sabíamos a sorte que tínhamos: ainda estávamos no ar, a dançar o minueto com as borboletas.
Os jovens já não respeitam os velhos. E dantes? Dantes, sim, respeitavam: que remédio! Quem não respeitasse ia para as masmorras.
Mas se, de repente, voltássemos ao ano 2000 ou a 1970 ou a 1315 ficaríamos horrorizados. Ficaríamos horrorizados com o pouco que tínhamos, o pouco que sabíamos, o pouco que nos importávamos.
A verdade imutável é só uma: o ser humano é descontente. É vaidoso: quer viver num tempo importante. Quer assistir, quer fazer parte, quer lamentar. É ambicioso: quer deixar a marca, quer melhorar, quer intervir, quer que digam que valeu a pena ele viver.
A pessoa descontente passa por séria, passa por preocupada, passa por filosófica. Mas ver os defeitos é a coisa mais fácil à face da Terra. O que é difícil é detectar, no meio de tanta desgraça habitual, as qualidades.
A ideia de que isto vai de mal a pior é que é a ideia dominante da cultura. Muitos veem uma oportunidade de tentar melhorar as coisas, mas todos concordam que os tempos são maus e que as pessoas não querem saber.
Quem é que se safa desta desgraça multifacetada? O opinador. O contemplador. Ou seja, cada um de nós quando opina ou contempla, depois de ter passado 30 segundos a pensar nos problemas da humanidade.
É esse o problema: a criança que grita que o imperador vai nu é considerada um herói. Já fez o que tinha a fazer.
Mas apenas disse o que viu. Não pensou. Não criou. Não ajudou ninguém. Nem sequer se pode dizer que foi honesto – apenas que não colaborou na decepção.
Somos todos como esse menino. Dizemos que isto está mal e dão-nos o passe para continuar exatamente como estávamos.
É bom negócio.
(Transcrito do PÚBLICO)
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